domingo, 21 de dezembro de 2008

Na árvore do Natal (7)

Aos comentadores mais assíduos deste blog, uma lembrança de Natal. Esta é para a misteriosa personagem que se identifica pelas iniciais MT.
Desafiou-me um dia MT a publicar um extracto mais volumoso de uma crónica de António Lobo Antunes exautorando o "amor à homem pelas mulheres". Preferi retomar o tema, com a ajuda de outro autor: G. Steiner, aliás, já referido neste blog.
George Steiner, professor de Literatura em Inglaterra, nascido em Paris, em 1929, estudou nos Estados Unidos. É dele esta estimulante reflexão sobre as "maravilhas que validam a existência mortal" do homem.

O amor é, com intensidades várias, a maravilha imperativa do irracional. É inegociável, tal como a (condenada) demanda de Deus entre os Seus enfermos. Tremer, no mais fundo âmago do nosso espírito, nervos e ossos, à vista, à voz, ao mais pequeno toque do ser amado; imaginar, maquinar, mentir despudoradamente para conseguir alcançar, estar perto do homem ou da mulher amados; transformar a nossa existência (pessoal, pública, psicológica e material) num instante imprevisível por via e consequência do amor; suportar dor e depressões inomináveis devido à ausência do amado ou à debilitação do amor; identificar o divino com a emanação do amor, como faz o platonismo, que é o mesmo que dizer o modelo ocidental da transcendência - é desfrutar do sacramento mais inexplicável e banal da vida humana. É, dentro do potencial de cada um, tocar a maturidade do espírito. Fazer equivaler este universo da experiência ao libidinoso, como o faz Freud, explicá-lo em termos de vantagens biogenéticas e procriadoras, são reduções quase desprezíveis. O amor pode ser o elo involuntário, culminando na autodestruição, entre indivíduos nitidamente inadequados um para o outro. A sexualidade pode ser incidental, transitória ou completamente ausente. O mais feio, mais desgraçado, mais malvado entre nós pode ser o objecto de um Eros desinteressado e apaixonado. O desejo de morrer pelo amado ou pela amiga - l'amie, como diz o francês de modo tão exacto e luminoso -, as lúcidas insanidades do ciúme, são contraprodutivas nos termos de qualquer racionalização biológica  (darwiniana) ou social. A famosa máxima de Pascal, segundo a qual o coração tem razões que a razão desconhece, acaba por privilegiar a racionalidade. Não são as "razões" que enchem o coração. São necessidades de uma origem completamente diferente. Para além da razão, para além do bem e do mal, para além da sexualidade que, mesmo no auge do êxtase, é um acto perfeitamente menor e efémero. Esperei uma noite inteira debaixo de chuva torrencial para ter um vislumbre da amada a dobrar a esquina. Se calhar nem sequer era ela. Deus tenha piedade daqueles que nunca conheceram a alucinação de luz que preenche as trevas durante uma dessas vigílias.
Do poder supremo, irracional, rebelde a qualquer análise, e muitas vezes desastroso, do amor advém a ideia - será mais uma vez uma puerilidade? - de que "Deus" ainda não existe. De que só existirá, ou, mais precisamente, de que só se tornará manifesto à percepção humana quando houver um amor imenso e muito mais excessivo do que o ódio. Toda e qualquer crueldade, toda e qualquer injustiça inflingida sobre o homem ou sobre o animal justifica as conclusões do ateísmo na medida em que afasta Deus daquilo que seria efectivamente um primeira vinda. Mas, mesmo nas horas piores, sou incapaz de abdicar da convicção de que as duas maravilhas que validam a existência mortal são o amor e a invenção do tempo futuro.

George Steiner, Errata: Revisões de um Vida. Lisboa, Relógio d'Água, 2001. p. 202-204.

4 comentários:

Anónimo disse...

Ufa!!!.

Que texto!

Obrigado.

Abraço.

Paulo Prudêncio.

Anónimo disse...

"Há sempre três personagens numa história de amor, e desta verdade inegável deveria estar consciente cada homem que se enamorasse pela beleza de uma mulher. O pretendente sabe, ou deve saber, que toda a mulher está virtualmente apaixonada por outro homem, por aquele que ela admira (...). Enquanto não identificar, e não caracterizar, a pessoa pela qual a mulher está realmente ou virtualmente apaixonada, o pretendente encontrará imprevistas dificuldades no seu procedimento de sedução."
- Álvaro Ribeiro, Razão Animada -

Não é por acaso que no Banquete, de Platão, é Diotima, uma mulher, quem fala sobre o Amor!
-Isabel X -

Anónimo disse...

O trabalho a que você se deu para me surpreender! Estou sinceramente espantada.
O texto do Steiner, muito marcado pelo judaísmo, tem um registo mais literário que filosófico. Eu confesso que sou mais freudiana do que platónica. A escolha do texto tem algo de irónico, não é verdade?
Obrigado, na mesma. Bom ano para si a para todos os bloggers de oqueeuandei.
MT

Anónimo disse...

Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

Albert Einstein