segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

domingo, 30 de dezembro de 2012

À janela de Anselm Kiefer

Anselm Kiefer, Parsifal I. 1973

sábado, 29 de dezembro de 2012

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A somar aos três anteriormente aprovados

Fernando da Costa
Lidia Pereira
Isabel Xavier

Quatro novos mestres em Gestão Cultural pela ESAD.CR

Daniela Ambrósio
 Rui Venâncio
 André Conceição
Patrícia Martins

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

À janela (com verde) de Pablo Picasso

Pablo Picasso (1881–1973), Woman by a Window. 1956.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

domingo, 23 de dezembro de 2012

sábado, 22 de dezembro de 2012

Então ficamos

Quando, num dia qualquer de muitos táxis e viagens, a trupe de São Torcato nos contou, a todos, algumas das histórias mais dramáticas das idas, a salto, para França, logo ali se vislumbrou uma baliza de interesse, um pedaço de história onde poderíamos coser a nossa história.
Andávamos a conviver com os tantos grupos e comunidades, e precisávamos de uma ignição qualquer para começar a contar a história que, todos, sem que o soubéssemos, já éramos.
E foi nesse momento, que uma velha mulher falou. E nos confessou o seu caso, naquela manhã friorenta, porventura como hoje, nos idos cinquenta ou sessenta, na paris capital do eldorado, que afinal não era. Pelo menos para ela. Que às dificuldades vimaranenses se sucederam as dificuldades do estrangeiro. E que um dia, entre a casa e a escola da criança, antes do trabalho, caíra com a filha no colo, no colo da neve. Que por um momento pensou que, ficando tombada na neve, terminaria ali o seu calvário. Que a morte de ambas poderia ser a solução para as tantas dificuldades. Que bastava uma pequena decisão, responsabilidade sua. Ficariam: uma, no colo da outra, agarrada ao seu pescoço; a outra, segurando aquele tesouro, dizendo-lhe – quem sabe? – uma derradeira cantiga de embalar. Mas que, finalmente, numa espera que parecera ter durado uma eternidade, ela decidira erguer-se, sacudir a neve e, com aquele impulso, se erguera uma esperança. Que tudo, afinal, não passara de uma espécie de lapso no tempo, matéria que também estava em estudo, naqueles tempos de pesquisa e audição, para nós.
E com esta peça, se arrancou para o puzzle deste acontecimento. Para uma espécie de coisa que é o espetáculo que julgamos estar a fazer.
Com esta chave, virava-se uma página da nossa demanda. Mas isso só o saberíamos mais tarde. Sabíamos ao que andávamos, sem que soubéssemos o que queríamos. Que a queda seria a metáfora do que queríamos fazer. E que aquele lapso de tempo experimentado na neve, seria o tempo que o espetáculo duraria: três segundos só.
E caminhámos.
Íamos sendo engravidados (um pouco em cada conversa, um muito em cada gesto espetacular a que assistíamos e sofríamos) pelas reflexões para-artísticas destas gentes que aproveitaram esta oportunidade e a voz que, por fim, tiveram. E, então, estas pessoas falaram. E disseram das suas fragilidades, expondo a alma, como quem mostra a casa em dia de Páscoa. E das suas ambições. E das suas desesperanças.
Mais de dois anos volvidos, hoje todos somos a mulher que caiu (que continua a cair) e todos somos os que habitamos essa mulher, porque todos somos a mulher em estado de casa e de memória. Somos protagonistas e antagonistas dessa história, porque neste jogo, podemos ser tudo ao mesmo tempo. Estamos metidos nesta espécie de festa, coisa séria, urdindo a teia enquanto nos aperta a trama. Livres e cativos, somos um bravo coro em procissão ardente, não já constituído pelos doze ou quinze da antiguidade grega, mas pelos seiscentos que agora somos. De onde, pontualmente, há de emergir o corifeu que se precisa para nos lembrar que a Cidade é uma utopia possível e, por isso, sonhável. E, porque todos sabemos e tudo conhecemos, podemos autorizadamente comentar o gesto que acabámos de fazer, porque fomos nós que o fizemos, mesmo tendo sido outro corpo e, porventura, outra voz a protagonizá-lo.
E ficamos. Pois então. No momento seguinte ao filet mignon, ficamos no tempo do feijão, da salsicha e do atum. Da precariedade do argumento que sabe que não terá uma resposta. Uma dança sem par. Ficamos, pois. Para onde havemos ir? Pode ser opção, ou pode ser vocação. Importa de menos porque, o que vale é este estar estando, de quem fica, militantemente, ficando.

António Durães
Diretor Artístico de ENTÃO FICAMOS


FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
Encenação e direção artística: António Durães
Orquestração e direção musical: Fernando C. Lapa e José Mário Branco
Maestro: Peter Bergamin
Cenografia: Fernando Ribeiro
Figurinos: Cláudia Ribeiro
Assistente de figurinos: Berta Cardoso
Mestra costureira: Celeste Marinho
Assistente mestra costureira: Alice do Vale
Costureiras: Mónica Melo, Emília Dias, Goreti Pimenta, Maria José, Nélinha, Cidália, Assunção
Alfaiate: Joaquim Azevedo
Assistente de alfaiate: Mª Lurdes Azevedo
Adereços: Tiago Magalhães
Desenho de luz: José Álvaro Correia
Direção de som de sala: Tó Pinheiro da Silva
Direção de som de palco: Mário Seco
Direção de cena: Inês Maia
Assistência a direção de cena: Inês Gregório, Vanessa Santos, Vanessa Freitas, Sofia Peralta
Assistência de encenação: Nuno Preto
Movimento: Cristina Mendanha
Coordenação vocal: Magna Ferreira
Ensaio de cena com comunidades: Cristina Mendanha, Rafaela Salvador, Maria João Mota (Pele)
Ensaio musical com comunidades: Luísa Barriga, Magna Ferreira, João Guimarães, Carlos Correia, Joaquim Alves (Percussão), Tiago Simães
Textos (a partir das comunidades): Amélia Muge, José Mário Branco, Adolfo Luxúria Canibal, Carlos Nobre
Música: Amélia Muge, Miguel Pedro, António Rafael, José Mário Branco, Fernando C. Lapa, Carlos Nobre
Identificação e articulação temática comunidades / Equipa criativa: Rui Pereira
Produção executiva - A Oficina: Mauro Rodrigues
Produção técnica - A Oficina: Francisco Grilo
Coordenação de projeto: Suzana Ralha
Assistência de coordenação: Florbela Castro, Júlia Rodrigues

ORQUESTRA DAS BEIRAS
Diretor artístico: António Vassalo Lourenço

Participantes:
Abel Cerca da Cunha; Abílio Lima de Freitas; Adão Vilela Beltrão; Admilson Pereira Cabral; Adriano José Silva Lemos; Afonso Ribeiro; Albano Manuel Alves; Alexandre Ferreira Moreira; Alexandre Mendes Teixeira; Alice Manuela Silva Cunha; Ana Benedita Santos Morim; Ana Carolina Guise Pereira; Ana Catarina Freitas Martins; Ana Catarina Freitas Vale; Ana Catarina Mendes Pinto; Ana Catarina Vieira Portela; Ana Cláudia Faria Ribeiro; Ana Cristina Azevedo Silva; Ana Cristina Ferreira Pereira; Ana Fernandes Pereira; Ana Filipa Ferreira Freitas; Ana Francisca Costa Pereira; Ana Francisca Ferreira; Ana Isabel Costa Gomes; Ana Isabel Faria Moreira; Ana Isabel Paiva Neto; Ana Luís Cardoso; Ana Luísa Pereira César; Ana Luísa Silva Gonçalves; Ana Manuela Martins Silva; Ana Maria Freitas Cardoso; Ana Maria Pimenta; Ana Marta Caetano; Ana Miguel Fernandes; Ana Paula Barbosa Castro; Ana Paula Ramos Soares Costa; Ana Raquel Fernandes Azevedo; Ana Salgado de Almeida; Ana Sofia Barbosa Sampaio; Ana Sofia Silva Oliveira; Anabela Antunes; Anabela Sousa Pereira; André Almeida; André Filipe Fernandes Silva; André Miguel Alves Matos; Andreia Félix; Ângela Pereira Ribeiro; Ângelo Emanuel da Silva Campos; Anísia Nadine Silva Teixeira; Antónia Maria Ribeiro da Silva; António da Silva Pinto; António Filipe Oliveira Gomes; António Nicolau Nunes de Almeida; Armanda Guimarães; Armando Jesus Machado Sousa; Aurora Maria Pereira de Faria; Bárbara Fernandes Silva Gonçalves; Bárbara Inês Pereira César; Beatriz Abreu Lemos; Beatriz Freitas; Beatriz Silva Fernandes; Beatriz Susana Teixeira Pinto; Bebiana Pereira Sousa; Benjamim Rodrigues Machado; Bernardo Salgado; Bruna Catarina Silva Ramos; Bruna Filipa Peixoto; Bruna Ribeiro; Bruno Miguel Machado Silva; Cacilda Fátima Ferreira; Camila Macedo; Carina Isabel F. da Silva; Carla Alexandra P. L. Miranda; Carla Gameiro Cruz; Carla Marisa da Silva Pinheiro; Carla Silva; Carlos Bruno P. Freitas; Carlos Daniel Silva Félix; Carlos Duarte; Carlos Jorge Soares Palavras; Carlos Oliveira; Carlos Xavier Mendes Araújo; Carmen Maria Teixeira da Silva; Carminda Maria Castro; Catarina Correia Cardoso; Catarina Dias; Catarina Gonçalves Guimarães de Castro; Catarina Lopes da Silva; Catarina Silva; Catarina Silva Pacheco; Cátia Sofia Lopes Mendes; Cecília A. M. Silva Soares; Cecília Pereira da Silva; Cédric Alves da Cunha; Cláudia Sofia Coelho Pinto; Cláudia Agostinha Pereira e Pereira; Cláudia Catarina Soares Sampaio; Cláudia Filipa Leite; Cláudia Sofia Nogueira Oliveira; Conceição Pires; Cristiana Isabel Duarte Alves; Cristiana José; Cristina Leite Magalhães; Dana (Ona Danute); Daniel Firmino da Silva Henriques; David Eduardo Pereira; David Meireles; David Oliveira Fraga; Débora Gabriela L. Gomes; Delfina Silva Castro; Diana Beatriz Silva Moura; Diana Isabel Dias Machado; Diana Roriz; Diana Silva Félix; Diogo André P. Andrade; Diogo António Alves Costa; Diogo Filipe de Lemos Silva Canário; Domingos Alberto Almeida Ribeiro; Domingos Faria; Domingos Fernandes Ribeiro; Domingos Ferreira Marques; Domingos Luís Freitas Abreu; Dorinda Soares Cardoso; Eduarda Manuela da Cunha Ribeiro; Eduardo Ferreira Pereira; Eileen Dias; Élia Sousa Alves; Elisa Maria Costa Nogueira; Elisabete Abreu; Elisabete Ribeiro Silva Teixeira; Ellen Antunes; Elsa Catarina Ribeiro Ferreira; Elsa Maria Pereira Machado; Esmeralda Rosa Freitas Mendes; Estrela Joana Costa Salgado; Eugénia Monteiro; Eunice F. Barbosa Oliveira Bastos; Felizardo Dirceu Mendes Ferreira; Fernanda Lima; Fernando Ribeiro; Filipa Manuela Salgado Morais; Filipa Orquídea Silva Pinheiro; Filipe André da Costa Andrade; Filipe Manuel Freitas Mendes; Filipe Manuel S. Fernandes Costa; Filipe Manuel Silva Ribeiro; Filipe Nuno Brito Esteves; Flávio José Araújo Ribeiro; Francisca F.M.R. Leite; Francisca Gomes; Francisca Ribeiro; Francisca Sampaio Neves; Francisco Peixoto Ferreira; Francisco Silva; Gabriel Ribeiro Teixeira; Gabriela Susana Freitas Silva; Glória Silva Monteiro; Goretti Ferreira; Helena Sousa; Helga Sofia Sousa Alves; Hélia Filipa Sousa Alves; Igor Gonçalves; Ilídia Barbosa; Inês Magalhães Monteiro; Inês Marques Antunes; Inês Oliveira; Inês Sofia B. Borges; Inês Sousa Donas Oliveira; Isabel Cunha Lopes Fernandes; Isabel Freitas do Amaral; Isabel Silva; Ivo Jorge Castro Moreira; Joana Abreu Lemos; Joana Alexandra Lima Freitas; Joana Fernandes Peixoto; Joana Filipa Leite Costa; Joana Margarida Silva Mendes; Joana Rita Costa Machado; Joana Rita Mendes Pinto; João Artur Fernandes; João Baptista Ferreira Fontão; João Carlos Pedrosa Teixeira; João Carvalho; João Cunha; João Manuel Ferreira Pereira; João Manuel Lemos Silva Canário ; João Miguel Correia Novais Granado; João Miguel G. Lopes Ferreira; João Miguel Oliveira Bastos; João Óscar Amaro das Neves; João Pedro Faustino Cardoso; João Pedro Machado; Canário; João Pedro Oliveira Ribeiro; João Sousa; Joaquim Castro Matos; Joaquim Gonçalves; Jorge Carvalho; Jorge Lemos Abreu; José Amadeu Ferreira; José António Vieira Machado; José Carlos Silva; José Freitas Abreu; José Leonel Costa Meneses; José Luís Costa Novais; José Luís Gonçalves da Silva; José Manuel Mesquita; José Manuel Queirós; José Maria Silva Gomes; José Marques; José Miguel; José Paulo Fernandes Azevedo; José Rui Xavier Matos; Josefa da Silva Matos; Josefa Graça Pinheiro Costa; Josefa Oliveira Freitas; Josefina Maria Magalhães Araújo; Judite Alves; Judite Machado; Júlia Ana Silva Leite; Juliana Ferreira; Juliana Gomes Dias; Juliana Maria Lima Silva; Júnior Soares; Laura de Belém Mendes Lopes; Laurinda Matos Salgado; Leonel Lima Gomes; Liliana Marcela Soares Silva; Lino Alexandre Silva; Lucas Oliveira; Ludovina Vieira Martins; Luís Cunha; Luís Machado da S. F.; Luís Miguel Costa Vieira; Luís Miguel Martins Fernandes; Luís Miguel Mendes Pinto; Luís Miguel Sampaio; Luísa Martins; Madalena Gameiro Cruz; Mafalda Costa Reis; Mafalda Ribeiro Ferreira Silva; Manuel Agostinho Freitas Oliveira; Manuel Alberto S. M. Sousa; Manuel Costa Cunha; Manuel Costa Teixeira; Manuel da Silva; Manuel Inácio Novais; Manuel Jorge Ribeiro Alves; Manuel Paulo Leite Silva; Manuel Santos Alves; Manuel Silva Ribeiro; Manuela Bourbon; Manuela Freitas; Mara Eulália F. Silva; Mara Raquel Pereira Marinho; Márcia Alexandra P. Meneses Pacheco; Márcia Filipa Mendes Carvalho; Margarida Adelaide Lopes Teixeira; Margarida Atilano Peixoto; Margarida Guerreiro; Margarida Mendes; Margarida Oliveira; Maria Adelaide Araújo Fontão; Maria Adelaide Magalhães Silva; Maria Aidé Silva Nogueira; Maria Antónia Fernandes Lopes; Maria Ascensão Fernandes Magalhães; Maria Aurora Machado Silva; Maria Barbosa Lopes; Maria Benedita Santos; Maria Cacilda Alves Coelho; Maria Carmo Fernandes Batista; Maria Celeste Ferreira Pinto; Maria Conceição Araújo; Maria Conceição C. Cunha; Maria Conceição Carvalho; Maria Conceição Ferreira; Maria Conceição Ferreira Machado; Maria Conceição Pinhão Leite; Maria Conceição Vieira Freitas; Maria Emília E. Pimenta Pacheco; Maria Emília Lopes Pereira Abreu; Maria Esmeralda Lobo Ribeiro; Maria Esquível Costa Freitas Fernandes; Maria Fátima Costa e Silva; Maria Fátima Marques; Maria Fátima Pinhão Leite; Maria Fátima Pinto Fernandes; Maria Felismina Pimenta Oliveira; Maria Fernanda Carneiro; Maria Fernanda Castro; Maria Fernanda Silva Braz; Maria Glória Cardoso Marques; Maria Gonçalves Carneiro; Maria Helena Flores e Santos; Maria Inês Santos Costa; Maria Isabel Sousa Araújo; Maria João Faria Costa; Maria João Faria L. do Carmo; Maria João Luís; Maria João Machado Mendes; Maria João Silva Ribeiro; Maria José F. Nobre Machado; Maria José Faria Marques; Maria José Lima; Maria José Maia Carvalho; Maria José Sampaio; Maria Júlia Vieira Veloso; Maria Laura de Matos; Maria Lopes; Maria Luísa Ferreira Sousa; Maria Lurdes Ferreira Alves; Maria Macieira; Maria Madalena Queirós; Maria Manuela S. Mendes; Maria Nazaré Cotas; Maria Rita Ribeiro Fernandes; Maria Rosa Fernandes Silva; Maria Rui Sampaio; Maria Sofia Machado Freitas; Maria Soledade Bastos; Maria Sousa Donas; Mariana Freitas; Mariana Helena Matos Dias; Mariana Pinto Sarmento; Mariana Santiago; Mário Gonçalves; Mário José Fernandes; Marta Alexandra Guimarães Machado; Marta Carvalho Oliveira; Marta Cristina Ferreira Xavier; Marta Gabriela Ribeiro; Marta Manuela Mendes Freitas; Marta Sofia Pinto; Martinho Lobo; Matilde Bastos; Matilde Fernandes; Miguel Fernandes Azevedo; Miguel Medeiros; Mila Oliveira; Moisés Ferreira; Nayara Pinto Diaz; Nelson Cristiano Ferreira da Silva; Nuno Francisco Salgado; Olga Maria Ferreira Dias; Olga Neiva; Olímpia Armanda Pereira Silva; Olinda Maria Pereira Ribeiro; Olinda Maria Silva Melo; Olívia Manuela Marques Antunes; Patrícia Azevedo; Paula Catarina Magalhães Coutinho; Paula Cristina Fernandes Alves; Paulo Gabriel Gonçalves Lemos; Paulo Jorge Alves; Paulo Renato Fernandes Faria; Paulo Silva Ribeiro; Pedro Almeida; Pedro Andrade; Pedro Bruno Lopes da Costa; Pedro Manuel Rodrigues Martins; Pureza Azevedo Silva; Raquel Maria Marques Lima; Raquel Sousa Pereira; Regina Anjos Silva; Regina Isabel Vieira; Renato Alexandre Silva; Rita Esquível Costa Coelho Lima; Rita Pimenta Bourbon Sampaio; Rita Sofia Alves Pereira; Rodolfo Domigos Macedo Moreira; Rosa Alves dos Santos; Rosa de Jesus Leite; Rosa Machado Silva; Rosa Maria Lopes Teixeira; Rosa Pereira Félix; Rúben Ribeiro Oliveira; Rui Jorge Ribeiro Guise; Rute Isabel Silva Fernandes; Sandra Palavras; Sara Carvalho; Sara Gisela Novais Pinheiro; Sara Pacheco; Sílvia Fraga da Nóbrega Pereira; Sílvia Freitas; Sílvia Marlene Silva Teixeira; Simão Pedro Vaz Sampaio; Sofia Maria M. P. Silva; Sónia Cristiana Gonçalves Silva; Sophia Freitas; Susana Pereira Fernandes; Sylvie Marinho; Tânia Rafaela Castro Oliveira; Teresa Brito V. Oliveira Bastos; Teresa Marques; Teresa Nobre Machado; Teresa Rosa Silva; Tiago; Alexandre M. Silva; Tiago José Alves Matos; Tiago Morais Carvalho Candal; Tomás Barreto Cabral; Tomás Canário Guimarães; Vanessa Catarina Santos Morais; Vânia Salgado; Vasco António Correia Rocha; Verónica Costa; Verónica Santos Morim; Victor Manuel Pereira Abreu; Viktoriya Dukró; Virgílio Machado; Vítor Hugo Pacheco Silva; Zulmira Fern. Nogueira.

Outros participantes

MÃO MORTA António Rafael; Adolfo Luxúria Canibal; Miguel Pedro; Joana Longobardi; Vasco Vaz; Sapo
OUTRA VOZ EM CORO FIXO Ana Cristina Azevedo Silva; Carla Silva; Cristiana José; Elisabete Abreu; Fernando Ribeiro; Filipe Manuel S. Fernandes Costa; Ilídia Barbosa; João Miguel G. Lopes Ferreira; João Miguel Oliveira Bastos; Maria José F. Nobre Machado; Marta Gabriela Ribeiro; Matilde Fernandes; Teresa Nobre Machado
ORFEÃO COELIMA Anabela Sousa Pereira; Antónia Maria Ribeiro da Silva; Armando Jesus Machado Sousa; Aurora Maria Pereira de Faria; Joana Margarida Silva Mendes; João Batista Ferreira Fontão; Júlia Ana Silva Leite; Laura de Belém Mendes Lopes; Manuel Alberto S. M. Sousa; Manuel Silva Ribeiro; Maria Adelaide Araújo Fontão; Pedro Bruno Lopes da Costa; Raquel Sousa Pereira
VILANCICO António Filipe Oliveira Gomes; Maria Esmeralda Lobo Ribeiro
ACADEMIA DE MÚSICA VALENTIM MOREIRA DE SÁ Leonel Lima Gomes
CORAL DE LETRAS DA UP: Diretor Artístico José Luís Borges Coelho / Sopranos Ana Carvalho; Anita Faria; Carolina Santos; Célia Araújo; Isabel Pereira; Paula Brochado; Paula Oliveira; Paula Santos / Contraltos Albertina Brochado; Aldina Pereira; Ana Almeida; Andreia Fernandes; Gabriela Marques; Guilhermina Costa; Isabel Ferreira; Lurdes Castro; Rumi Sakamoto; São Luís Castro / Tenores Daniel Moreira; Fernando Adérito; Ilídio Brochado; José Dias; Rui Castro; Sérgio Santos / Baixos Agostinho Magalhães; David Pantoja; João Rodrigues; Jorge Grave; Jorge Pinheiro; José Silva; Matias Schoner; Paulo Gusmão
GRUPO DE CAVAQUINHOS DE MOREIRA DE CÓNEGOS António da Silva Pinto; Carlos Xavier Mendes Araújo; David Eduardo Pereira; Eduarda Manuela da Cunha Ribeiro; Eduardo Ferreira Pereira; Felizardo Dirceu Mendes Ferreira; Filipe André da Costa Andrade; João Manuel Ferreira Pereira; João Pedro Faustino Cardoso; José Manuel Mesquita; Manuel Agostinho Freitas Oliveira; Maria Celeste Ferreira Pinto; Maria José Faria Marques; Marta Alexandra Guimarães Machado; Nelson Cristiano Ferreira da Silva; Paulo Renato Fernandes Faria; Rúben Ribeiro Oliveira
GRUPO DE PERCUSSÃO RITURB Ana Raquel Fernandes Azevedo; Bruna Filipa Peixoto; Bruno Silva; Cláudia Sofia Nogueira Oliveira; Gabriela Susana Freitas Silva; Luísa Martins; Maria João Luís; Miguel Fernandes Azevedo; Patrícia Azevedo; Paulo Silva Ribeiro
GRUPO DE PERCUSSÃO ALLCATEIA Igor Gonçalves; João Carvalho; João Cunha; João Sousa; Jorge Carvalho; José Miguel; Luís Cunha; Mariana Santiago; Mário Gonçalves; Miguel Medeiros; Pedro Almeida; Pedro Andrade
GRUPO DE PERCUSSÃO TOKAKI Ângelo Emanuel da Silva Campos; Carlos Daniel Silva Félix; Carlos Jorge Soares Palavras; David Oliveira Fraga; Diogo Filipe de Lemos Silva Canário; Elsa Maria Pereira Machado; Francisco Silva; Ivo Jorge Castro Moreira; João Manuel Lemos Silva Canário; João Pedro Machado Canário; José Luís Gonçalves da Silva; José Paulo Fernandes Azevedo; Lino Alexandre Silva; Paula Cristina Fernandes Alves; Sandra Palavras; Sónia Cristiana Gonçalves Silva; Sílvia Fraga da Nóbrega Pereira; Vasco António Correia Rocha.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Registo

Senhor Presidente da Câmara, Senhor Secretário de Estado da Cultura
Devo, em primeiro lugar, fazer deste momento um símbolo partilhado. Nele se concentram, tanto a lembrança emocionada do esforço dispendido, como o impulso da continuidade, tanto a energia acumulada na acção cumprida, como a confiança no desafio lançado ao futuro.
É um momento de conclusão e também de prospectiva. Ao andar, fizemos o caminho, como disse o poeta António Machado. Continuando a andar, Guimarães prosseguirá o caminho. Prosseguindo o caminho, Guimarães irá mais longe.
É justo referir agora e saudar as organizações e instituições que caminharam connosco: dos órgãos de soberania: Presidente da República; Assembleia da República; Governo (e permitam-me aqui uma menção especial aos responsáveis pela Cultura - cuja presença nesta sessão nos é muito grata - pela Economia e Desenvolvimento Regional e pelo Turismo); Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte; a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu; as inúmeras entidades, públicas e privadas, que pelas mais diversas formas de parceria e apoio, participaram com particular desvelo, no projecto Capital Europeia da Cultura.
Permitam-me que signifique na pessoa do Dr. António Magalhães, e na Câmara a que preside, o agradecimento caloroso que é devido a toda a cidade, uma cidade que exibiu e viveu o título de Capital Cultural da Europa com entusiasmo, sedução e brilho. Sr. Presidente, a nossa gratidão só encontra paralelo na admiração pela combatividade, pela visão e liderança que todos lhe reconhecem.
Neste momento, quero agradecer também a todos aqueles – e tantos foram! – que fizeram deste projecto o seu projecto, programando, produzindo, planeando, criando, trabalhando. A todos – órgãos e colaboradores da Fundação Cidade de Guimarães e de A Oficina envolvo num abraço de reconhecimento e afecto. Sei que não esqueceremos este ano e o que dele fizemos.
Toda a comunicação social nos acompanhou de forma exemplar, conferindo a este ano de cultura relevo e impacto. A todos os meios envolvidos no imenso Fazer Parte desta Capital endereço um profundo agradecimento, com um destaque especial ao grupo RTP, cujo o esforço e o empenho, dignificando um serviço publico que importa tenha continuidade, quero aplaudir.

Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Nesta senda, a nova criação juntou-se ao património, seguimos as raízes até ao presente, trazendo-as ao encontro do que é diferente, específico e irredutível na contemporaneidade. Neste projecto, a cultura não perdeu de vista a dimensão económica e urbana e integrou a dimensão educativa e social. Acrescentou lajes e rastos aos que tinham sido legados pelas gerações anteriores. Um dos mais importantes desses rastos liga Guimarães à Europa e ao resto do mundo, consciente do lugar próprio da cultura e das cidades na curva apertada que temos pela frente.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar
Os sulcos abertos revelaram a cultura como sistema urbano, dotado de estruturas e profissionais, que planeia e adapta, que presta serviços e produz, que capta recursos e fixa talento, que articula interesses e expectativas. Aqui, a cultura fez-se enquanto política pública e em colaboração com o nível associativo e privado/empresarial.
Esses sulcos foi a cidade que os recebeu e fomos todos nós que os abrimos. Cada um desses sulcos pontua uma malha que, ao mesmo tempo, se apertou e se estendeu. É malha de uma rede regional e nacional, europeia e internacional.

No princípio deste caminho estava a cidade. E ela aí está, de novo, perante nós: é a mesma e já é outra.
Agora, sabe melhor que andar é trânsito e transição, passada e passagem, reconhecimento e descoberta. Neste ano memorável, transportámos memórias acrescentadas de novas memórias e actualizações de memórias antigas. Ampliámos a cidade com novas experiências e novos saberes. Forjámos laços de sentimento e compreensão que nos ajudam a ambicionar um futuro com mais sentido do colectivo e mais afirmação do singular.
O espectáculo que vai em seguida ter lugar é um resumo e uma metáfora do caminho andado. Nele intervêm mais de meio milhar de pessoas vindas de todos os lugares do concelho e arredores. Como estas:
- O Carlos que tem 16 anos. Em 2011 aderiu ao projecto Uma História do Futuro e descobriu em si o gosto da escrita. Foi seleccionado para uma visita a Maribor e acompanhou em Guimarães os jovens eslovenos que dali partiram. Participou no projecto Krisis e agora neste. Fez novas relações. Ao fim da noite procura boleia para a freguesia onde vive, Gonça, uma das mais distantes da sede do concelho.
- A Maria do Carmo que trabalha numa loja no Toural. Com o marido, desempregado, entraram no Outra Voz porque “faz bem estar com outros”. Começa a trabalhar às 7h da manhã e nunca sabe a que horas consegue chegar ao ensaio da noite. A patroa deu-lhe agora a tolerância horária bastante para que pudesse concretizar o seu sonho de fazer um grande espectáculo.
- O Fernando que é professor associado no Departamento de Electrónica Industrial da Universidade do Minho. A sua vida académica é muito preenchida e tem 4 filhos. Faz parte do corpo de voluntários e integra o coro Outra Voz. Abriu a sua casa ao Mi Casa es Tu Casa e realizou um projecto no Guimarães Noc Noc. No dia seguinte às provas de agregação, o Prof. Fernando corria a Feira Afonsina trajado de guerreiro medieval.
- O Senhor Domingos que está reformado. Entrou, pela primeira vez, na fábrica de cutelaria onde o pai trabalhava, aos 4 anos. Um dia, na Herdmar, viu entrar pela fábrica as crianças envolvidas nas residências artísticas da Capital Europeia da Cultura e sentiu um grande alegria pela diferença do seu tempo de menino. Quando soube que algumas das peças que construiu nestas residências estariam aqui, lançou de novo mãos à obra, retocando os corações que martelara com as crianças.
São histórias de pessoas concretas, que fazem o arco, tantas vezes invisível, que desenha a ponte, como notou Ítalo Calvino. Estas histórias, que poderia multiplicar por mil, por 10 mil. Testemunham que valeu a pena.
São histórias de cidadania, de confiança na energia que cada um pode dar e receber, transmitindo-a a um projecto de todos e de cada um. Esta é a cidadania que não tem dúvidas em responder à pergunta: que podes fazer pelo teu País, pela tua cidade, pela tua terra?

A cidade está no princípio e no fim deste projecto. Está na transição que agora começa. Com um espaço público enriquecido, vivido de forma intensa. Com uma abertura renovada à pluralidade cultural e artística e ao cosmopolitismo. Com fronteiras mais porosas entre produtor e consumidor, entre público e privado, entre erudito e popular, entre antigo e jovem. Ficámos com um território mais apetrechado com parcerias para a cultura. Um território mais consciente de que a solidariedade se revaloriza também pela colaboração em processos artísticos e culturais.
Guimarães viveu a utopia da sua capital da cultura na realidade do seu dia a dia. Fê-lo com inovação e com realismo. Com entusiasmo e com criatividade.
É uma cidade e é todas as cidades, que se revêem na mesma ambição.
A criação artística e cultural reelabora o imaginário das cidades. Mas deve, como aqui sucedeu, ancorar-se no real, encontrando-se com as percepções, as necessidades e os sonhos dos seus habitantes.
A cultura é a casa do homem, aquela em que ele se pode sentir mais abrigado do inumano. Os humanistas acreditam nisto, desde sempre. É em nome desse humanismo cultural e crítico que a Europa se fez e tem de continuar a fazer-se. De Guimarães, cidade portuguesa, europeia e universal, nós afirmamos a nossa vontade de construir o futuro em nome do melhor que somos.

Viva Guimarães!
Viva Portugal!
Viva a Europa!
Viva a Cultura!


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

À janela de João Guimarães Rosa

Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei mão para me benzer — mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.
O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca.
Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:
— ‘Meu amor!…’
Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.

João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas. 1958.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

À janela de João Guimarães Rosa

Janela do amor imperfeito

Alta esquina no céu, tua janela
surge da sombra e a sombra faz dourada.
Já não me sinto só defronte dela,
me chega doce o fel da madrugada.
Atrás dela te estendes alva e em sonho
me levas desamado sem saber
que mais amor te invento e que te ponho
sobre o corpo um lençol de amanhecer.
Doce é saber que dormes leve e pura,
depois da sura e fatigante lida
que a vida já te deu. Mas é doçura
que sabe a sal no mais azul do peito
onde o amor sofre a pena malferida
de ser tão grande e ser tão imperfeito.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

À janela de João Guimarães Rosa


Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insol
itíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

"Famigerado", in Primeiras Estórias, Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1988, pág. 13.

Caminhar


- "Gatinho de Cheshire"... começou um pouco tímida, pois não sabia se ele gostaria do nome, mas ele abriu mais o sorriso.
- "Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?"
- "Isso depende bastante de onde você quer chegar", disse o Gato.
- "O lugar não me importa muito...", disse Alice.
- "Então não importa que caminho você vai tomar", disse o Gato."
- ... desde que eu chegue a algum lugar", acrescentou Alice em forma de explicação.
- "Oh, você vai certamente chegar a algum lugar", disse o Gato.. "se caminhar bastante"...

Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

domingo, 16 de dezembro de 2012

...p'ra'qui chegar.

Je suis en route
J'ai toujours été en route.

Blaise Cendrars

sábado, 15 de dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

À janela de André Derain

André Derain (1880–1954), Window at Vers. 1912

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

À janela de Larrry Rivers

Larry Rivers (1923–2002), Jim Dine Storm Window. 1965

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

À janela de Picasso

Pablo Picasso (1881–1973), The Woman at the Window, state II. 1952

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

À janela de Jacques Prévert

Jacques Prévert (1900–1977), The Window of Isis. 1957

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ó meu amor! ó meu damasco, ó minha seda

Ó meu amor! ó meu damasco, ó minha seda,
Ó meu guizo de prata,
Meu colar de pérolas deixado em cima da cómoda,
Minha aliança de ouro em dedos já velhinhos e fieis,
Minha cantiga de raparigas ao poente,
Ó meu fumo de cigarro, tão inútil e tão necessário,
Minha Bíblia para as crianças brincarem,
Minha amante que eu queria trazer ao colo como uma filha...
Olha, tenho as mãos em febre...
Tenho a testa a escaldar, tenho os olhos muito estranhos...
Todos olham para o brilho dos meus olhos e espetam-se neles...
Eu tenho febre e tenho sede e lembro-me de ti por causa disso
Porque se eu te tivesse como te quereria ter
(Não sei se é de um modo físico, ou de um modo psíquico)
Eu não teria nem febre, nem sede, nem a testa a arder,
Nem os olhos secos, muito secos, sob a fronte...
Tu não sabes o que tem sido a minha vida!...
Tu não sabes que martírio tem sido o meu...
Se tu soubesses o que é amar as coisas simples e calmas
E não ter jeito para procurar senão as outras coisas!
Se tu soubesses porque é que quando eu estou na minha quinta de dia
Tenho saudades dela como se não estivesse lá...
Se tu soubesses o que eu sinto à noite, nos hotéis, pelas ruas,
Se tu soubesses! Mas eu próprio não sei o que é que sinto...
Minha lantejoula, minha casa de bonecas,
Ó meus brinquedos da minha infância atados com cordéis!
Ó meu regimento que passa com a banda à frente,
Minha noite no circo, nos cavalinhos, a rir dos palhaços...
Ó minha (...)

Poemas de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. (Edição crítica de Cleonice Berardinelli.) Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990. p. 325.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Maribor

The European Capital of Culture project (EPK) has brought the cities involved, region and the country a lot of good, Suzana Žilič Fišer, the head of Maribor 2012, the institute in charge of the project, believes. She thinks it has also contributed to people's "awakening from apathy" and encouraged them to speak up.

Director of ECOC 2012: "International recognisability of Maribor and the parter cities has significantly increased because of the EPK. Maribor has become one of the top ten destinations in 2012, tourist numbers exceeded expectations"
As some are drawing parallels between the EPK and anti-establishment protests that were born in Maribor, Žilič Fišer says in an interview with the STA that after 2012, the year in which Maribor holds the title of European Capital of Culture, the city will never be the same.
"If this project encouraged citizens to become more self-aware, if it encouraged democratisation of opinions and a public dialogue...our goal has been achieved."
As part of the EPK both traditional as well as on-line projects enabled people to express their opinions, positions on various issues, according to her.
Having people expressing their opinion was very much needed in Slovenia, where apathy became increasingly wide spread, especially among the young people.
Žilič Fišer believes the biggest lasting achievement of the project is the mental shift that has happened because Maribor and its partner cities to the project (Murska Sobota, Novo mesto, Ptuj, Slovenj Gradec and Velenje) were put in the centre of attention of international community.
Subsequently, all those who work in these cities have been given an opportunity to be seen in the wider, European region, she says.
"This is why I think coproductions and projects of cooperation with international institutions are so important. I hope this cooperation will continue in the future as well and this is definitely an added value of the EPK."
Žilič Fišer also cherishes the cooperation between culture and science through the University in Maribor as "extremely important for the creativity of the city".
Another positive feature has been volunteering, which the EPK has been encouraging and which Žilič Fišer thinks should be nurtured in the future. "More than 7,000 hours of volunteer work done by different generations certainly indicate a huge shift in the mentality of the people."
The EPK also brought economic effects, including by attracting more tourists. "International recognisability of Maribor and the parter cities has significantly increased because of the EPK. Maribor has become one of the top ten destinations in 2012, tourist numbers exceeded expectations."
"Whether or not this trend will continue, depends on the city leadership and the hospitality sector," the EPK official says.
According to her, the project also connected the partner cities, which opens many opportunities for the future, including in the form of cooperation in the drawing of European funds.
However, the project was also marred by financial issues, while the decision to put a public institute in charge of the project Živčič Fišer labels as "the least appropriate".
She says that while in other culture capitals around the world the institution that is in charge of the project is set up five years in advance, in Slovenia such an institute was set up less than a year before the start of the project.
"Many staffing changes in the management and other bodies of the institute in this short period of preparation for the project significantly destabilised the situation and prevented effective work."
Maribor 2012 also has "extraordinary big problems" with paying coproducers due to delays in payments to the institute from the state
The fate of the institute after 1 January 2013 is also uncertain although initially it was envisaged that the institute will operate until 1 July 2013. "Those who pass this decree knew that they will have to enable the institute to function by July 2013," she says.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

No tempo em que existiam 3 classes

Com a mesma facilidade e o mesmo à vontade tanto viaja em classe de grande luxo como em terceira classe. Ruben [Andresen Leitão], viajante experimentado, recomenda, no entanto, que se deve "evitar sempre e a todo o custo a 2a classe, a meia cor, a mula, o mestiço, o arroto, o chefe de balcão, a Dona Engrácia, o onzeneiro Inácio da Silva Perueiero, o pijama listrado, a prima sacanita, o palitar descarado, o anel com pedra preciosa, o guardanapo pela barriga - enfim evitar sempre um conjunto em permanente sessão solene".

Liberto Cruz e Madalena Carreto Cruz, Ruben A.: uma Biografia. Lisboa, Editorial Estampa, 2012. p. 105.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Estou encantado

Ilustração de Salgado Almeida

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Cultura=Capital

Ilustração de Salgado Almeida, 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O rebanho é os meus pensamentos

IX - Sou um guardador de rebanhos.

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 39.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Saudades de Paris

Há um ano, aqui estava eu, de braço dado com Woody Allen.

sábado, 1 de dezembro de 2012

À janela de Édouard Vuillard

Édouard Vuillard (1868–1940), The Window.1894

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

DETAIL Prize 2012

The winners have been chosen: Architects from 45 countries submitted a total of 589 projects for the DETAIL Prize 2012. This is the fifth time that the contest, which aims to highlight impressive projects from around the world, has been held. Once the editorial team had carried out its initial selection, the top-class jury and 3,894 DETAIL readers chose their favourites: The jury selected the project Residence Vitznau by Lischer Partner Planer AG as their winner, while the Readers' Prize went to Portuguese architects' office Pitágoras for its project Platform of Arts and Creativity. On 22 November 2012, both projects will be honoured at the award ceremony at the Schlosshotel im Grunewald in Berlin.



Platform of Arts and Creativity of Guimarães by Pitágoras (photograph by Pitágoras)

Residence Vitznau by Lischer Partner (photograph by Roger Frei)

À janela de Pablo Picasso

Pablo Picasso (1881–1973), Woman by a Window.1956

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pias

Carta a Ophélia Queiroz

Bebé:
Obtida a devida autorização do snr. eng. Álvaro de Campos, mando-lhe o poema que escrevi entre as estações de Casa Branca e Barreiro A, terminando a inspiração, entretanto, na Moita.
Este poema deve ser lido de noite e num quarto sem luz. Também, devidamente aproveitado, serve para fazer papelotes para as bonecas de trapo, para tapar as fechaduras contra o frio, os olhares e as chaves, e para tirar medidas para sapatos a pés que não tenham mais comprimento que o papel.
Creio que estão feitas todas as recomendações para o uso. Não é preciso agitar antes de usar.
Até logo.
Íbis
11/1/1930

Casa Branca — Barreiro A.
(Poema pial)
Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM,
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem quebra nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!

MOITA *

* Silêncio na estação à vontade do freguês.

Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994). p. 48.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A violência das emoções

Ela [Maria Adelaide] queria amar. Incapaz de tolerar a frustração da idade e de tudo aquilo que a condenava e a excluía como objecto de amor, Maria Adelaide recorria a uma agressão destruidora que atingia o marido, os amigos, a sociedade denunciante. Mas, ao mesmo tempo que se sentia livre de amar, a violência das emoções despojava-a do sentimento do amor.

Agustina Bessa-Luís, O Mistério de Légua da Póvoa. Lisboa, O Independente, 2004, p. 154

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Um tapete voador

Uma sociedade de influências e em que predominem as mulheres de quarenta e oito anos e os homens de trinta seis é uma sociedade doente. Quem não se der conta disto está destinado a cair redondamente em erro: nem fará política, nem amor, nem aquilo que mais se parece com os dois - a hipocrisia.
Podemos reconhecer se há um elemento desagregador na teia do poder quando se instala o sentimentalismo como se fosse uma trepadeira que corrompe a estrutura de melhor alvenaria. Então toda a insensatez se desdobra como um tapete persa, exactamente um tapete voador que não tem relação com a realidade. Transporta as pessoas a grandes alturas sem lhes dar ocasião de compreenderem a arte mágica da sua situação, eminentemente erótica, como é demonstrado pelo simbolismo de voar.

Agustina Bessa-Luís, O Mistério da Légua da Póvoa. Lisboa, O Independente, 2004. p. 155 


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Registo

Nestas breves palavras quero em primeiro lugar agradecer o convite para participar nestas jornadas sobre Turismo e fazer votos de sucesso aos seus responsáveis e intervenientes.
Quero dirigir uma especial saudação à senhora Secretária de Estado do Turismo, uma pasta pela qual passam expectativas de um sector muito relevante da economia portuguesa e certamente a definição de políticas capazes de trazer um impulso positivo e para o combate às dificuldades do tempo presente.
Não me compete trazer a este seminário o resultado dos estudos em curso sobre impactes de Capital Europeia da Cultura na área económica e social, pois os seus autores o farão com mais rigor e oportunidade. Registo todavia que todos os indicadores disponíveis se mostram muito favoráveis aos desígnios da CEC, evidenciando a capacidade de atração muito significativa de Guimarães ao longo deste ano de 2012. Não apenas os números relativos ao "mais do mesmo" mas ao que é novo.
Seja qual for o ângulo de abordagem ou o indicador utilizado, o resultado é claro: os fluxos de turismo em Guimarães subiram muito este ano, coroando a notoriedade nacional e internacional da cidade, e consolidaram uma boa imagem externa como cidade patrimonial e de criação.
A associação entre cidade património da humanidade e cidade capital da cultura da Europa funcionou de forma harmoniosa e virtuosa. Os conteúdos artísticos e culturais programados para 2012 ilustraram e reforçaram o nexo entre a representação das raízes e da origem, própria de uma cidade histórica, e a representação do desejo de futuro e da  superação pela energia, própria de uma cidade de criação. A programação deu resposta eficaz - diversificada, envolvente e pertinente  - à inclusão de Guimarães em finais de 2011 e princípios de 2012 no elenco dos principais  destinos turísticos do ano por parte das mais prestigiadas publicações turísticas internacionais.
O turismo cultural está há muito tipificado. Tem como protagonistas centrais grupos com elevada preparação académica, onde preponderam profissionais que se retiraram da vida activa relativamente cedo, procuram os seus destinos fora das grandes concentrações do calendário tradicional dos fluxos, prepara cuidadosa e autonomamente a vista, norteada por critérios que privilegiam a qualidade da oferta patrimonial e artística.
Sabemos que se trata de um turismo exigente, quanto à qualidade do serviço que procura, que gosta de ser surpreendido mas que valoriza a informação que lhe é disponibilizada e de que não abdica.
Daí, Senhora Secretaria se Estado, a grande importância que no projecto de Guimarães 2012 assume o papel  da comunicação, objecto de um protocolo longamente discutido e negociado com o Instituto de Turismo de Portugal, que V. Ex.a tutela. Temos experimentado dificuldades em obter o cumprimento integral desse protocolo, mas espero que seja possível em tempo ultrapassar os problemas. Estamos como é sabido na iminência de concluir a programação da Capital Europeia da Cultura, e não seria agora susceptível de absorção qualquer alteração dos pressupostos orçamentais com que trabalhamos desde o inicio.
Temos visto nas entidades de turismo, Instituto de Turismo e Turismo Porto e Norte, sempre os parceiros de uma cooperação estratégica e esperamos que assim continue a ser.
Senhora Secretária  de Estado,
Guimarães 2012 não se limitou a consolidar uma presença forte nas correntes de turismo cultural geradas em Portugal e oriundas do exterior. Guimarães 2012 estimulou de forma sensível um segmento do turismo cultural particularmente relevante no futuro, que é o turismo de participação nos processos criativos, o turismo, para usar o lema da CEC, do fazer parte.
Este segmento de turismo vê a cidade não apenas como um local de consumo, mas como um local de experiência pessoal e colectiva, de enriquecimento através da participação no processo de criação e apresentação. Este tipo de turista sente-se tão responsável pela qualidade de vida urbana como os residentes ou visitantes assíduos e próximos.
Na origem do sucesso deste tipo de turismo cultural está não apenas a qualidade da programação, mas a empatia da cidade, a forma como a cidade e os seus cidadãos transmitem os valores da convivência na diferença e da projecto colectivo assente no contributo autónomo individual.
Uma cidade que não despertasse o orgulho dos seus habitantes e não provocasse identificação com os que nela se acolhem não seria com certeza uma cidade que desse gosto visitar.
Foi esse valor que Guimarães 2012 trouxe para a primeira linha da sua projecção como cidade e foi esse valor que foi reconhecido pelos visitantes. Creio que todos temos a obrigação de proporcionar as condições para que a cidade possa prosseguir de forma realista esse caminho.

sábado, 24 de novembro de 2012

Arte e indústria

Apresentação em Leiria, num seminário promovido pelo Centro para o Desenvolvimento Rápido e Sustentado do Produto, do Instituto Politécnico de Leiria, do tema "Arte e Indústria na Cerâmica portuguesa do século XIX".
A palestra teve lugar no MIMO (Museu da Imagem em Movimento) onde também esteve patente uma exposição intitulada Cerâmica, Reflexo de um Cultura: Exposição Representativa da Indústria Cerâmica na Região de Leiria.
Oportunidade para revisitar temas como a transformação da indústria pela introdução do maquinismo, as mudanças no fabrico cerâmico resultantes do crescimento urbano e da mundialização dos mercados, inovação na cerâmica, a relação entre cerâmica e criação artística. Oportunidade também para falar de Manuel Mafra, Rafael Bordalo Pinheiro, o movimento Arts and Crafts.

Amigas de Leiria

Foi nas tertúlias criadas por iniciativa de Acácio Sousa, no Arquivo Distrital, que tudo começou. O interesse pela história - de facto a preocupação com tentar perceber - foi o estimulo que cimentou uma nova teia de relações que me ligou a Leiria.
A Paula e a Nídia (que entretanto descobrimos ter sido minha aluna nos finais da década de 70 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) tiveram aqui um papel crucial, pela sua disponibilidade e gentileza pessoais e rara capacidade de atrair um circuito de temas e pessoas à convivência intelectual.
Conheci mais tarde a Isabel, com a sua vivacidade fascinante, exactamente no contexto de uma homenagem a Acácio. 
Vieram a Guimarães em Junho e procurei sugerir-lhe uma ou duas pistas de visita à Capital Europeia da Cultura. Franquearam-me agora o acesso a um dos seus encontros regulares, num daqueles restaurantes de qualidade de que a cidade tanto se orgulha. O mínimo que posso dizer é que estou consciente do privilegio que me concederam e do afectuoso envolvimento que me dispensaram. Mouito brigado a todas vós.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Maravilhas que validam a existência mortal do homem

O amor é, com intensidades várias, a maravilha imperativa do irracional. É inegociável, tal como a (condenada) demanda de Deus entre os Seus enfermos. Tremer, no mais fundo âmago do nosso espírito, nervos e ossos, à vista, à voz, ao mais pequeno toque do ser amado; imaginar, maquinar, mentir despudoradamente para conseguir alcançar, estar perto do homem ou da mulher amados; transformar a nossa existência (pessoal, pública, psicológica e material) num instante imprevisível por via e consequência do amor; suportar dor e depressões inomináveis devido à ausência do amado ou à debilitação do amor; identificar o divino com a emanação do amor, como faz o platonismo, que é o mesmo que dizer o modelo ocidental da transcendência - é desfrutar do sacramento mais inexplicável e banal da vida humana. É, dentro do potencial de cada um, tocar a maturidade do espírito. Fazer equivaler este universo da experiência ao libidinoso, como o faz Freud, explicá-lo em termos de vantagens biogenéticas e procriadoras, são reduções quase desprezíveis. O amor pode ser o elo involuntário, culminando na autodestruição, entre indivíduos nitidamente inadequados um para o outro. A sexualidade pode ser incidental, transitória ou completamente ausente. O mais feio, mais desgraçado, mais malvado entre nós pode ser o objecto de um Eros desinteressado e apaixonado. O desejo de morrer pelo amado ou pela amiga - l'amie, como diz o francês de modo tão exacto e luminoso -, as lúcidas insanidades do ciúme, são contraprodutivas nos termos de qualquer racionalização biológica  (darwiniana) ou social. A famosa máxima de Pascal, segundo a qual o coração tem razões que a razão desconhece, acaba por privilegiar a racionalidade. Não são as "razões" que enchem o coração. São necessidades de uma origem completamente diferente. Para além da razão, para além do bem e do mal, para além da sexualidade que, mesmo no auge do êxtase, é um acto perfeitamente menor e efémero. Esperei uma noite inteira debaixo de chuva torrencial para ter um vislumbre da amada a dobrar a esquina. Se calhar nem sequer era ela. Deus tenha piedade daqueles que nunca conheceram a alucinação de luz que preenche as trevas durante uma dessas vigílias.

Do poder supremo, irracional, rebelde a qualquer análise, e muitas vezes desastroso, do amor advém a ideia - será mais uma vez uma puerilidade? - de que "Deus" ainda não existe. De que só existirá, ou, mais precisamente, de que só se tornará manifesto à percepção humana quando houver um amor imenso e muito mais excessivo do que o ódio. Toda e qualquer crueldade, toda e qualquer injustiça inflingida sobre o homem ou sobre o animal justifica as conclusões do ateísmo na medida em que afasta Deus daquilo que seria efectivamente um primeira vinda. Mas, mesmo nas horas piores, sou incapaz de abdicar da convicção de que as duas maravilhas que validam a existência mortal são o amor e a invenção do tempo futuro.

George Steiner, Errata: Revisões de um Vida. Lisboa, Relógio d'Água, 2001. p. 202-204.

Ritual

Até que, no dia 23 de Fevereiro de 1981, vinte dias depois de completares trinta e quatro anos, apenas quatro dias depois de ela fazer vinte e seis, conheceste-a, foste apresentado a Ela, à mulher que está sempre contigo desse essa noite de há trinta anos, a tua mulher, o grande amor que te emboscou quando menos esperavas, e, nas primeiras semanas em que viveram juntos, em que grande parte do vosso tempo era passado na cama, instituíram um ritual de ler contos de fadas um ao outro, coisa que continuaram a fazer quando, passados seis anos, nasceu a vossa filha, e, pouco depois de terem descoberto os prazeres íntimos de ler assim um ao outro, a tua mulher escreveu um longo poema em prosa intitulado Ler para Ti.

Paul Auster, Diário de Inverno. Memórias. Alfragide, Asa, 2012. p. 79

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Desagradável, seca, brusca, fria, cruel.

Lisboa, 22 de Janeiro de 1886.

Minha querida Emília

Ontem, depois de passar o dia a pensar em si, levei ainda a noite a sonhar consigo; assim o tempo todo lhe foi dedicado. Se, porém, nos meus pensamentos, tu me apareceste sempre encantadora, minha querida - no sonho apresentaste-te desagradável, seca, brusca, fria, cruel, a um ponto que me fez romper em lagrimas! Os meus prantos todavia, e a vossa "ferocidade", atribuo-os a um "bacalhau de cebolada" comido num covil, a horas tardias, com amigos mundanos.

Eça de Queirós entre os seus. Cartas intimas. Lisboa, Caminho, 2012. p. 69

Ricardito

- Estás mais bonita que nunca, peruaninha. Amo-te, desejo-te com toda a minha alma, com todo o meu corpo. Nestes quatro anos não fiz outra coisa senão sonhar contigo, amar-te e desejar-te. E também amaldiçoar-te. Cada dia, cada noite, todos os dias.
Passado um momento, afastou-me com as suas mãos.
- Tu deves ser a ultima pessoa no mundo que ainda diz essas coisas às mulheres. - Sorria, divertida, olhando-me como um bicho raro.  - Que piroseiras me dizes, Ricardito.
- O pior não é que as diga. O pior é que as sinto. Sim, são verdade. Tu transformas-me numa personagem de telenovela. Nunca as disse a ninguém a não ser a ti.

Mário Vargas Llosa, Travessuras da Menina Má. Lisboa, Dom Quixote, 2006. p. 123.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Triunfar na capital


Província

Se eu tivesse nascido 
No seio da província, era fatal 
Que o meu sonho maior, o mais sentido 
Seria triunfar na capital. 
E depois de tê-lo conseguido, 
Voltar à terra natal 
E ser pelos conterrâneos recebido 
Com palmas e foguetes, 
Fanfarras, vivas e banquetes 
Na Câmara Municipal. 

Carlos Queirós

terça-feira, 20 de novembro de 2012

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Tesouro


Manuel António Pina era membro do Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães desde Outubro de 2011. Não foi necessário esgrimir argumentos em favor da proposta. Mais difícil de explicar seria o da omissão anterior.
O valor do intelectual que aliou a independência crítica a um fino discurso analítico da realidade portuguesa e do escritor para quem a plasticidade da língua não conhecia limites justificava a sua presença num organismo que incluía já a figura tutelar de Eduardo Lourenço. Acresce que o consabido fascínio de Manuel António Pina pelo cinema o trouxera até ao convívio amigo e noctívago dos dirigentes do cine-clube vimaranense. Era estimado na cidade.
O Manuel António Pina, a quem me dirigi com a solicitação de inclusão pro bono na Capital Europeia da Cultura, era um homem afável, que nem por um momento pôs em dúvida a pertinência do projecto a que se iria ligar. Sorriu-me com aquela expressão de inocência com que nos brindava de lábios apertados à sombra do bigode. Esse sorriso era o sinal da cumplicidade que tão bem sabia reconhecer e cultivar. Também a designou por amizade, "uma espécie de tesouro escondido onde só se alcança depois de ter vencido longamente caminhos e tempestades".

João Serra, Presidente da Fundação Cidade de Guimarães

[Publicado no Jornal de Notícias de ontem]

sábado, 17 de novembro de 2012

Registo. Fernando Távora


Esta exposição sobre a vida e obra do arquitecto Fernando Távora assinala um momento de grande importância da programação de Guimarães 2012.
Esse particular significado prende-se, em primeiro lugar, com a posição cimeira que Távora preenche na história da arquitectura portuguesa e na história do ensino da arquitectura. Tanto numa como na outra, a sua acção representou uma mudança, criando novos paradigmas e estimulando novos caminhos. Precursor e  mestre, inspirador e protagonista, o seu impulso criador deixou marcas nas cidades e deu oportunidade a discípulos. Por ele passou, homem de visão e de cultura invulgares, também a descoberta do fio que levaria a arquitectura portuguesa a projectar-se, como se projectou, no exterior.
Guimarães 2012 não poderia passar ao lado deste figura eminente e prestar-lhe a homenagem devida. Para isso contou desde a primeira hora com o empenho inexcedível do arquitecto Álvaro Siza Vieira e da Casa da Arquitectura, dirigida pelo arquitecto Carlos Castanheira. Estou muito grato a ambos, como Presidente da Fundação Cidade de Guimarães e como programador da área do pensamento da Capital Europeia da Cultura, onde este projecto foi inicialmente acolhido e desenvolvido. Em ambos encontrei sempre a força para tornear dificuldades e vencer obstáculos e a clarividência indispensável para encontrar soluções.
Mas também devo referir que, sem a colaboração da família de Fernando Távora, designadamente da Senhora D.ª Luísa Távora, do Arq. Bernardo Távora, e da Dr.a Maria José Távora esta exposição não teria sido possível. Neste âmbito, é justo destacar o papel facilitador do Dr. Álvaro Sequeira Pinto.
Uma palavra de agradecimento é igualmente devida à Fundação Marques da Silva, uma das primeira instituições com que a Fundação Cidade de Guimarães cooperou no passado e que agora disponibilizou o vasto acervo à sua guarda para a pesquisa e selecção de materiais destinados à presente exposição.
Também quero agradecer à Escola de Arquitectura da Universidade do Minho a forma como desde o principio acolheu e acarinhou este projecto de execução complexa e exigente. Neste agradecimento envolvo igualmente as Faculdades de arquitectura das Universidades do Poro e de Coimbra e a Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos.

A presença de  Fernando Távora em Guimarães está atestada em diversos edifícios por si projectados,  públicos e particulares, a começar pela sua própria casa, a casa da Covilhã, e a terminar nesta casa de formação de arquitectos, inserida no campus vimaranense da Universidade do Minho.
Mas não foi só em edifícios que o saber e experiência de Távora se desdobrou. Ele foi o grande mentor do projecto de reabilitação urbana, desenvolvido a partir dos anos 80 do século passado e que permitiu em 2001 o reconhecimento do centro histórico de Guimarães como património mundial. Guimarães deve-lhe essa visão, essa construção.
O visitante da cidade, surpreendido com a qualidade do espaço urbano histórico, a preservação que o torna acolhedor e amigável, é levado a crer que o que vê hoje sempre foi assim. Ora, as cidades tem uma história, e esse história é feita de abandono, de descuido, de destruição, tanto quanto de regeneração, de inovação, de reconstrução. E até, para utilizar uma expressão de Shumpeter a propósito das crises do capitalismo, de destruição criativa.
Guimarães ostenta as marcas do sonho do arquitecto. Eu que o não conheci, dou muitas vezes por mim a procurar nas ruas, nas casas, nas praças desta cidade o olhar que sobre elas lançou Fernando Távora antes e durante o longo processo de maturação e execução da reabilitação do casco histórico da cidade. Se fosse cineasta, proporia a mim próprio redescobrir os passos e as conjecturas desse sonhador que se deixou seduzir por uma cidade velha e rude, orgulhosa e sombria, onde como sugeriu Raul Brandão, as calçadas são desgastadas por cima pelos vivos enquanto os mortos as percorrem do lado inverso. Uma cidade cuja energia transbordante decerto contagiou o arquitecto.
Gostaria de ser capaz de surpreender essa elaboração – desejo e pensamento – de Fernando Távora sobre Guimarães. Ele não esteve só. Homem de uma cultura superior e invulgar trouxe para a sua beira, para usar uma expressão de desvelo como alguém me sublinhava recentemente , além de Raul Brandão, Francisco Martins Sarmento, Alberto Sampaio, Abel Salazar e Joaquim Novais Teixeira. A modernidade da reflexão, da análise, da cultura.
Aqui há atrasado – outra expressão que aprendi a usar aqui no Norte também há pouco tempo – Álvaro Siza fez-me chegar às mãos um projecto do arquitecto António Meneres sobre arquitecturas populares no Norte de Portugal. Entre a documentação que me entregou figurava uma fotografia datada de 22 de Maio de 1966.

Essa seria a imagem inicial do meu imaginário filme. Nua rua do centro histórico da cidade de prédios com janelas de guilhotina, sobe um casal em traje domingueiro (e de facto, 22 de Maio nesse ano calhou a um Domingo). De acordo com a legenda, João Toscano (suponho tratar-se do arquitecto brasileiro, paulista, discípulo de Niemeyer, nascido em 1933 e recentemente falecido, João Walter Toscano) fotografa o interior de um dos edifícios. Uma menina de soquettes e sapatos brancos está em primeiro plano. Não terá mais de três ou quatro anos e aponta inquiridora para qualquer coisa que não podemos descortinar, mas que esta no campo de visão do fotógrafo, seu pai.
Numa esquina, observando a cena e o espaço urbano, está Fernando Távora, de pólo branco e lenço ao pescoço, na plenitude dos seus 42 anos. Ele é o único que testemunha e como que absorve o espírito do lugar.
E por aqui me fico, com esta imagem sugestiva.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Felicidade?


Uma das personagens de Vidros partidos, o filme de Victor Erice apresentado ontem em Guimarães:
- "Não sei o que é a felicidade. Sei o que é a alegria, mas não sei o que é a felicidade."

Lembrei-me de um texto de Manuel António Pina:
"Eu diria que o índice mais fiável de felicidade é não se perguntar se se é feliz. Quando se pergunta já o caldo de felicidade está entornado. O que quer dizer que, se formos felizes, provavelmente não o saberemos. Mas como sermos felizes sem o saber?"

Jean-Jacques Rousseau: amor e inocência

A minha alma, cujas faculdades mais preciosas os meus órgãos ainda não tinham desenvolvido, não possuía nenhuma forma precisa. Ela esperava, com uma espécie de impaciência, o momento que lha devia dar, mas esse momento, apressado por esse encontro [com a senhora de Warens], não chegou porém de imediato, e, graças à simplicidade de costumes que a educação me dera, vi prolongar-se por muito tempo esse estado delicioso em que o amor e a inocência habitam o nosso coração. Ela tinha-me afastado de si. Tudo ma fazia lembrar e tive de regressar. Esse regresso determinou o meu destino e, por muito tempo antes de a possuir, não vivia senão para ela. Ah!, se eu tivesse bastado ao seu coração como ela bastava ao meu! Que dias tranquilos e deliciosos teríamos passado juntos! Vivemos alguns, mas como foram curtos e rápidos, e que destino lhes sucedeu! Não existe um só dia em que eu não me lembre com alegria e ternura dessa única e curta época da minha vida em que fui plenamente eu próprio, sem mistura e sem obstáculos, e em que posso dizer que vivi verdadeiramente. Posso dizer mais ou menos o que disse aquele chefe da legião pretoriana que, tendo caído em desgraça no tempo de Vespasiano, foi acabar pacificamente os seus dias no campo: "Passei na terra setenta anos e só vivi sete".

Jean-Jacques Rousseau, Devaneios do Caminhante Solitário. 2a ed. Lisboa, Livros Cotovia, 2007. p. 149-150