quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Árvores, rios

Alberto Carneiro, As árvores como os rios correm sempre para o mar.
Madeiras de castanho e buxo, 2008

1 comentário:

João Ramos Franco disse...

Chamar ás palavras que aqui vou depositar comentário, seria um erro. Elas são o resultado, de um aluno que pretende ir ao encontro do professor e que pretende dizer: Não sabia, mas fui estudar.
Obrigado João Serra e Feliz Ano Novo
João Ramos Franco
Do site: www.camjap.gulbenkian.pt, tirei o texto que partilho:

Alberto Carneiro diz de si próprio que, de 1947 a 1958, foi “imaginário”: trabalhou nas tecnologias da madeira, da pedra e do marfim, nas oficinas de arte religiosa da sua terra. Licenciou-se em Escultura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto e graduou-se na Saint Martin’s School of Art de Londres. De 1972 a 1976, leccionou no curso de Escultura da Escola Superior de Belas-Artes do Porto. De 1972 a 1985, foi responsável pela orientação artística e pedagógica do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian no Porto (1962-1967) e em Londres (1968-1970), e dela recebeu também um subsídio para estudar formas e procedimentos estéticos resultantes do amanho da terra (1975-1976). Fez viagens de estudo pela Europa, pelos Estados Unidos, Brasil e Norte de África, e participou em congressos sobre arte e sobre o seu ensino.

A sua obra equivale à procura de um sentido antropológico em que a criatividade possa ser fundada. Alberto Carneiro entende a arte como acto cultural, político e ético, parâmetros coadjuvantes, a seu ver, do trabalho imaginário. Fala da intenção de que na sua actividade artística esteja inscrita uma memória colectiva que é arquetípica, inconsciente e simbólica, da qual participa com uma inscrição individual. Daí resulta uma forma específica de comunhão com a natureza da arte e de perseguição de uma revelação interior. A procura de um sentido vital na obra é exigida pela implicação total do seu corpo, da experiência e de necessidades profundas, bem como pelo envolvimento e contemplação do observador, que tende a autonomizar a obra do seu autor e a mobilizar a sua capacidade de renovação constante.

O reencontro com a natureza, a partir de uma cultura ou de uma ideia, por apropriação ou recriação, leva Alberto Carneiro a falar numa “segunda natureza do Homem” e a inferir que “o artificial é o natural do Homem, a sua verdadeira natureza”. Para ele, cada estrutura não visível da natureza está em cada organismo vivo ou inerte, as estruturas do micro e do macrocosmos identificam-se e, ao encontrá-las em si, pode comunicar com o que é universal e relacionar arte e vida numa mesma força vital.

Para o artista, a presença da sua primeira infância, as primeiras criações lúdicas e oficinais, a relação íntima com a terra ressurgem na obra como pulsão inconsciente mas também como conceito, sublimação e intencionalidade. Vejam-se instalações como O Canavial: Memória Metamorfose de um Corpo Ausente (1968), Um Campo Depois da Colheita para Deleite Estético do Nosso Corpo (1973-1976) ou Meditação e Posse do Espaço Paisagem como Obra de Arte (1977).

Entre 1963 e 1966, obras como Macho e Fêmea, Tese, ou Raiz, Caule, Folhas, Flores e Frutos, de entre os trabalhos de madeira esculpida, são exemplos de sínteses unitárias e orgânicas de sistemas complexos ou de oposições. Em 1978, a instalação Ele Mesmo Mandala em Si realizará outro tipo de síntese relacionada com a manifestação da similitude entre o que é dentro e o que é fora de si, e da revelação de uma ordem cósmica em cada ser.

Em projectos como A Árvore Dentro da Escultura e A Escultura Dentro da Floresta (1968-1969) ou Os Quatro Elementos (1969-1970), O Laranjal – Natureza Envolvente (1969) e Vinte e Uma Janelas sobre a Paisagem (1973), propõe relações orientadas com a natureza da arte, que permitem que, numa sala de exposições ou em recintos restritos, se projecte a percepção bem para além deles. Os espaços e tempos de fruição são depois substancialmente alargados, com as intervenções ou trajectos em paisagens naturais documentadas fotograficamente. É o caso de Corpo Rio (1981), Distâncias para Andar e Meditar (1969), Árvore Escultura Viva (1972), Operação Estética em Vilar do Paraíso (1973) e de Caldas de Arengos (1974-1975), ou Sete Rituais Estéticos sobre um Feixe de Vime na Paisagem (1975).

Há, na obra deste artista, cinco outros dispositivos importantes:
1.º – Um percurso filosófico que passa pelo estudo da psicologia profunda e de “dinâmica corporal” e pelas referências do Budismo Zen, do Tantrismo e do Tauismo. Entendam-se, no contexto da sua absorção, as simbologias numéricas e geométricas das obras, o desenho das coordenadas do lugar nas obras, a recuperação do fundamento pitagórico dos números, a acção e relação vertical, oblíqua e horizontal dos elementos, a inscrição da espiral, do labirinto, da mandala, o minimalismo ascético.

2.º – A defesa do gesto fundador e designatório da arte na natureza; a proposição das ideias de “pensamento/escultura”, “gesto/pensamento” e da imaterialidade da energia que nelas vibra.

3.º – A escrita como extensão do trabalho feito. A seu ver, há energias implicadas nas obras que só se projectam como consciência quando verbalizadas em discurso teórico. Os projectos são minuciosamente descritos e anotados, e a sua obra está cheia de asserções e aforismos. Vejam-se Notas para um Diário ou O Caderno Preto (1974-1981), um programa de intervenção e em si mesmo uma obra. De uma outra forma, obras como Uma Linha para os teus Sentimentos Estéticos (1970-1971) propõem uma experiência espacial da escrita e da metáfora.

4.º – A determinação de que a natureza seja “polarizadora dos nossos sentimentos estéticos”. Fala disto em Notas para um Manifesto de Arte Ecológica (1968-1972), onde refere a necessidade de descobrirmos as memórias mais arquetípicas no fulcro do quotidiano.

5.º – A centralidade da noção de “corpo subtil” – a aproximação do corpo cósmico; o corpo físico entendido como extensão dele e forma de exprimir as transformações nele operadas. Numa obra com esse nome (1988), desenvolve um conjunto denso de aforismos centrais na compreensão da sua postura artística. Esta obra encerrou um ciclo de treze anos, iniciado em 1971, durante o qual deixou de trabalhar com as mãos, de esculpir a matéria. Volta a fazê-lo em 1983, com Percursos na Paisagem – Memória do Corpo sobre a Terra, e com obras como Variações sobre um Haikai de Bashô (1984-1985), Corpo/Árvore I e II, Tântrica e Mântrica (1987), Memória do Corpo sobre a Terra (1983-1984) ou Mandala de Fogo (1991).

A abordagem do elemento “árvore” como uma segunda natureza construída como arte é uma recorrência permanente. Em Meu Corpo Vegetal (2003, Porto, última individual) era muito eloquente. A instalação de troncos de diferentes dimensões em Uma Floresta para os teus Sonhos (1970), na colecção do CAMJAP, convida à experiência física e espacial desse compromisso.

Foram feitas cinco importantes antológicas do seu trabalho: em Lisboa (1991, Fundação Calouste Gulbenkian), no Porto (1991, Casa de Serralves), em Coimbra (2000, Museu Machado de Castro e Galeria do Pátio da Inquisição), em Santiago de Compostela (2001, Centro Galego de Arte Contemporânea) e no Funchal (2003, Museu de Arte Contemporânea).
LEONOR NAZARÉ