segunda-feira, 30 de abril de 2012

Hoje é noite de maias

Em Óbidos, falar dos Maios é evocar a tradição de todos se levantarem muito cedo, antes do nascer do Sol, para não “ficarem amarelos”, ou para não entrar “o maio”.  Com efeito, o maio, o burro ou o carrapato a que é comum aludir-se neste mês está conotado com o  mal que é necessário esconjurar-se.
Durante muitos anos, em Óbidos, a tradição foi repetida no masculino, já que, por condição, depois do toque das avé-marias, as mulheres não podiam sair de casa. Na tarde do ultimo dia de Abril, um grupo de rapazes jovens e alguns pais de família deslocavam-se aos campos que circundavam a vila para apanhar as maias, mais conhecidas por “peidos floridos”, um pequeno arbusto com floração amarela em abundância e uma forte fragrância. Apenas quando não havia esta planta em quantidade suficiente para engalanar a vila é que se recorria à giesta.
Durante a noite, depois de conviverem à volta de um repasto de bacalhau, batatas, chouriço e sardinha, conseguido através de um peditório, os homens transportavam as maias a partir da Porta da Vila e distribuíam-se pelas ruas. Usualmente, colocavam-nas nas aldrabas das portas e da janelas e atapetavam as ruas. Por vezes, aprimoravam os enfeites, por se tratar de alguém mais íntimo ou considerado importante. Nos adros das Igrejas de S. Pedro e Sta Maria dispunham pétalas de várias flores, à maneira de um tapete, com símbolos alusivos aos respectivos santos. Este ritual de disposição das maias era executado com bastante folguedo, havendo portas que se abriam com filhós e vinho para receber o grupo, e outras que se fechavam com impropérios por não serem horas para folias.
Terminada a tarefa, o grupo voltava para o Largo da Porta de Vila e por lá ficava, à volta da chouriça e do bacalhau até de madrugada. Antes do nascer do Sol, os casados regressavam a casa para que “não ficassem amarelos” o resto do ano. E a vila acordava assim maiada e era anualmente surpreendida pelo amarelo das maias e pela intensa fragrância que as flores exalavam.
Em tempos idos, era costume oferecer-se um ramo de maias a todos os que visitavam a Vila.

Celeste Afonso, B. I. Dos Maios e das Maias. Lisboa, Apenas Livros, 2012. p. 18-19

sexta-feira, 27 de abril de 2012

À janela de Fialho de Almeida: "Tenho um projecto"

[Conta Kleber ao narrador]
- Fale com franqueza - disse-me ela. O senhor ama-me.
Eu estava a tremer como um poltrão.
- Ouça - tornou Ester - fiz um juramento.
- Qual ? - perguntei em voz baixa.
- Que não amaria ninguém mais. A não ser...
- A não ser?...
- Que aquele vaso de pedestal aparecesse em pedaços um dia, sem ninguém lhe tocar.
- Mas isso é impossível.
[...]
No dia seguinte, tinha eu acabado a consulta quando chegou Kleber.
- Vem acabar-me a história de ontem?
- Venho solicitar a sua presteza de atirador.
- Chegou o teólogo? Desafiou um ministro do altar? Bárbaro! Cruel! Desalmado!
- Qual! Tenho um projecto.
- Aceite este charuto, aqui tem lume, sente-se e conte-me o projecto.
- O alvo do irmão de Ester fica perto da estufa, pois não fica?
- Creio que sim.
- O senhor vai ali exercitar-se muitas vezes, segundo me disse o Álvaro.
- Vou.
- Oiça. Eu levanto um caixilho da estufa...
- Mas é preciso a chave que abre todos esses caixilhos. Talvez não pensasse em tal?
- Tenho-a aqui; roubei-a agora mesmo. posso guardá-la por estes dias. O tempo está chuvoso e frio, de modo que não ventilarão a estufa por agora.
- Então?
- Aberto o caixilho, o senhor fingindo apontar ao alvo, aponta ao vaso da China e...
- O senhor ganha o prémio e o fico a chuchar no dedo.
- Quê? Ama a condessinha?
- Eu amo toda a gente, que diabo...
- Estou esperando a sua resposta...
- Que eu parta aquele vaso da China por que daria tudo? Está louco?
- Olhe para mim. Se o não fizer...
- Dá um tiro no crânio, dá?
- Qual? Fico solteiro toda a vida.
- Bem, essa simplicidade enternece-me. Esteja amanhã aberto o caixilho e a bala esmigalhará o vaso.

Fialho de Almeida, "O Juramento da Condessa Ester", in Aves Migradoras, Lisboa, Clássica Editora, 1921. p. 220-223.

À janela de Santiago Rusinol

Santiago Rusinol, La convaleciente. 1893


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Registo

Ermanno Olmi em Guimarães 2012
A liberdade e a história

A inclusão de um ciclo dedicado à obra cinematográfica de Ermanno Olmi na programação de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura corresponde a uma escolha apontada desde o início do seu exercício de programação pelo respectivo responsável, João Lopes. Congratulamo-nos com o facto de ter sido possível concretizar essa intenção, agradecendo a todos os que a viabilizaram, no quadro das colaborações e parcerias estabelecidas entre Guimarães 2012, a Cinemateca Portuguesa e a Festa do Cinema Italiano.
O ciclo dedicado a Ermanno Olmi deve ser visto como uma homenagem e uma evocação.
Homenagem a uma das obras mais consistentes e estimulantes da cinematografia italiana que se afirmou depois da Segunda Guerra. Evocação dos temas transversais do pensamento político contemporâneo como o desencontro entre a politica e a ética ou entre a liberdade e o Estado, entre a história e o tempo.
Pela filmografia de Olmi perpassa uma dimensão ética que se reivindica dos valores centrais da liberdade e da tolerância. O homem não pode ser amputado do livre arbítrio, não é legítimo às sociedades impor dogmas em nome seja do que for, nem aos Estados violar o princípio da humanidade. Os seus personagens são frequentemente colocados em situação de rebeldia ou resistência às imposições que ignoram ou ameaçam aqueles valores.
Em Il villaggio di cartone (um filme de 2011), um velho padre, jubilado, recusa-se a abandonar a sua igreja, que entretanto é despojada de imagens e alfaias religiosas. Enquanto, inexoráveis, as operações de desafectação ao culto prosseguem, imigrantes negros, em risco de deportação, procuram, clandestinamente no edifício um espaço de acolhimento nocturno e encontram a protecção do pároco. A solidariedade humana, designadamente a dos mais fortes para com os mais fracos, é o valor prevalecente, neste, como noutros dos seus filmes.
O filme desenrola-se não como uma narrativa, mas como um registo de situação. Parece não haver uma história para desfiar e, no entanto, é a própria história que se evoca, a história da Europa, perante o desafio da migração e da multiculturalidade, da demolição e da reconstrução, do lugar do cristianismo e da sua relação com outras religiões.
“Tenho que recordar tudo. Tudo.”- são as palavras proferidas pelo padre, com que se inicia este filme. Neste urgência se resume afinal o propósito de Olmi. Dar voz ao que a não tem, tornar visível o que permanecia ocultado, libertar o tempo do esquecimento. Temas que bem merecem a apropriação de Guimarães no ano em que é Capital Europeia da Cultura. “Um padre a falar alto e sozinho”, exclama o personagem. Sozinho, não, contrapomos nós.

João Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Registo

As cidades de Nuno Portas

O significado que em Guimarães 2012 se atribuiu ao projecto “O ser urbano – caminhos de Nuno Portas”  merece ser sublinhado. Comissariada pelo Professor Nuno Grande, a exposição propõe-se redescobrir os contributos de Nuno Portas para perceber e intervir na cidade actual.
Da cidade e de cidades se ocupa Nuno Portas em mais de meio século de vida profissional intensíssima, conjugando múltiplos saberes e cruzando diversas geografias. Arquitecto de formação, intelectual cosmopolita por vocação, foi, na sua geração, dos primeiros a integrar o entendimento de que a cidade é um fenómeno global e de que ao arquitecto se exige uma visão do território e uma percepção dos seus componentes e distintos ritmos, necessariamente alimentada pelo conhecimento interdisciplinar. Num dos seus primeiros estudos, A Cidade como Arquitectura, editado em 1969 com prefácio de Fernando Távora, Nuno Portas punha em causa o conceito de arquitectura como elemento fundador da cidade, para preferir o de intervenção arquitectónica, num território urbano caracterizado pela complexidade, pela fragmentação e pela incerteza. Ou, dito de outro modo, a arquitectura para Nuno Portas (como diria mais tarde numa entrevista a Thierry Paquot) só faz sentido com as pessoas e os respectivos modos de dela fazerem uso.
A presente exposição não é, consequentemente, a convencional mostra dos trabalhos elaborados num ateliê de arquitectura. Em primeiro lugar, porque Nuno Portas à actividade de arquitecto, soma a de urbanista e consultor de planeamento, ao exercício da docência acrescenta a participação directa na actividade politica, tanto em pastas governativas como em funções autárquicas. Muito embora da actividade como arquitecto tenha resultado o desenho de algumas das mais importantes peças da arquitectura portuguesa contemporânea, o fio que conduz esta exposição é o da reflexão sobre a cidade e os seus pontos de aplicação, da arquitectura propriamente dita ao projecto urbano, do urbanismo à politica urbana e territorial.
Professor de Urbanismo da Faculdade de Arquitectura do Porto desde 1983, para a qual foi convidado por Fernando Távora, a rota de Nuno Portas trouxe-o a partir de então até ao Vale do Ave e a Guimarães, onde precisamente Fernando Távora se ocupava do Plano Geral de Urbanização, concluído em 1982. Em 1985 coube-lhe apresentar as Normas Provisórias do Plano Director Municipal de Guimarães, um trabalho iniciado dois anos antes.
A observação do sistema de ocupação urbana do território do Vale do Ave propiciou a Nuno Portas a especificação de aspectos nucleares não só do seu modo de entender a natureza, alcance e limites do planeamento, como da teorização da evolução da cidade contemporânea, onde coexistem cidade histórica e compacta, cidade “com modelo”, e cidade difusa e periferia, cidade “sem modelo”.
O território do Vale do Ave era identificado por Nuno Portas em 1986 (revista Sociedade e Território nº 5, Novembro de 1986) como um continuo urbanizado de mais de 250 freguesias e 6 concelhos, incluindo centros urbanos de pequena e media dimensão, no qual a dispersão da urbanização andava a par de uma mistura de actividades ao nível mais capilar. Em vez de uma racionalização operada em nome da “cidade com modelo”, o consultor de planeamento defendia que “os esforços fossem dirigidos noutro sentido: no sentido do reforço do modelo instalado e da correcção persistente e participada dos seus desvios e perversões”. Para ele, a racionalidade só faria sentido se o território não dispusesse já de uma estrutura física, económica e social instalada. O capital fixo não se desloca por força de uma decisão politica ou de um plano, não só porque o período é caracterizado por uma crescente concorrência internacional, mas também porque  a crise do Estado Providência veio para ficar, advertia.
O urbanismo é, para Nuno Portas, a cidade que lida com a incerteza e a pluralidade dos actores. Que respeita o factor tempo e os seus diversos ritmos e os procura integrar sem eliminar nenhum. Que perscruta as geografias e equaciona as suas variáveis com dimensão sociológica e antropológica, económica e política.
Fazer cidade é convocar saberes e levar a regeneração e a revitalização a todo o território do urbano. É aprofundar o conhecimento sobre a cidade emergente e não a descriminar na afectação dos recursos. Fazer cidade é conferir ao espaço público uma função central na politica urbana. É nele que reside a garantia da evolução da cidade.
Manuel de Solà-Morales descreveu Nuno Portas como o arquitecto que tanto vive “o internacionalismo cosmopolita”, como “o áspero realismo local”. Um arquitecto que tanto pensa a história como a politica das cidades – e a política em geral. E a quem interessa mais o processo do que o resultado, a gestão mais do que o produto. A gestão é articulação, é negociação, é composição: de interesses e de forças inscritas no território, de layers, de tempos e de usos da cidade.

João B. Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães

Nota bibliográfica
. Nuno Portas, A Cidade como Arquitectura. 1ª edição, 1969. 2ª edição fac-símile com posfácio do autor, Lisboa, 2007.
. Thierry Pacqot: “L’Invité - Nuno Portas”, Urbanisme, Le Magazine International de l’Architecture et de la ville. Nº 312, Mai-Juin 2000.
. Nuno Portas, Álvaro Domingues, João Cabral, Politicas urbanas, Tendências, Estratégias, Oportunidades. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
. Nuno Portas, Os Tempos das Formas. I – A Cidade Feita e Refeita. Prefácio de Manuel de Solà-Morales. Guimarães, 2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). História e Critica, Ensino e Profissão. Porto, FAUP, 2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). Teoria e Desenho, Investigação e Projecto. Porto, FAUP, 2005.
. Ana Vaz Milheiro e João Afonso (Coord.), Nuno Portas, Prémio Sir Patrick Abercrombie, Prize UIA 2005, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2005.
. Nuno Portas, “Mezzo Secolo di Architettura e urbanística. Una personale testimonianza.” In Bruno Pelucca, Progetto e Território. La Via Portoghese.
Perugia, 2010.

terça-feira, 24 de abril de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

domingo, 22 de abril de 2012

sábado, 21 de abril de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Registo

Raul Brandão e Guimarães

“Vi há dias num jornal que estava para breve o seu casamento com uma senhora de Guimarães” pode ler-se numa carta de 22 de Outubro de 1896 enviada por Columbano a Raul Brandão. Admitindo que o casamento de artistas possa ser questionável, o pintor faz votos para que o amigo “encontre uma mulher que o compreenda, que o admire e que o respeite como merece”. Os biógrafos do escritor sublinham todos a relação afectuosa e cúmplice que pautou o casamento entre Raul e Angelina, a vimaranense que, com apenas 18 anos, o então alferes do Regimento de Infantaria 20, conhecera em Maio de 1896. Testemunham-na também as imagens fotográficas do casal, as confissões autobiográficas do autor de Húmus e elaboração de uma obra em co-autoria, caso raro à época, Portugal Pequenino. E, enfim, atesta-a o que pode apontar-se como o seu principal efeito: a decisão do casal de estabelecer em Guimarães, na freguesia da Nespereira, perto do rio Vizela, uma residência permanente.
E assim, o homem do Porto e de Lisboa, que viajara por toda a Europa, tornou-se, a partir de 1903, e sobretudo depois de 1911, data em que se reformou do Exército, um homem também de Guimarães.
Na vida deste escritor que rompeu com os cânones naturalistas e antecipou, pela liberdade criativa, o registo inovador da narrativa contemporânea, Guimarães representou o encontro singular com a terra, com o mundo rural e com o trabalho agrícola. A Casa do Alto foi refugio literário e a propriedade associada foi fonte de rendimento (“Vindimas. Um lagar de palmo e meio e vindimas sobre vindimas... É o pão do meu Inverno em Lisboa” – revela Brandão em carta de 15 de Outubro de 1923 a Teixeira de Pascoais).
“Fugimos para a aldeia... A nossa casa fica a meia encosta da colina. Por trás, o mar verde dos pinheiros, em frente, os montes solitários. Este cantinho rústico criei-o eu palmo a palmo” – escreve com indisfarçado orgulho Raul Brandão no 2º volume das suas Memórias. “Tudo isto foi pedra e uma árvore contemporânea da fundação da Monarquia. O carvalho centenário cobria todo o eido. Era enorme, era prodigioso. No tronco, que nem seis homens podiam abraçar, tinham os bichos as luras e o seu hálito sentia-se ao longe. Logo que o vi, fiquei apaixonado.  – Vamos viver juntos, vou envelhecer ao pé de ti. Nós não ouvimos as árvores, mas a sua alma comunica sempre connosco: a sua força benigna toca-nos e penetra-nos...”
Se a Casa do Alto conserva os traços da intervenção planeada pelo escritor, fazendo correr um andar novo sobre uma estrutura antiga de lavrador, pela sua obra literária perpassam os temas, os atmosferas e as representações que as pedras e as árvores vimaranense lhe suscitaram.
Foi esse trânsito que Guimarães 2012 pretendeu revisitar, com o concurso de um dos mais prestigiados realizadores de cinema da nova geração, João Canijo.
“Construi a casa, plantei as árvores, minei as águas. Absorvi-me. Uma pedra basta, basta-me um tronco carcomido... Este tipo esgalgado e seco, já ruço, que dorme nas eiras ou sonha acordado pelos caminhos, sou eu. Sou eu que gesticulo e falo alto sozinho, envolto na nuvem que me envolve e impregna. Que força me guia e impele até à morte?” – pergunta Brandão. A vida, evidentemente. Ou a criação, que é a mesma coisa.

João Serra
Presidente Fundação Cidade de Guimarães

quinta-feira, 19 de abril de 2012

quarta-feira, 18 de abril de 2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

segunda-feira, 16 de abril de 2012

domingo, 15 de abril de 2012

sábado, 14 de abril de 2012

sexta-feira, 13 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

quarta-feira, 11 de abril de 2012

À janela de Ramon Casas

Ramon Casas, Brusa Roja, 1892

terça-feira, 10 de abril de 2012

Registo

Martins Sarmento, fotógrafo
Prosseguindo a tarefa de recuperar memorias fotográficas vimaranenses, o projecto “Reimaginar Guimarães” , da responsabilidade da programação de cinema e audiovisual da Capital Europeia da Cultura, efectua agora uma incursão no espólio fotográfico de Francisco Martins Sarmento, depois de nos ter proposto uma descoberta da cidade através da colecção fotográfica da associação “A Muralha”.
Para muitos será uma revelação. De Martins Sarmento (1833-1899) conhecem-se algumas das áreas em que se desdobrou a versatilidade do seu labor de homem de cultura, da arqueologia à etnografia, mas permaneceu quase desconhecida a sua actividade como fotógrafo. A julgar por uma observação perfunctória da colecção de negativos e provas conservada na Sociedade que tem o seu nome, estamos perante uma actividade a que foi dedicado um interesse continuado, sobre a qual se procurou acumular conhecimento técnico e sobretudo experiência.
A fotografia dava então os primeiros passos, determinada por condições onde se somavam estímulos de teor científico e de teor artístico. Entre os pioneiros da fotografia estão figuras portuguesas, como Frederick William Flower, Carlos Relvas e Carlos de Bragança. E Francisco Martins Sarmento, podemos agora acrescentar.
Antes de se associar ao jornalismo, nos finais do século XIX, a fotografia foi apropriada como recurso por diversas disciplinas, como a medicina, a antropologia ou a arquitectura, enquanto nela se adivinhava também o potencial artístico concorrente com a pintura, tanto nas modalidades de retrato como de paisagem.
Terão sido ambos os registos que seduziram Martins Sarmento. Figura intelectual de primeiro plano da segunda metade do século XIX, integra o conjunto singular de investigadores que recolheu e sistematizou uma imensa massa de conhecimentos sobre Portugal e os portugueses: o território na sua dimensão geográfica e humana, nas suas diversidades regionais e na sua biografia arqueológica e patrimonial; as gentes, na sua dimensão etnográfica, e as suas modalidades culturais, e as suas criações históricas mais significativas.
A paixão de Martins Sarmento pela fotografia é explicável a esta luz. Se se trata de uma paixão, como parece, trata-se de uma paixão congruente com as preocupações de um espírito tão curioso como inquieto. Fascinado pela história, pelos vestígios das culturas perdidas, tanto quanto dos traços das culturas sobreviventes nos seus contemporâneos. Tocado pelo desafio artístico, surpreendendo na fotografia mais do que um meio mecânico de registo, uma forma plástica.

João Serra

segunda-feira, 9 de abril de 2012

À janela de Ermanno Olmi

Janela do cura, Ermanno Olmi, Villaggio di Cartone, 2011

Era a primavera da esperança, era o inverno do desespero

Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a época da sabedoria, era a época da loucura, era a idade da crença, era a idade da descrença, era a estação da Luz, era a estação das Trevas, era primavera da esperança, era o inverno do desespero, tínhamos tudo à nossa frente, não tínhamos nada à frente, íamos todos direitos para o Céu, íamos todos directamente para o outro lado - resumindo, a época estava tão avançada como a época actual, de forma que algumas das suas autoridades mais notórias insistiam em que ela fosse recebida, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo da comparação. [...] Era o ano do Senhor de 1755.

Charles Dickens, inicio do romance Um Conto de Duas Cidades. Mem Martins, Publicações Europa-América, s/d. P. 11.

domingo, 8 de abril de 2012

À janela de Ramon Casas

Ramon Casas, Madeleine, 1892.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O homem deve imaginar que em todo o mundo tem a mesma natureza

O mundo é a pátria natural, universal de todos os homens. O desterro não é mais do que uma passagem feita duma província para a outra. Esta outra província onde se acha um desterrado é o país de todos aqueles que nasceram nele e também o pode ser do desgraçado, se ele tiver entendimento para se acomodar com a sua sorte. A mesma pátria pode algumas vezes servir de lugar de desterro àqueles a quem não consta onde nasceram como sucedeu a Édipo, que, banido do lugar onde criou, viveu desterrado no mesmo lugar em que tinham nascido. Quando se levam as crianças das casa das suas amas para as de seus pais, consideram estas as ditas moradas como desterro, e por isso choram. É uma fraqueza de ânimo considerar-se o homem perdido quando se vê em um lugar onde nunca esteve. O homem deve imaginar que em todo o mundo tem a mesma natureza, que em todo está debaixo do mesmo céu, e em toda a parte se encontram homens da mesma espécie.

Cavaleiro de Oliveira, Carta à senhora Condessa de Roccaberti sobre o desterro. 12 de Outubro de 1736. Cartas. Selecção, prefácio e notas de Aquilino Ribeiro. 3 a ed. Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1982. P. 85.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

À janela de Ramon Casas

Ramon Casas, Abans del Bany, 1894

quarta-feira, 4 de abril de 2012

À janela de Brassaï

Brassaï, pseud, de Halasz Gyula (1899-1984), Le bouquet blanc, ca 1946

terça-feira, 3 de abril de 2012

Eco: "há uma técnica diferente de construção de janelas"

Umberto Eco: Perdi a minha elasticidade mental, mas sempre me resta a minha curiosidade. Digo que um sábio, depois dos cinquenta anos, devia ocupar-se apenas de poetas do Renascimento; a modernidade é para os jovens! Um joven investigador tem a curiosidade e a elasticidade mentais necessárias para se aperceber de que há uma técnica diferente de construção de janelas. Quanto a mim, não o teria reconhecido. Acredito, realmente, que é fundamental, para todo e qualquer filósofo, ocupar-se dos aspectos menosprezáveis da vida e foi isso na verdade o que fizeram Aristóteles, Sócrates... Foram os filósofos à maneira alemã, uma caricatura, que construíram a imagem de um teórico que não trata de pequenas coisas. Mas os grandes filósofos sempre se ocuparam da banalidade, da trivialidade, do quotidiano.

Marc Augé, Georges Didi-Huberman, Umberto Eco, L'Expérience des images. Paris, INA, 2011.p. 27.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

À janela de Francis Picabia

Francis Picabia, Femmes au bull-dog. 1940

domingo, 1 de abril de 2012

À janela de Lewis Carroll

Lewis Carroll (1832-1898), pseudónimo de Dodgson Charles Lutwidge, Terry Marion "Polly" debout, dos à une fenêtre. Londres, 13 juillet 1865, Stanhope Street, nº 92.