quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Portugal, por José Mattoso

Em Mértola testemunhou a desertificação crescente do interior. Agora,  no centro litoral, numa aldeia do distrito de Aveiro, assiste ao processo de metropolização urbana. Portugal continua a surgir-lhe como uma soma de diferenças, uma composição obtida por meios políticos, a que falta unidade. "Um país feito de bocados que nada consegue unir". Ou melhor, que só o centralismo do Estado, com a sua tradução em concentração das indústrias, da economia urbana, dominância política de Lisboa, força à união.

Vide entrevista a Carlos Vaz Marques, "Como é que Deus não intervém para parar estas coisas?" Revista Ler. Livros e Leitores, Setembro de 2010.

E agora, economia?

Chegaram enfim as tão reclamadas medidas de austeridade. As reclamações contra as medidas de austeridade seguem dentro de momentos.
Como ninguém, aparentemente, já se ocupa da economia (curioso que ao novo porta-voz da Direcção do PS, Fernando Medina, secretário de Estado-Adjunto para a Indústria e o Desenvolvimento, tenha cabido, numa das suas primeiras aparições, defender as medidas projectadas para o orçamento), aqui deixo a pergunta de sempre: e a economia?
Claro que o que se passou ontem foi a resposta que a conjuntura política exigia: pressão do Presidente para a "verdade" e alertas sucessivos sobre a "insustentabilidade", pressão dos partidos à direita para "corte na despesa". Aliviada a pressão à direita, o Governo vai agora ter de enfrentar a esquerda. Outubro quente, pois. Situação complicada para Manuel Alegre que fica de fora da maioria presidencial e de governo que agora se criou.
Mas a questão de fundo será reposta mais à frente, quando, passada a crise orçamental, fizermos as perguntas certas: a economia resiste? Com o mercado interno anémico? É possível a recuperação com a disciplina orçamental da Alemanha? Com o Estado impedido de efectuar investimento? Quais os factores da retoma?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A República pelas "províncias"

A minha agenda de participações na evocação do centenário da República (com intervenções em colóquios, mesas-redondas, jornadas, etc):
2 de Outubro - Guimarães (Loja do Júlio)
4 de Outubro - Viseu (Teatro Viriato)
5 de Outubro - Viseu (Palácio do Gelo)
6 de Outubro - Alcobaça (Armazém das Artes)
15 de Outubro - Guimarães (Biblioteca Raúl Brandão)
22 de Outubro - Guimarães (Biblioteca Raúl Brandão)
25 de Outubro - Lisboa (Conselho Nacional de Educação)
27 de Outubro - Proença-a-Nova (Agrupamento Escolar)
29 de Outubro - Guimarães (Centro Cultural Vila Flor)
31 de Outubro - Alpiarça (Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça)
5 de Novembro - Penedono (Câmara Municipal)
6 de Novembro - Leiria (IPL)
9 de Novembro - Lisboa (Livraria Almedina)
13 de Novembro - Caldas da Rainha (Centro de Formação de Professores)

domingo, 26 de setembro de 2010

A força do Presidente

O Presidente decidiu intervir na crise orçamental, depois de verificar que não se confirmava o seu optimismo. De facto previra que pouco separava os dois maiores partidos. Talvez tivesse razão, mas para haver acordo, neste caso, teria de existir um mínimo de confiança por parte do challenger. É evidente que Passos Coelho não confia no Primeiro Ministro e não quer associar o seu destino a um compromisso que a iluda.
Que pode o Presidente fazer? Mais do que os seus poderes, no imediato, aparentemente indicam. Nenhum partido aprecia a presença do Presidente junto dos dossiês da governação, mas é evidente que este é, e sempre foi, uma questão essencial do Estado, no plano interno e no plano externo. Nenhum Presidente até hoje se conformou com a possibilidade de o Parlamento não deixar passar o Orçamento. Jorge Sampaio, por exemplo, aceitou o Orçamento votado por Daniel Campelo e só dissolveu o Parlamento em 2004 após garantia de que o Orçamento seria aprovado. O Orçamento é um tema que se integra na definição do "superior interesse nacional", que ao Presidente incumbe interpretar.
Há quem suponha que o actual Presidente, por estar constitucionalmente impedido, de até Março, dissolver o Parlamento, não dispõe de influência bastante para persuadir a passagem do Orçamento. Não creio. A força do Presidente vem do sufrágio popular (com o seu sucedâneo mediático, o grau de aprovação em sondagem) e da forma como assume a representação nacional, e não dos poderes constitucionais. Nos momentos de crise, sempre a orientação do Presidente obteve a adesão do eleitorado. A palavra do Presidente concita normalmente uma especial sintonia e uma compreensão mais espontânea. A crise orçamental pôs em evidência que o actual Presidente não podia deixar de se recandidatar e consagrou-o naturalmente como o Presidente de continuidade. A sua força vem daí.

sábado, 25 de setembro de 2010

À janela de Juan Sánchez Cotán (1560-1627)

Natureza morta com flores. hortaliças e um cesto de cerejas

É a economia, estúpido!

A natureza "financeira" da actual crise orçamental - uma crise arrastada que, de facto, há muito se vem manifestando - não só agravou as dificuldades da economia portuguesa como parece ter calado as vozes que dela falam e para ela falam.
Com a subida extraordinária dos juros da dívida pública, conduzida pelos mercados de capitais e pelas agências, a punção sobre a capacidade de produção de riqueza tem sido avassaladora. Talvez esta performance merecesse uma palavra de apreço, uma palavra de estímulo e uma palavra de confiança. É a economia afinal o que resiste (ou não) à especulação e ao rating.
Há que reconhecer que, neste particular, o Primeiro Ministro tem estado muitas vezes demasiado só na defesa da economia portuguesa. E que o requerido entendimento inter-partidário talvez devesse deslocar-se da questão dos impostos para a questão da produtividade e da exportação.

Ponto de ordem

O pequeno fluxo de comentários (publicados ou não) gerado por post anterior, relativo à reacção de Manuel Maria Carrilho à sua substituição na embaixada portuguesa junto da Unesco, revelou aspectos equívocos do que então escrevi. Quero deixar claro que nada tenha a opor à autonomia crítica do antigo Ministro da Cultura e não me solidarizo com a retaliação política exercida sobre a  sua manifestação de inconformismo e discordânca. Mesmo que ponha em dúvida a sua oportunidade e até, por vezes, a sua justificação. O que está em causa, porém, na normal substituição de uma embaixador político por um embaixador de carreira, é uma opção de gestão do Ministério dos Negócios Estrangeiros absolutamente legítima. Outra coisa é o conteúdo do acordo político entre Manuel Maria Carrilho e o Primeiro Ministro na base do qual aquele concorreu à Câmara de Lisboa e deixou de integrar as listas de candidatos a deputados pelo Partido Socialista nas últimas eleições. Neste sentido, o que originou o protesto do ex-embaixador junto da Unesco não terá sido o ter sabido da substituição pelos jornais, mas o ter ficado desta forma  a saber que, no imediato, o Governo nada tinha para, em troca, lhe "oferecer".

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Conselho

António Lobo Antunes ("Trabalho-Casa", Visão, 15 de Abril de 2010):

[...] e a do trabalho-casa, subitamente maternal, aconselhou-me
- Devia casar-se, sabia?
E talvez devesse casar-me, realmente, arranjar uma criatura em condições que me tirasse, em simultâneo, as espinhas do peixe e as da alma, me pusesse a pasta na escova e me tratasse por Biju. Quando eu era pequeno a mulher sumptuosa do farmacêutico tinha um cão chamado Biju. Ficava à janela, de Biju ao colo, a fumar cigarros lentos, inacessível, e eu cheio de formigueiros na planta dos pés. A propósito de casamento, e já que estamos nisso, a mulher do farmacêutico será uma criatura livre agora?

Os portugueses

Se há desporto que, aparentemente, atrai muitos de nós é a crítica aos "costumes" dos "portugueses". De certo modo, todos nos consideramos especialistas em "portugueses", uma categoria singular de seres originários de um pequeno território denominado Portugal. Em Portugal tudo muda - a demografia, o clima, o eco-sistema, a mobilidade, a paisagem social, a estrutura da economia e a organização política - menos os "portugueses". O atavismo é proverbial. Tanto quanto podemos recuar no tempo - lusitanos, celtas, povos que até desconheciam o nome "Portugal" - lá detectamos inalterados "defeitos" de carácter ou de comportamento, as mesmas "falhas" na vontade ou na inteligência, os mesmos "erros" de entendimento e de atitude. Não há nada a fazer quanto aos "portugueses": as continuidades abafam as rupturas, do fundo da caverna de Platão, a verdade recusa render-se à aparência. Nesta parecemos outros. Mas na realidade somos os mesmos. Sempre os mesmos.
José Manuel Fernandes, oráculo conhecido, no Público de hoje:
"Quarenta anos depois da morte de Salazar, o país que o aturou pacatamente mudou muito - mas sobretudo à superfície. Salazar já pertence à história, mas os defeitos portugueses que autorizaram o salazarismo continuam a apoquentar-nos. Todos os dias".

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O apelo de Soares

Segunda a Lusa: "Quero que eles se entendam pessoalmente e não só os dois partidos”, disse Mário Soares, em defesa de um acordo entre PS e PSD para aprovar o próximo Orçamento do Estado.
Mário Soares disse concordar com o apelo “à calma” feito pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Esta concordância inusitada de Soares com o actual Presidente não se destina certamente a criar dificuldades a Manuel Alegre.

Quem "inventou" Terry Jones?

Vargas Llosa no El País de Domingo.

Cómo hemos podido llegar a una situación tal en que la iniciativa descabellada de un pobre infeliz, sin credenciales de ningún orden, ha podido poner en vilo al mundo entero pues, de materializarse, habría desatado una orgía de violencia terrorista en varios continentes? Según algunos, la responsabilidad es de los medios de comunicación, que, si hubieran actuado de manera más atinada, no habrían catapultado al pastor Terry Jones al centro de la actualidad, publicitando su amenaza como si ésta hubiera sido lanzada por una superpotencia atómica. Es verdad que diarios, radios y canales de televisión actuaron sin responsabilidad alguna, pero ésta no es la razón primera del escándalo, porque, en este caso como en muchos otros que padecemos a diario, los medios de comunicación no pueden actuar de otro modo. Están obligados a hacer lo que hacen porque eso es lo que esperan -lo que exigen- de ellos los lectores, oyentes o televidentes en el mundo entero: noticias que salgan de lo común, que rompan con la rutina de lo cotidiano, que sorprendan, desconcierten, escandalicen, asusten, y -sobre todo- entretengan y diviertan. ¿No es divertido acaso que un predicador pentecostalista de Gainsville, Florida, declare, él solo, como un Amadís de Gaula medieval, la guerra total a los cientos de millones de musulmanes que hay en el mundo?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

International Wine Challenge

Portugal viu distinguidos 11 vinhos (Trophy Results) pelo International Wine Challenge. A TSF entrevistou o responsável pelo vinho "Tributo", Rui Reguinga, o resultado de uma homenagem que prestou ao Pai, falecido durante a preparação da vinha, concebida em 2001 numa charneca de Almeirim. Rui contou que começara por intitular o seu projecto de "Robin dos Bosques", tão ingrata era a terra de areia e calhau rolado escolhida para a plantação. Uma prova de que os bons vinhos não são o resultado de boas terras, mas das terras apropriadas. Como sempre defendeu José Relvas, na sua luta contra a permissões de plantio em terras de semeadura.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Documentário sobre Alzheimer e Maragall

Carles Bosh acompanhou com uma Câmara durante dois anos, desde que lhe foi diagnosticada a doença de Alzheimer, o "bom gigante" que foi Presidente da Generalitad da Catalunha e Alcalde de Barcelona, Pasqual Maragall. No festival de San Sebastian, a decorrer, foi apresentado o documentário. Intitula-se  "Bicicleta, cuchara, manzana". Notícia no http://www.elpais.com/articulo/cultura/Bicicleta/cuchara/manzana/humanidad/Pasqual/Maragall/elpepucul/20100919elpepucul_2/Tes.

O ovo ou a galinha?

Manuel Maria Carrilho quer fazer passar a ideia de que foi afastado do lugar de embaixador junto da Unesco por motivos políticos. Não sei se pensa (não o disse) que a sua nomeação tinha tido motivos políticos. Provavelmente, um misto de razões - políticas e não políticas - presidiu à nomeação e, agora, à não nomeação. Porque afinal, a decisão de não renovar o mandato a um embaixador é uma decisão normal. Também me parece absolutamente normal nomear Luis Filipe Castro Mendes para a representação portuguesa junto da Unesco. Trata-se de um diplomata com uma larga experiência, governativa e em posto, e um intelectual com obra literária de mérito.
Parece que há um livro de Manuel Maria Carrilho que é hoje distribuído. A publicidade está feita (a coincidência temporal dos dois actos, substituição no cargo e publicação do livro, permite até manipular o argumento da prioridade.
Nas vésperas do centenário da República, a crítica à que temos é sempre oportuna. Um odor discreto a controvérsia serve que nem uma luva tanto a razões editoriais como a propósitos menos imediatos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Samuel Rama na Casa dos Patudos

Árvores, raízes, troncos, hastes e terra argilosa ganham novas formas, texturas, cores e posição na antiga adega da Casa que José Relvas mandou construir na lezíria ribatejana.

Sofia Leitão na Casa dos Patudos

Os tesouros de arte e afecto que José Relvas reuniu nas salas da sua Casa dos Patudos assomam à varanda, escorrendo pelas frinchas das portadas.

Jules Breton (1827-1906)


La glaneuse 1877
Le rappel des glaneuses 1859
Petite glaneuse assise dans un champs, c. 1853

sábado, 18 de setembro de 2010

É proibido rebuscar

Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho da Sertã (1896)
Capítulo XVIII
Artigo 126º
É proibido rebuscar, ainda mesmo com licença dos proprietários ou possuidores dos prédios, sob pena de 500 réis:
- Nos olivais desde 15 de Outubro até que a Câmara autorize o rebusco por meio de pregões ou editais;
- Nos soutos desde 15 de Setembro até 30 de Novembro;
- Nos sobrais, azinhais ou terrenos plantados de carvalhos desde o 1º de Dezembro até 31 de Janeiro.
§ Único. Sendo em dia de tempestade ou nos dez dias imediatos, a pena será o triplo da acima estabelecida.
Artigo 127º
Todo o indivíduo que for encontrado, no tempo em que é defeso rebuscar, com objectos evidentemente apropriados ao rebusco, sem que justifique a necessidade de levar aqueles objectos ou tendo por hábito rebuscar, incorre na multa de 500 réis.
Artigo 128º
Todo aquele que for encontrado com objectos rebuscados incorre na multa cominada no artigo precedente, e os objectos serão entregues aos proprietários, se puderem conhecer-se, e , no caso contrário, aos provedores das misericórdias das respectiva áreas, revertendo o seu produto em benefício daqueles estabelecimentos; sendo aqueles objectos conduzidos pelos infractores.
Artigo 131º
Na multa de 500 réis incorre aquele rebuscador que, ao tempo em que é permitido o rebusco, subir às árvores ou usar vara par bater nas mesmas.

Jean-François Millet (II)(1814–1875) Des glaneuses (1857), Musée d'Orsay.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Is you me"

Hoje passa também o 5º aniversário do Vila Flor, uma das estruturas culturais mais prestigiadas do país. Não podendo estar presente no "Parabéns a você", felicito aqui todos os que nele trabalham, na pessoa de José Bastos, e a principal responsável pela sua criação, a vereadora Francisca Abreu.

Piaff


La foule
Je revois la ville en fête et en délire
Suffoquant sous le soleil et sous la joie
Et j'entends dans la musique les cris, les rires
Qui éclatent et rebondissent autour de moi
Et perdue parmi ces gens qui me bousculent
Étourdie, désemparée, je reste là
Quand soudain, je me retourne, il se recule,
Et la foule vient me jeter entre ses bras...
Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Écrasés l'un contre l'autre
Nous ne formons qu'un seul corps
Et le flot sans effort
Nous pousse, enchaînés l'un et l'autre
Et nous laisse tous deux
Épanouis, enivrés et heureux.
Entraînés par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Nos deux mains restent soudées
Et parfois soulevés
Nos deux corps enlacés s'envolent
Et retombent tous deux
Épanouis, enivrés et heureux...
Et la joie éclaboussée par son sourire
Me transperce et rejaillit au fond de moi
Mais soudain je pousse un cri parmi les rires
Quand la foule vient l'arracher d'entre mes bras...
Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Nous éloigne l'un de l'autre
Je lutte et je me débats
Mais le son de sa voix
S'étouffe dans les rires des autres
Et je crie de douleur, de fureur et de rage
Et je pleure...
Entraînée par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Je suis emportée au loin
Et je crispe mes poings, maudissant la foule qui me vole
L'homme qu'elle m'avait donné
Et que je n'ai jamais retrouvé...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Gestão Cultural na ESAD das Caldas da Rainha

Chegou ao fim o longo processo de criação e abertura do primeiro curso de Mestrado em Gestão Cultural na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, do Instituto Politécnico de Leiria. Para os professores que se empenharam neste projecto e para os candidatos que responderam positivamente ao repto este é um momento significativo. Há um entusiasmo que para muitos está associado a um desafio inteiramente novo nas suas carreiras e até nas suas vidas. A área deste mestrado é pioneira. Há 20 anos, quando a Esad abriu as suas portas aos primeiros alunos, viveu-se um ambiente semelhante e uma idêntica convicção de que se estão a dar passos num caminho ainda pouco trilhado em Portugal. Vamos colocar em comum o que sabemos e o que sonhamos e tentar contribuir para mudar o modo de reforçar e recentrar o papel da cultura no espaço público.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Na próxima sexta-feira, em Alpiarça

Era o quadro preferido de José Relvas, que o quis no escritório, entre livros e objectos que apreciava. Levou-o a Madrid, no conjunto de exemplares de arte portuguesa cuja mostra, enquanto embaixador, patrocinou. As Abandonadas, de Constantino Fernandes é uma obra que ocupa um lugar especial na colecção dos Patudos. Foi recentemente restaurada e esteve patente em 2008 na Assembleia da República.
É dela que vai falar o Doutor Jorge Custódio, especialista em história da indústria e da industrialização portuguesa, na próxima sexta-feira, no âmbito das comemorações dos 50 anos da Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A República e a educação

Interessante palestra que ontem fui ouvir aos Paços do Concelho da Póvoa de Varzim ao Professor António Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa. Um balanço modulado entre o voluntarismo das políticas e a rendição perante contrariedades, obstáculos e inércias instaladas foi o que o orador procurou traçar. Evidenciou o "atraso" de um século nos indicadores quantitativos da escolarização entre Portugal e os países da Europa do Norte. Menos convincente a explicação adiantada: falta de continuidade no esforço em prol da educação. Às vezes pergunto-me se não estamos perante um círculo vicioso e se o investimento na escolarização não está destinado a só ter êxito depois de ultrapassado um limiar mínimo de cultura escolar disseminada entre a população. Se as famílias não estiverem convencidas da "bondade" da instrução dos seus filhos, o êxito das políticas de ensino pode estar comprometido à partida. Por outro lado, apesar das torturas a que submetem as estatísticas os historiadores neoliberais, ainda não foi abalada a pertinência da tese que vê na persistência de uma iliteracia esmagadora uma das razões do "atraso" português.
Ocasião também para rever, além do António, outros membros da família a que me ligam laços de consideração e estima: o Conselheiro Sampaio da Nóvoa (que foi Ministro da República para os Acores) e o Engenheiro Faria Frasco (que foi director da revista Cerâmicas); e para dar um abraço a José Carlos de Vasconcelos, um poveiro, coordenador deste ciclo de conferências.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cronistas de primeira linha

O Diário de Notícias - Ferreira Fernandes - e o Jornal de Notícias - Manuel António Pina - contam ambos com dois cronistas diários de primeira água. Sou um admirador confesso do género que aliás sempre contou com grandes cultores na imprensa portuguesa. lembro-me de há anos Mário Mesquita - outro excelente cronista - ter publicado uma crónica sobre este tema. São jornalista/escritores que todos os dias, num número limitado de caracteres, contam uma história de exemplo, comentam uma notícia, antecipam um acontecimento, arriscam um juízo.
Leiam, por favor, a certeira e irónica crónica de hoje de Manuel António Pina no JN.

domingo, 12 de setembro de 2010

Tem alma

Ao calcorrear o casco velho de Guimarães, não será necessário ouvir um paso doble em música de fundo para suscitar a impressão moral de se estar a percorrer um centro histórico espanhol. A comparação é legítima se analisarmos a semelhança dos factos e acontecimentos urbanos que se desnudam sucessivamente à medida da desmultiplicação dos percursos, com articular desempenho dos monumentos e da animação do espaço público. Um concerto de música clássica numa rua da Cidade Histórica de Santiago de Compostela (em tarde de Primavera), ou um espectáculo de música contemporânea numa rua do Centro Histórico de Guimarães (em noite de Verão) parecem exemplificar a padronização das respectivas semânticas dos lugares.
No Centro Histórico de Guimarães, à semelhança do espaço urbano representativo aqui retratado, a coexistência de várias tipologias funcionais (habitação, equipamento e comércio), concretiza no território a operacionalidade de uma gama diversificada de movimentos, comportamentos e actividades.
A habitação é sobretudo caracterizada pela manutenção da população originária. Os equipamentos encerram várias valências (educativa, sociocultural, turística e religiosa) e escalas distintas (de apoio à função habitacional local e de âmbito concelhio). O comércio de cariz tradicional é vocacionado, tanto para a população residente, como para a população exterior ao núcleo histórico. As referidas funções, embora operando no edificado, acabam por reflectir-se no espaço público, democratizando-o, tornando-o simultaneamente num forum doméstico e num espaço ágora (sem dominância de significado) e consolidando singularidades face a outras partes da cidade. Por esses e outros factos, será inteiramente justo que ao centro histórico se atribua a designação de jóia da coroa.
Ter-se-á dito que Guimarães é a cidade que tem uma sé e não tem bispo; tem uma ponte e não tem rio; tem um castelo e não tem rei (Luis Paulo Rodrigues citado por Óscar Pires em "Em busca da identidade perdida", Público, 15 de Fevereiro de 1995), mas tem um centro histórico que tem alma.

António Leite Ramalho, Urbanismo. Retratos Urbanos. Póvoa de Varzim, Câmara Municipal, 2004. p.116-117.

sábado, 11 de setembro de 2010

Coexistência pacífica?

Surgiu um dia destes e nem percebi logo do que se tratava. Não parecia muito activo. Depois começou a crescer, anel a anel, e sentiu-se que estava bem vivo. É um ninho de vespas - "nespas" como diz o meu neto - e está fixado num separador do meu terraço.
Procuro quem me habilite com saberes práticos destas coisas estranhas na cidade moderna. Devo declarar guerra às intrusas? Barricar-me? Munir-me de bombinhas de mau cheiro? Adquirir máscara e luvas de protecção? Chamar reforços? Pedir ajuda no exterior? Em suma, há alguma hipótese de coexistirmos pacificamente no espaço aéreo que partilhamos? Como se estabelece uma linha de fronteira que evite o extermínio, a expulsão, a ameaça de agressão permanente?

"Como rumor do mar dentro de um búzio"

Hugo Canoilas
Garças ao Arquipélago "allgarvio", até nos esquecemos da recente corrida ao disparate.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Também tenho resistido...

... a comentar as trapalhadas do acórdão do processo Casa Pia. Também aqui não havia necessidade delas, pois não? Ou havia?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Tenho resistido...

... com toda a convicção a comentar as trapalhadas do futebol nacional. Mas não havia necessidade delas, pois não? Ou havia?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Compromisso entre competitividade e coesão

Jaime Quesado hoje no Público.

Diálogo do vento e do mar

Claude Debussy (1862-1918), 'Dialogue du vent et de la mer', extracto de "La Mer".
Animação de Ali Habashi
University of Miami Symphony Orchestra
dirigida por Thomas M. Sleeper.
[Para Maria, sempre perto do mar.]

terça-feira, 7 de setembro de 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A rentrée do Presidente

A agenda e as declarações do Presidente dizem tudo o que é preciso. A campanha eleitoral começou em Belém e o PSD não tem margem para forçar uma crise orçamental. Marcelo aconselhou paciência ao "passismo" (curiosa designação!). Talvez seja tempo para pensar naquelas coisas de que os Partidos se ocupam enquanto fazem a cura de oposição: Grupos de Estudos, Portas-Vozes, Governo Sombra.

domingo, 5 de setembro de 2010

Berlengas


Fonte: blog e videos em
Duarte Fernandes Pinto

Berlengas

Ainda há dois dias de votação. Só faltam dois dias!

Sob Salazar

Vasco Pulido Valente hoje, no Público:

Para quem viveu sob Salazar - e já deve haver pouca gente -, o que falta nesta biografia é, naturalmente, a atmosfera do regime. Porque não existia uma ditadura, existiam milhares. Cada um de nós sofria sob o seu tirano, ou colecção de tiranos, na maior impotência. A família, a escola, a universidade, o trabalho produziam automaticamente os seus pequenos "salazares", que, como o outro, exerciam um autoridade arbitrária e definitiva que ninguém se atrevia a questionar. A deferência - se não o respeito - por quem mandava era universal; e essa educação na humildade (e muitas vezes no vexame) fazia um povo obediente, curvado, obsequioso, que se continua a ver por aí na sua vidinha, aplaudindo e louvando os poderes do dia e sempre partidário da "mão forte" que "mete a canalha na ordem".
Só num ponto, essencial, Salazar perdeu. Queria um país resignado à pobreza cristã e Portugal, se continua pobre, não se resigna agora à pobreza com facilidade e abandonou a Igreja. Verdade que Salazar se esforçou para conservar a sociedade rural em que nascera e a Coimbra beata e conformista em que se educara. Verdade também que durante 30 anos tornou Portugal uma grande aldeia, onde o "progresso" chegava, quando chegava (uma ponte, uma estrada, aqui e ali a electricidade), por dádiva do Altíssimo. Mas, depois da guerra, mesmo ele se viu obrigado, para sobreviver, a permitir que o mundo moderno passasse a fronteira, embora lentamente e por uma frincha. E o mundo moderno desorganizou o Portugal manso e miserável que ele com tanta devoção construíra. O preço que pagámos pela ditadura desse provinciano mesquinho é incalculável.

Julgamento(s)

Dizem-me amigos, cujo saber e experiência da matéria é sólido, que teria sido possível encurtar consideravelmente o tempo do julgamento da Casa Pia, poupando vítimas, arguidos e país a muitas das sequelas do arrastado processo. Desconheço, evidentemente, os motivos pelos quais cada um dos que nele intervieram nada fez para obter essa possível celeridade. Admito que não coincidam, excepto talvez num ponto: a não divisão do processo criou (artificialmente?) dois lados, tanto na administração da justiça, como na percepção mediática, como provavelmente na estratégia da(s) defesa(s): o lado dos que sustentam a boa condução da investigação e o valor da prova, e o lado dos que, criticando esta, admitiam  a impossibilidade de condenar fosse quem fosse (excepto o arguido que confessou). A comunicação social pendeu aliás, por motivos que têm a ver com a sua lógica de funcionamento, para este último lado. Daí a surpresa com que foi recebida a sentença. Mas, tal como as coisas foram conduzidas até aqui, ou os arguidos eram todos absolvidos ou todos condenados. Só a partir de agora é que se separam.

sábado, 4 de setembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Llosa contra o nacionalismo

O traumatismo criado pela descoberta dos horrores da Segunda Guerra Mundial foi o primeiro factor a contribuir para o descrédito do nacionalismo, fundamentalmente por causa da atribuição desses horrores ao nacionalismo alemão. A nação seria uma ficção política, artificial, a um tempo tirânica e ineficaz, teria servido de álibi às piores atrocidades do século XX. Mário Vargas Llosa resume bem a ideia dominante no pós Segunda Guerra Mundial: “ Se tivermos em conta o sangue que fez correr no decurso da história, o modo como contribuiu para alimentar os preconceitos, o racismo, a xenofobia e a falta de compreensão entre os povos e as culturas, o álibi que ofereceu ao autoritarismo, ao totalitarismo., ao colonialismo, aos genocídios religiosos e étnicos, a nação parece-me ser o exemplo privilegiado de uma imaginação maligna”.

Dominique Schnaper, “L’identité nationale:quelles realités?
In L’Identité Nationale. Cahiers Français, nº 342. Jan-Fev 2008, p. 3.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Saberei, talvez, no fim desta viagem

À descoberta de Ruy Duarte de Carvalho, recentemente falecido.

Saberei ainda assim que a Ipiranga cruza a avenida São João onde sangue de um crime, segundo Vansolini, domador de serpentes no Butantã, pode sempre estar escorrendo de algum bar onde haja malandro jogando bilhar, mas que sei eu de resistências brasileiras a ditaduras para mim alheias? Saberei talvez alguma coisa de governos que em África podem perpetuar-se porque aproveitam situações que não dão alternativa e sabem adaptar-se aos discursos e à prática que mais convêm aos tempos políticos que se vão sucedendo sem que isso os leve a alterar o regime que apurarem para o exercício do domínio interno e a prosperidade de quem tomou, já faz muito tempo, conta do poder. Mas que sei eu do São Paulo e do Brasil de agora e daquele que entretanto decorreu enquanto as nossas guerras nos mantinham entretidos? Saberei, talvez, no fim desta viagem. E de qualquer maneira a viagem que tenho pela frente, vou fazê-la de facto porque ao longo da vida sempre fui mantendo o Brasil como paixão, ancorado numa condição periférica de angolano excêntrico em que apesar de tudo consegui manter-me coexistindo sempre com meia dúzia de referências, nomes de autores, personagens brasileiras, e painéis inteiros de paisagens que confundi com as minhas. Penso isto tudo, já, olhando para fora, apontando o olhar à direcção nordeste. Não ligo para o céu baixo de chumbo derramado e frio, mentor de neblinas, garroas macias, cálidas quase e lentas que enquanto aqui estiver não vão nunca deixar de me fazer lembrar que habito um lugar que é como o café quer, nem para as torres de betão que assim de tais alturas se me impõem, erectas e limpas, sobre a ondulação assente dos telhados baixos de Pinheiros e da Vila Madalena, e eis um recorte que me rende a São Paulo.

Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida. Crónicas do Brasil. Lisboa, Edições Cotovia, 2006. p. 56-57