terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Em Tallinn

Tallinn, hoje à noite. 
Férias bloguísticas durante a semana. Há o Facebook.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Hospitalidade

A hospitalidade que nos interessa e que pode, talvez, permitir a passagem no âmbito do estético, não se circunscreve nem esgota numa política, numa ética, numa lei, num tema ou num conceito. A hospitalidade do Direito e das leis, não lhe sendo estranha, mantém-se heterogénea em relação a esta hospitalidade absoluta e incondicional. Isso não significa que é um apura transcendentalidade, uma categoria ideal que regula e garante as formas concretas da hospitalidade. Não. A hospitalidade sem limites de que fala Derrida é o concretíssimum por excelência: já opera em todos os discurso e em todas as fronteiras onde se dá ou se nega a autorização de passagem ao estrangeiro que chega. Porque é infinita, esta hospitalidade não admite nenhum tipo de demarcação.
[...] A hospitalidade é hospitalidade ao porvir, acolhimento ao que chega porque chega, de modo imprevisto e heterogéneo em relação às estruturas de acolhimento, às expectativas, aos desejos, etc. Daí a relação íntima entre o porvir e a invenção: vinda do porvir, do evento, da aventura. O porvir (l'avenir) desafia a invenção, o acolhimento do outro, porque o que vem supõe que algo ou alguém compareça, venha, e venha pela primeira vez. A invenção supõe uma primeira vez, uma vez sem exemplo. O acontecimento (l'événement) dá-se na eclosão do que vem e do porvir. O acontecimento está sempre a acontecer, gerando uma instabilidade essencial, uma oscilação espacio-temporal infinita e incontrolável. A desconstrução, mais do que fornecer e administrar procedimentos e métodos de leitura e interpretação, expõe-se, na sua força e no seu desejo, a uma experiência impossível, a uma experiência do impossível.

Nuno Higino, Álvaro Siza: Desenhar a Hospitalidade. Matosinhos, Casa da Arquitectura, 2010. p. 10-11

sábado, 25 de dezembro de 2010

Ferreira da Silva

Composição parietal em passagem desnivelada nas Caldas da Rainha, inaugurada ontem. Uma composição que se alimenta da própria cerâmica e da produção mais recente do autor.













Na transição da A29 para a A25 (2)

A concessionária da A 25 mandou limpar os ninhos de cegonhas que aqui se podiam ver no Verão (vide post que aqui coloquei em Junho)


Hoje (as fotografias foram tiradas em circunstâncias desfavoráveis) podíamos ver cegonhas pousadas nas traves nuas dos placards, avaliando a situação. Vão repor os ninhos naquele local improvável?


Como se pode ver, a EDP tomou opção diferente da Ascendi.



sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A utilidade de uma candidatura

Que faz mover Defensor Moura, o antigo Presidente da Câmara de Viana, hoje deputado por virtude de um acordo de desistência da sua recandidatura autárquica? Há quem descortine por detrás desta aposta desconcertante um passo alinhado com o uma corrente "eanista" que se abrigou no PS nos anos 90. Tal hipótese é inverificável. Faria sentido se Cavaco precisasse dos votos de Defensor Moura para ganhar uma segunda volta.
Defensor Moura não é uma personalidade querida no PS, que deixou no distrito de Viana, à beira de uma rotura regional. No plano programático, não se lhe conhece nenhuma ideia original e relevante para o país. Em eleições onde pela primeira vez os pequenos partidos prescindiram de ter voz esta candidatura presidencial é inútil.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A japoneira do "meu" jardim

Enquanto ao lado há quem se desvista, a do meio investe em adereços.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"O que os portugueses devem saber sobre Portugal"

O projecto de organizar um Guia de Portugal germinou na Biblioteca Nacional, então dirigida por Jaime Cortesão, onde Raul Proença era bibliotecário. O Grupo da Biblioteca incluía ainda António Sérgio, Câmara Reis, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro e outros intelectuais. A maior parte destes nomes tinha igualmente participado nos projectos de regeneração nacional produzidos pelo "Grupo Seara Nova", surgido em 1921. Em 1923, o mesmo Grupo esteve na origem de um movimento designado por "União Cívica", um movimento reformador que se propunha mobilizar a elite intelectual da esquerda e da direita (de facto, teve adesão de integralistas) em torno de um programa de medidas urgentes de transformação política e institucional.
É este grupo alargado da Biblioteca, da Seara, da "União Cívica" que Proença chama a colaborar no Guia, sob o propósito de reunir um conhecimento qualificado sobre Portugal e a sua paisagem física e cultural. O responsável máximo pelo projecto reuniu os melhores escritores do seu tempo, os melhores especialistas em história de arte, em geografia física e humana, em arqueologia, em antropologia. O primeiro volume do Guia - Lisboa e Arredores - tem 700 páginas (alguns dos restante volumes ultrapassam as 1300) e contou com 25 colaboradores. Entre eles estão escritores como Aquilino Ribeiro, Teixeira de Pascoais, Afonso Lopes Vieira, Raul Brandão, Júlio Dantas, ensaístas como António Sérgio, Jaime Cortesão, Câmara Reis e Azevedo Gomes, historiadores de arte como Matos Sequeira, José de Figueiredo e Reinaldo dos Santos, investigadores de geografia e antropologia, como Silva Teles, Oliveira Ramos e Alves Pereira. O responsável gráfico da obra é Raul Lino, um dos arquitectos mais celebrados na época.
O repositório de informação qualificada contido no Guia permitiria um outro olhar sobre Portugal. Não se tratava de proporcionar apenas ao viajante um instrumento de preparação de visitas turísticas. A dimensão extraordinária do projecto não o tornaria muito prático, nesse aspecto. O Guia de Portugal servia não apenas intuitos de promoção turística das regiões, pois inventariava, com um modelo de fichas a que certamente não terá sido estranha a experiência do bibliotecário Proença, o património material, paisagístico e histórico das cidades, vilas e aldeias de Portugal.
Portugal é identificado aqui com o património, um conceito descritivo e plural distanciando-se da noção que o reduzia ao âmbito das belas artes. Os diversos volumes do Guia fazem o registo dos valores territoriais, com grande soma de pormenores e graças a uma verdadeira rede de historiadores, arqueólogos e etnógrafos locais, servidos por uma cartografia adequada, que é herdeira dos trabalhos de recolha da cultura material e patrimonial efectuados por Leite de Vasconcelos, Martins Sarmento, Rocha Peixoto, Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso e Joaquim de Vasconcelos, na transição do século XIX para o século XX.
O século XIX popularizara na Europa os guias turísticos, com informações úteis para o viajante, e o romantismo enfatizara os guias com assinatura de autor. Escritores e jornalistas relataram as suas aventuras interiores em contacto com as criações monumentais da cultura italiana, por exemplo, ou deleitaram-se com a surpresa civilizacional da descoberta do pitoresco e do exótico.
Em Portugal, o paradigma dessa literatura de viagens é Ramalho Ortigão, com os seus relatos impressivos de múltiplas visitas e paragens, que fizeram dele um especialista convocado como “um touriste de reconhecida competência”. Mas há outros escritores que cultivaram com sucesso de folhetinistas este género literário, como Júlio César Machado, Fialho de Almeida ou Gomes de Amorim.
Na primeira década do século XX, alguns concelhos que atraiam movimentos sazonais de visitantes, em razão dos seus monumentos, das suas paisagens, das suas termas, das suas praias, dispuseram de guias turísticos. Editados nos primeiros anos do século, esses guias continham indicações sobre os locais a visitar, informações sobre como chegar, distâncias, alojamento, restauração, etc. Conheço brochuras destas relativas a Alcobaça, Coimbra, Sintra, Braga, Lisboa, Porto, Évora, Caldas da Rainha, Leiria, Viseu, por exemplo.
Mas o Guia de Proença distingue-se destes exemplos anteriores, pela escala, pelo método e pelos objectivos. A informação que reúne é sistemática e para todo o Pais. Pretende ser uma informação rigorosa e verificada, e não repetida de velhos almanaques. Quer-se global e não dirigida exclusivamente ao pitoresco. Tem uma base positiva, e não meramente impressiva ou subjectiva. De facto, objectiva-se no território, no lugar, e é segundo esse critério territorial que hierarquiza a informação. Cada volume do Guia incide sobre uma “província” e no interior de cada região organiza os percursos de acordo com a riqueza patrimonial dos centros urbanos.
O Guia de Portugal foi concebido como um repositório exigente e actualizado do conhecimento sobre a paisagem geográfica e cultural portuguesa. Mais do que um roteiro de estradas e localidades, pretendeu ser uma obra sobre o Portugal que os portugueses tinham produzido. Num certo sentido, o paradigma de Proença foi Os Lusíadas. Proença queria os melhores do seu tempo a descrever e interpretar Portugal. Mas o Guia não é uma justaposição de textos, porque o coordenador os reelaborou de forma a garantir a unidade de critério e a coesão formal do projecto.
A quantidade de informação recolhida nos 8 volumes de que se compõe o Guia é impressionante. Proença e os seus colaboradores percorreram o país, elaborando milhares e milhares de fichas sobre localidades, monumentos e itinerários. É uma obra única no seu género e que permanece ainda hoje como obra ímpar da nossa cultura.
Admiravelmente bem escrita, mesmo quando o seu conteúdo é mais árido, pode dizer-se hoje que o Guia é um livro de viagens. E que fascinante é hoje visitar locais descritos por visitantes ilustres, munidos dos livros onde eles testemunham o modo como os perceberam!
Proença dedicou este seu extraordinário trabalho a viajantes especiais que ele quis se sentissem especiais. Foi o que nos aconteceu e é o que acontece a todos os que continuam a viajar com o Guia de Portugal.
Essa dedicatória reza o seguinte: “A todos os que não desejam fazer perpetuamente justa a frase de Montesquieu, ao dizer dos portugueses que tinham descoberto o mundo, mas desconhecem a terra em que nasceram; este livro, inventário das riquezas artísticas que ainda se não sumiram na voragem, e das maravilhas naturais que ainda não conseguimos destruir, antologia de paisagistas, “vade-mecum” de beleza, roteiro dos passos dos portugueses enamorados, indículo das pequenas e grandes coisas, que requerem o nosso amor – pelo passado, pelo presente e pelo futuro –, é oferecido e dedicado"

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ó peregrinos que pensoso’ andais

... que uns quantos peregrinos passavam por uma via que está quase no meio da cidade onde nasceu e viveu e morreu a gentilíssima dama. Os quais peregrinos andavam, segundo me pareceu, muito pensativos; pelo que eu, pensando neles, disse para mim mesmo: “Estes peregrinos parecem-me de longínqua parte, e também não creio que tivessem ouvido falar ainda desta dama, e disso não sabiam nada; antes os seus pensamentos são sobre outras coisas que não estas aqui, que pensam talvez nos seus amigos distantes, os quais nós não conhecemos”. Depois dizia para mim mesmo: “Eu sei que, se eles fosse de terras próximas, pareceriam perturbados nalgum aspecto passando pelo meio da dolorosa cidade.” Depois dizia para mim mesmo que eles saíssem da cidade, pois que eu diria palavras que fariam chorar quem quer que as escutasse.” Pelo que, passados estes alem da minha vista, propus-me fazer um soneto no qual eu manifestasse aquilo que eu tinha dito para mim mesmo; e para que mais parecesse piedoso, propus-me dizê-lo como se eu lhes tivesse falado; e disse esse soneto, o qual começa: Ó peregrinos que pensoso’ andais. E disse “peregrinos” segundo a larga significação do vocábulo; porque peregrinos se podem entender de dois modos, num lato e num restrito: no lato, enquanto é peregrino todo aquele que está fora da sua pátria, em modo restrito não se entende peregrino senão quem vai para a casa de São Tiago ou regressa. E por isso é de saber que de três modos se chamam propriamente as gentes que vão a serviço do Altíssimo: chamam-se palmeirins enquanto vão ultramar, lá onde muitas vezes trazem a palma; chamam-se peregrinos enquanto vão à casa da Galiza, pois que a sepultura de São Tiago estava mais distante da sua pátria que a de qualquer outro apóstolo; chamam-se romeiros enquanto vão a Roma, lá onde estes a quem chamo peregrinos iam.
Este soneto não divido, pois que assaz o manifesta o seu relato.


Ó peregrinos que pensoso’ andais,
talvez de coisa que não é presente,
vós vindes de um tão remota gente,
tal como à vista vós nos demonstrais,
que não plangeis enquanto vós passais
p’lo meio da cidade assim dolente,
como aquelas pessoas cuja mente
não entendesse gravidades tais?
Se vós ficásseis por querê-lo ouvir,
por certo o cor do suspirar me diz
que já não saireis, lagrimando.
Ela perdeu sua Beatriz;
dela as palavras que um pode exprimir
Têm virtude de outrem pôr chorando.

Dante Alighieri, Vida Nova. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa, Relógio de Água, 2010. P. 121-123.

domingo, 19 de dezembro de 2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Para fins ginásticos

Entre os seus doentes [de Egas Moniz, que em 1907 abriu consultório de doenças nervosas em Lisboa] neste período, conta-se Fernando Pessoa, que o consultou em 1907. Pessoa, que entretanto desistira do Curso Superior de Letras, começara a estudar  como autodidacta, a parapsicopatologia. A avó, Dionísia Perestrelo de Seabra, enlouquecera, e o poeta temia que lhe sucedesse o mesmo. Egas passou-o, "para fins ginásticos", para as mãos de Luis Furtado Coelho, o pioneiro da ginástica sueca em Portugal. Pessoa escreveu em 1933 que quando seguiu a recomendação de Egas, "para cadáver só lhe faltava morrer. Em menos de treze meses e a três lições por semana, pôs-me Furtado Coelho em tal estado de transformação que, diga.se com modéstia, ainda hoje existo - com que vantagens para a civilização europeia, não me compete a mim dizer".


João Lobo Antunes, Egas Moniz. Uma Biografia. Lisboa, Gradiva. 2010. p. 109-110.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Obviamente (1)

A figuração em pedra ou bronze de personalidades destacadas das vilas e cidades cedeu hoje o lugar a composições que visam obter uma identificação imediata do lugar. Obviamente. São marcas colocadas em espaços públicos de grande visibilidade, de preferência rotundas que distribuem o trânsito nos pontos de entrada e atravessamento urbanos. A colecção deste tipo de intervenções com grande impacte visual não cessa de aumentar.
O primeiro exemplar que trago pode ser visto na Mealhada.

Clique na imagem, se quiser certificar-se de algum pormenor.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Claude Lévi-Strauss (2)

Didier Eribon: A música conta para a sua vida?
Claude Lévi-Strauss: Enormemente. Estou sempre a ouvir música, trabalho com música. Isto pode suscitar a crítica dos melómanos, que me acusariam de transformar a música em ruído de fundo. As coisas são muito mais complicadas, e eu terei dificuldade em explicar a relação entre o meu trabalho e a música, a não ser que recorra a uma comparação. Porque é que o nu tem um lugar tão grande na pintura? Podemos supor que seja por causa da beleza intrínseca de um corpo. A razão parece-me distinta desta. Até um pintor menos sensível, habituado a recorrer a modelos, não deixará de experimentar uma certa excitação erótica à vista de um corpo belo. Este erotismo leve estimula-o e espevita a sua percepção; pinta melhor. Consciente ou inconscientemente, o artista procura esse estado de graça. A minha relação com a música é da mesma ordem: penso melhor ouvindo música. Uma relação contrapontística é estabelecida entre a articulação do discurso musical e o fio da minha reflexão. Ora seguem a par, ora se afastam, juntam-se outra vez. Quantas vezes não reparei que, ouvindo uma obra, suspendi a audição enquanto uma ideia nascia! Depois da separação temporária que possibilita a autonomia do meu pensamento, este volta a envolver-se na obra musical, como se o discurso mental tivesse, por um momento, desligado o discurso musical permanecendo em cumplicidade com ele.
De prés et de loin, entretiens, Claude Lévi-Strauss, Didier Erion. Ed. Odile Jacob, 1988.

Magazine Littéraire. Hors-Série nº 5. "Lévi-Strauss, l'ethnologie ou la passion des autres". 2003. p. 86.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Claude Lévi-Strauss (1)

Os mitos - e esta é talvez a sua característica essencial - são objectos belos e comoventes. Quando conseguimos compreender a narrativa contida num mito, mesmo tratando-se de um mito originário de uma população de que ignoramos tudo, perdida no fim do Mundo, e cuja experiência quotidiana é radicalmente diferente da nossa, esse mito pode à mesma provocar-nos emoção por intermédio de qualquer coisa que eu não sei como definir, a menos que diga que é a sua beleza.
Ora, o tipo de análise a que me dedico orienta-se precisamente para desvelar, no mito, um objecto de uma essência particular, produzido precisamente pela união operada na narrativa mítica entre o sensível (porquanto o mito acaba sempre por contar uma história) e uma mensagem inteligível que pode tomar a forma de uma equação quase matemática. E, enfim, aquilo a que chamamos o sentimento, a emoção não será sempre isso mesmo? Embora em nós ele seja provocado por uma obra musical ou por um quadro ou por uma escultura, a emoção nasce deste acesso imediato a uma certa inteligibilidade (sem passar pelas vias complicadas do raciocínio), a emoção é esta espécie de murro em cheio que nos inflige a apreensão global de uma configuração sensível. Penso que o mito, o estudo do mito pode ajudar-nos a resolver um dos problemas mais irritantes das Ciências Humanas: o que o Belo? Problema que a filosofia discute há séculos, mas que não parece ter resolvido.

Claude Lévi-Srauss, "L'ethnologue est un bricoleur", Le Nouvel Observateur. nº Hors-série, "Lévi-Strauss par Lévi-Strauss". Novembro-Dezembro de 2009. p. 23.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Santa Luzia

Hoje, em Guimarães.


O ano passado, a 17 de Dezembro, referi-me aqui a esta celebração tradicional.

domingo, 12 de dezembro de 2010

À janela de Rogério Ribeiro

Sem título, 2005.
Desenho aguarelado, Colecção Prof. António Borges Coelho.
Exposto actualmente no Armazém das Artes, Alcobaça.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Intervenções militares na vida política

Ontem, na Casa-Museu João Soares, nas Cortes, revisitei uma investigação que efectuei nos anos 80 com Luis Salgado de Matos sobre intervenções militares na política no século XX (1910-1974). Reproduzo aqui as conclusões principais.

A justificação da intervenção das Forças Armadas na vida política portuguesa, tal como resulta dos manifestos, pode sintetizar-se nos seguintes dez tópicos:
1) As Forças Armadas escolhem o momento da intervenção sem dependência de qualquer consulta prévia. A intervenção é um dever;
2) A intervenção militar efectiva-se numa situação caracterizada por factores externos à instituição militar;
3) A situação anterior à intervenção é sempre caracterizada como de ruptura de uma normalidade: violação do paradigma democrático ou crise afectando os valores de ordem e segurança;
4) A crise económica não é um factor pertinente de caracterização da situação anterior à intervenção;
5) Um ou vários oficiais isolados não são sujeitos legítimos da intervenção; exige-se uma vinculação orgânica entre os autores do manifesto e a instituição militar;
6) A legitimidade invocada para intervir reconduz-se ao restabelecimento da Constituição de 1911, ou, no caso dos movimentos militares, decorre da autoridade própria das Forças Armadas, único «corpo organizado» na «Nação» em crise;
7) O objectivo da intervenção é a solução da crise que a originou;
8) As Forças Armadas têm em conta a opinião pública suposta ou identificam- se com ela, nomeadamente pela mediação nacional;
9) Os militares podem participar na definição da normalidade constitucional posterior à intervenção, mas não têm o monopólio dessa definição;
10) As Forças Armadas têm interesses próprios que são afirmados.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

À janela de Edward Hopper

Cape Cod Morning, 1950.
Página correspondente do Sketchbook de E. Hopper

A Exposição do Museu de José Malhoa

Resposta de Isabel Xavier:

A exposição é constituída por duas partes essenciais: uma relativa à I República nas Caldas da Rainha e outra ao núcleo de artistas republicanos que constituiram o espólio inicial do Museu José Malhoa. Procura-se provar que a própria iniciativa da criação do Museu se inscreve na política cultural, eductiva e patrimonial republicana.
A parte do PH, relativa às Caldas durante a I República, foi organizada em quatro núcleos principais: toponímia; Jornais; símbolos da República nas Caldas (com destaque para a iconografia produzida nas fábricas de cerâmica) e associativismo.
Este último núcleo, dando destaque à Associação Comercial, estebelece o elo de transição para a segunda parte da exposição, visto ter sido a partir da encomenda do retrato da rainha D. Leonor ao pintor José Malhoa pela Associação Comercial que surgiu o projecto de criar um Museu dedicado ao pintor caldense nas Caldas da Rainha.
Segundo Fernando Catroga, o republicanismo foi um fenómeno que se foi instalando na sociedade portuguesa, e até mesmo nas instituições da monarquia constitucional, antes de cinco de Outubro de 1910.
Segundo a tese defendida por João Serra, e que partilho plenamente, as Caldas viveu uma conjuntura de expansão entre 1887 (inauguração da linha férrea; escola rainha D. Leonor, na esteira da presença de Bordalo Pinheiro na vila) e 1927 (ascensão da vila a cidade).
A intenção do PH (minha, portanto) foi estabelecer um conjunto de temas significativos de republicanismo e estudá-los no modo como se manifestaram nas Caldas da Rainha. Com as especificidades próprias de um centro cerâmico muito marcado pelo republicanismo de que foi também introdutor o próprio Rafael Bordalo Pinheiro, mas que era também um centro termal com uma forte presença monárquica na vila.
Uma das áreas que necessita de ser mais explorada é exactamente a questão da produção cerâmica, nomeadamente nas suas duas componentes mais ligadas à República: a crítica social e política reveladora do anti-clericalismo e do nacionalismo próprios do ideário republicano; a produção de uma considerável quantidade de bustos da República e de outras alegorias como o Zé Povinho agarrado à República, de catácter comemorativo e celebratório da vitória repubçlicana, nas fábricas das Caldas, com destaque para a de Alves Cunha Sucessores.
Nomes como o de Avelino Belo que foi simultaneamente discípulo de Bordalo Pinheiro, ceramista com fábrica própria, republicano, membro do Centro Republicano Almirante Cândido dos Reis, director do jornal "O Direito do Povo" é bem sintomático destes cruzamentos vividos nas Caldas.
Também o encontramos a propôr mudanças de nomes das ruas das Caldas, no seguimento da revolução do cinco de Outubro, por exemplo.
Há ainda que contar com o facto de a Associação Comercial ter sido uma iniciativa à qual esteve ligado o nome de Rafael Bordalo Pinheiro e que desempenhou na vila um papel fundamental, pelo menos nas três décadas que se seguiram à sua criação, em 1902.
Muitos destes temas já estavam estudados, outros foram levantados pela investigação complementar agora produzida e carecem de aprofundamento. A exposição procura reflectir essas vivências nas Caldas da Rainha no período a que se reporta.

Amanhã, nas Cortes

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A República nas Caldas

Não comentarei a exposição que está patente no Museu de José Malhoa, que ainda não visitei, mas deixo aqui duas ou três observações suscitadas pela leitura do catálogo amavelmente oferecido por uma das suas comissárias, a Dr.ª Isabel Xavier.
A exposição toma como tema central a fundação do Museu de José Malhoa. Retoma nesse aspecto o objecto de uma anterior exposição, efectuada em 1996, denominada “António Montês e o Museu de José Malhoa”. Mas enquanto naquela a perspectiva dominante era a do contributo do principal entusiasta e dinamizador do projecto e seu primeiro director, nesta exposição a fundação do museu é filiada na politica cultural republicana, designadamente a politica para o património e museus.
Com esta linha de abordagem cruza-se todavia a primeira, o que é salientado no catálogo, mas talvez pudesse ser sublinhado de forma mais vincada. O conceito de museu de arte, tendo como núcleo fulcral a obra de José Malhoa, não é incompatível com o de museu regional, ou museu de artes, abarcando outras áreas da produção artística das Caldas, como a cerâmica e a escultura, e outros criadores contemporâneos ou sucedâneos do pintor.
O novo museu, colocado sob a égide de um artista celebrado, é fundamentalmente uma peça da afirmação das Caldas como pólo regional dinâmico e como tal merecedor de reconhecimento nacional. A investigação realizada em 1996, nomeadamente a que foi conduzida por Luís Nuno Rodrigues, reconstituiu, em filigrana, essa estratégia de afirmação, os figurantes do segmento da elite local que a gizou, bem como os caminhos que seguiu. Ficámos a conhecer esse grupo de caldenses que frequentou em simultâneo o liceu de Leiria e aí cimentou não só cumplicidades entre si como um contacto, que foi marcante, com as instituições e visões da capital do distrito. Acompanhámos, sempre com o guia competente do texto de Luís Nuno Rodrigues, a liderança que esses homens exerceram na Associação Comercial e Industrial das Caldas da Rainha até à conquista da Câmara, em 1924, numa conjuntura politica favorecida pelas fracturas locais e nacionais do velho partido-frente, o Partido Republicano Português. Finalmente, entrámos nos bastidores da operação complexa conduzida por este grupo - a que Luís Nuno Rodrigues chamou “regionalista” - com o objectivo de recuperar a influência ameaçada com a interferência politica oriunda de alguns sectores da Ditadura Militar instaurada na sequência do 28 de Maio de 1926.
Creio ter dado um contributo, dez anos depois desta investigação, para conhecer a acção posterior dos regionalistas caldenses, até à década de 1940. O estudo que realizei a propósito da organização da Grande Exposição do Duplo Centenário mostra que o processo de criação do Museu não ficou encerrado em 1934, e que os regionalistas só verdadeiramente viram consumados os seus objectivos com a oportunidade que foi oferecida às Caldas da Rainha de receber, em 1940, a Exposição da Província da Estremadura, neste caso substituindo Lisboa, que como capital do País acolhia a Exposição Nacional.
Talvez se tivesse justificado, por isso, trazer a actual exposição do Museu Malhoa até aos anos 40, para nela integrar a história da instituição até à inauguração do edifício, de forma a fazer luz sobre a história politica, isto é sobre a história das relações tecidas no final dos anos 30 em volta da criação das províncias administrativas, da extinção dos distritos e do processo de aproximação/integração das Caldas no que hoje designamos por área metropolitana de Lisboa.
Mas a questão principal que devemos colocar à investigação histórica é: como se explica o surto do chamado “regionalismo” nos anos 20, o seu sucesso político fulgurante e duradouro (pelo menos até à década de 40)? Algumas resposta já foram dadas. Trata-se de um movimento que tira força da crise do sistema politico-partidário da República e se cola à reivindicação periferia-centro. A crise dos partidos (no caso da Primeira República Portuguesa, a crise do "partido-frente") atinge o modelo de mediação entre as instâncias locais e centrais do Estado e da República. Pelo lado das elites locais, acentua-se a convicção de que os factores de crise são importados do centro do sistema, de que existem forças suficientes na periferia para propulsionar uma regeneração do País, se não fora a impotência ou turbulência que paralisa o centro e impende sobre a própria periferia.
No caso das Caldas, há ainda um aspecto particular, para o qual chamei a atenção num texto distante (1987), produzido sobre as primeiras eleições republicanas, efectuadas a 28 de Maio de 1911.
Caldas da Rainha tinha sido, na segunda metade do século XIX, sede de um círculo uninominal. O círculo das Caldas abrangia então os actuais concelhos de Caldas, Óbidos e Peniche e elegia um único deputado. Foi esse o quadro em que se processou a relação política das elites locais com o sistema político, e no qual decorreu um singular adensamento dos factores de polarização regional e de dinamismo institucional urbano no último quartel do século XX.
Sucede porém que a República extinguiu os círculos uninominais, dividindo o território continental e insular em 51 círculos plurinominais, praticando-se em 48 deles voto limitado (nos 2 círculos de Lisboa e no do Porto aplicava-se o método de Hondt). O voto limitado constituía uma modalidade de acesso das minorias à eleição: o boletim de voto devia conter um número de candidatos inferior ao dos deputados a eleger (3 para 4, ou 2 para 3).
Um desses novos círculos era o nº 30, que tinha por sede Alcobaça e abrangia, além deste concelho, os de Pombal, Nazaré, Óbidos, Peniche e Caldas da Rainha. Atente-se no significado da mudança: a engenharia eleitoral produzia um círculo descontínuo; Pombal (que também tinha sido sede de um círculo uninominal) e Caldas perdiam estatuto face a Alcobaça, agora sede um círculo de 4 deputados.
Esta operação dividiu irremediavelmente a elite politica caldense, ou seja, dividiu o "partido-frente" da República. Os republicanos históricos ou recém-convertidos agruparam-se num Centro Republicano, o Centro Miguel Bombarda, para discutir a situação e deliberaram apresentar uma lista própria, alternativa à lista oficial do PRP, às eleições de 1911. À cabeça dessa lista, figurava o nome de um médico, Leão Magno Azedo, nascido nas Caldas e membro da equipa governativa do Ministro do Interior do Governo Provisório, António José de Almeida. Viria a ser eleito.
Esta atitude, obrigando à realização de actos eleitorais no círculo 30 (um dos poucos em se realizaram, porque a lei os dispensava nos círculos onde não concorresse mais do que uma lista), representava em certa medida uma tentativa de recuperação do protagonismo perdido com a extinção círculo uninominal.
A circunstância de Caldas da Rainha protagonizar um lance dasafiador da direcção do Partido que acabara de tomar o Estado sugere ainda um inconformismo caldense com o lugar que, em termos regionais, o novo poder lhe pretenderia atribuir. Parte das elites tradicionais das Caldas teme, provavelmente com algum fundamento, que a República olhe com desconfiança uma área que aparecia como "coutada" monárquica, colocada sob a "protecção da realeza" desde "tempos imemoriais". Receia uma reforma administrativa e judicial que a despromova. Receia o desmantelamento da instituição que lhe traz prestígio e riqueza - o Hospital Termal. O facto bem palpável de a sede do círculo eleitoral nº 30 ter sido atribuída a Alcobaça, temos de convir, não augurava nada de bom.
Os resultados da votação de 28 de Maio foram eloquentes:
[Clique na imagem para aumentar]
A lista da Oposição obteve uma votação tal que, embora não tendo ganho a eleição, se o apuramento se fizesse pelo método de Hondt, os quatro deputados do círculo seriam divididos em partes iguais pelas duas listas. Nos concelhos de Caldas e Pombal, o sufrágio foi desfavorável à lista apresentada pelo Directório do Partido.
É provavelmente aqui que se encontra o primeiro sinal de uma segmentação da elite politica caldense que nos anos 20 teve como protagonista a geração regionalista.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

À janela de Veneza (3)

E à janela de Nadir Afonso.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

À janela de Veneza (2)

Veneza é muito mais do que uma cidade, é um estado de alma, uma lembrança, uma forma de ver o mundo. É também uma cidade assediada pelo turismo, com as suas ruas tão cheias, que às vezes se torna difícil caminhar por elas. Mas é um lugar a que é impossível não nos rendermos.

Guillermo Altares

domingo, 5 de dezembro de 2010

Gestão cultural

[...] Sempre entendi que aos intelectuais não estavam vedadas decisões e acções da esfera do social e politico, onde se combinem estratégia e fiscalização e controlo imediato dos resultados.
Recuando um pouco, poderia talvez apontar o ano de 1987 como aquele em que me vi colocado perante um repto da mesma ordem: depois de um almoço no Cencal, o então Ministro da Educação, João de Deus Pinheiro, sondou-me sobre a disponibilidade que teria em vir a colaborar na criação de uma escola de arte e design nas Caldas da Rainha.
Devo dizer que tal hipótese me surpreendeu. Fizera parte de um Grupo de Trabalho criado pelo Presidente da Câmara para estudar a situação do ensino superior nas Caldas, mas era então investigador a tempo inteiro no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e era essa carreira que intentava prosseguir. De qualquer modo, entendi ser meu dever comunicar a conversa havida com o Ministro ao Director da instituição, o Prof. Adérito Sedas Nunes, o qual, surpreendentemente também para mim, não só me aconselhou a aceitar como me pediu que o fizesse.
A decisão, que só se concretizaria dois anos mais tarde (devido à queda do Governo), de aceitar o convite para integrar a primeira Comissão Instaladora da ESAD, teve impactos imprevisivelmente profundos na minha carreira profissional.
A Escola de Artes e Design abriu as portas aos primeiros alunos há 20 anos. Os escassos dois anos que tivemos para planear e equipar os primeiros cursos, em áreas que, na altura, eram muito mal conhecidas em Portugal, e sobretudo eram quase ignoradas por parte do conjunto da Comissão Instaladora (onde só o presidente tinha alguma aproximação às questões do ensino artístico) parecem-me hoje, uma improbabilidade. Com os meios limitados que nos foram facultados, uma enorme desconfiança por parte da burocracia do Ministério, algumas incompreensões instaladas na sede do Instituto Politécnico de Leiria de então, o tempo a fugir, foram a nossa determinação e o nosso voluntarismo, a capacidade de mobilização e, sobretudo, o consenso criado e alimentado em torno do projecto que permitiram a sua notoriedade elevada e o seu rápido êxito.
Duas décadas volvidas, sou hoje professor vinculado à ESAD e nela exerço funções para que fui eleito pelos meus colegas. E coordeno – transitoriamente, como é bem de ver – um mestrado em Gestão Cultural, uma aposta pela qual me bati com especial afinco nos últimos dois anos, naturalmente secundado pelos meus colegas, pelos órgãos da escola e do Politécnico.
A existência de mestrados na ESAD – Gestão Cultural não é o único, nem sequer foi o primeiro – fortalece-a como instituição de ensino e investigação e como instituição regional. O mestrado de Gestão Cultural permite que a ESAD mantenha uma posição de vanguarda nas formações em artes e cultura de todo o País, e aprofunde os laços de cooperação com instituições congéneres estrangeiras.
A preocupação com a gestão cultural está na ordem do dia. Portugal dispõe hoje de uma cobertura razoável, ou mesmo boa, de infra-estruturas e de equipamentos culturais e precisa de qualificar a sua gestão. Em toda a Europa, o sector criativo tem vindo a crescer em termos de emprego e de valor. A programação cultural impõe o domínio de múltiplos saberes e tende a ser orientada por profissionais de alta qualificação. As verbas envolvidas na gestão dos equipamentos são significativas e não podem estar sujeitas senão aos mesmos princípios de planeamento, de rigor, de prestação de contas, de avaliação dos outros sectores de gestão. [...]

sábado, 4 de dezembro de 2010

À janela de Veneza (1)

William Etty, Window in Venice during a Festa, 1831.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"O mal ameaça a Terra"

De tanto olhar o tempo que corre como a água, Judt não deixou de ver o hoje desse rio de Heraclito em que nos banhamos. Os seus ensaios sobre a atualidade são de uma coragem sem recuo. Judeu e até sionista na sua adolescência, pôs depois em causa a política do Estado de Israel e fez críticas e propostas que lhe foram pagas com a moeda da inimizade e do insulto. Europeu, era agora muito crítico dos caminhos da Europa e dos sinais que os indicam. Inglês a viver em Nova Iorque, em cuja Universidade ensinava, condenou a invasão do Iraque e opôs-se à atitude guerreira e imperial da Administração americana. Historiador, achava que entrámos numa época perigosa de esquecimento da história e de amnésia do mal. Por tudo isto, a sua visão fez-se pessimista, depreciativa e desencantada. Mas, nele, o desencanto não tinha a voz da melancolia ou da desistência: era insolência, provocação e protesto. O seu último livro (Ill Fares the Land - "O Mal Ameaça a Terra") defende um regresso à grande tradição da social-democracia (a que pertence o socialismo democrático e o trabalhismo) e do Estado-Providência, aquela que, embora com falhas, melhor aliou os valores da liberdade e da igualdade. É um triste sinal do tempo a que chamamos nosso que tal defesa tenha sido olhada como um radicalismo suspeito. Estes têm sido os anos de um extremismo agressivo, ávido e vertiginoso, que fez do aumento da desigualdade, da desproteção e da exclusão uma virtude. Para o neoliberalismo fundado num determinismo economicista, tecnocrático, gestionário e messiânico, toda a ideia de 'social', mesmo a que se mostrou justa, moderada e eficaz, é tida como desvio ou ameaça. Isto por si prova a necessidade e o merecimento da proposta de Tony Judt. E é uma boa razão para persistirmos nela, dizendo com ele: "A social-democracia não representa um amanhã que canta nem um ontem que cantou. Mas, entre as opções políticas, é melhor do que qualquer outra ao nosso alcance."
De Pós-Guerra - Uma História da Europa depois de 1945 a O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias, dos artigos sobre Koestler, Hannah Arendt e Camus à crónica a que chamou "Noite", na qual fala da doença e da morte que ela anunciava, estamos com um historiador-ensaísta que fez do mal uma das personagem da sua obra. Ao lê-lo, sinto proximidade. E, quando houve uma ou outra leitura feita na discordância, ou mesmo na discórdia, nunca foi inutilmente que a minha cabeça disse não ao que os meus olhos liam.
A morte de Judt acontece num tempo de todos os perigos para a Europa e para o Ocidente. Como disse recentemente, com um eterno cigarro na mão e uma grande clarividência nonagenária, o antigo chanceler alemão Helmut Schmidt (no seu tempo considerado um social-democrata de direita), para que o desastre no Ocidente seja perfeito só falta que, em 2012, os Estados Unidos juntem aos medíocres que governam a Europa a senhora Sarah Palin, trocando Obama por ela.

José Manuel dos Santos, colunista regular do "Atual"
Texto publicado na edição do Expresso de 21 de agosto de 2010.

Nota. Os tradutores deram à edição portuguesa do livro ll Fares the Land o título de Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

À janela de Isabel Rawsthorn

View Through a Window II, 1967.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Excerto

[...] Vivemos tempos inquietantes. O modelo da sociedade de consumo esgotou-se. Tanto que a minha geração a criticou, sem porventura ter podia antever o cortejo de implicações sociais que dela adviriam! E, provavelmente, sem ter sabido resistir aos cantos de sereia das suas benesses ilimitadas. Fizemos uma sociedade de consumidores com uma elite centrada em si própria e nos seus benefícios, uma sociedade que com escreveu Touraine, definiu como principal objectivo diminuir o tempo de trabalho na sua vida.
De alguma forma estamos hoje perante um desafio novo: repor a criação no lugar central da vida social. Não a inovação tecnológica, mas a inovação social e politica. Em vez de uma sociedade de consumidores uma sociedade de criadores.
[...] Oh, dir-me-ão, as coisas não são assim tão fáceis. A sociedade de consumo não criou apenas uma sociedade de consumidores, mas uma sociedade de consumidores atomizada, fragmentada, céptica em relação, ou mesmo de costas voltadas, ao espaço público. E é este afinal que temos de redescobrir e revigorar.
[...] Estamos demasiado habituados a que nos digam o que é bom para nós e o que devemos fazer para que tudo corra bem. Esta sociedade perdeu o sentido do risco e da iniciativa.
É aqui que estamos. Pedindo de novo aos intelectuais orientação e responsabilidade. Não nos omitindo. Percebendo que a República precisa mais de nós que nós dela.
29 de Novembro de 2010

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Apesar da chuva

Lá está, deste esta madrugada, o pinheiro 2010. A força requerida para encher a cidade do toque nicolino, em noite de chuva intensa e ininterrupta, rompeu a pele esticada de muitas caixas e bombos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"...não virá o Presidente da República"

Em 1974, a Fábrica de Porcelana Vista Alegre perfazia 150 anos. Tocado pelo significado da data e da sua projecção comemorativa, o Director fabril, Engº Alberto Faria Frasco decidiu escrever um diário. Não podia adivinhar que acontecimentos históricos para o País se viriam a repercutir na vida da empresa e no próprio curso das celebrações.
Por iniciativa das filhas do Autor, esse diário foi agora editado, vindo a lume no dia em que no Museu Albert Sampaio foi inaugurada uma exposição de porcelanas da colecção do próprio Faria Frasco.

2 de Maio [1974]
Retomou o serviço o Encarregado da Lambugem doméstica. Esteve dois dias ausente e os resultados pioraram consideravelmente. Vamos ver se ele consegue repor a qualidade ao nível do que desejamos. Para já há que actuar no fabrico de travessas cuja qualidade tem deixado muito a desejar.
Também retomou o serviço a telefonista Preciosa, há meses internada num hospital de Lisboa. Ainda não está boa e receio bem que venha a recuperar. Dada a sua dificuldade de locomoção, autorizei que entre e saia pela portão principal para evitar o longo trajecto pelo interior da Fábrica.
Saiu hoje do forno a primeira amostra da “renovada” placa comemorativa dos 150 anos da Fábrica. Perfeita. Não saiu assinada pois sendo a composição de Leonel Cardoso e a execução de Carlos Calixto, pensei que o melhor era não aparecer nenhuma assinatura ou então aparecerem as duas. A placa seguiu para Lisboa para decisão da Administração quanto ao problema da assinatura.
Aprovei hoje a decoração para a louça que vai servir no almoço dos 150 anos. É simples, bonita e cheia de significado.
A talha 150 especialmente concebida para os sócios está em execução na olaria. Espero ter amostra na próxima semana.
Fiquei francamente surpreendido com o telefonema hoje recebido do Eng. José Pinto Basto, transmitindo-me a ideia da Administração quanto a alteração do programa comemorativo dos 150 anos, porque não virá o presidente da República! É espantoso como se pode pensar em alterar um programa de uma festa da gente da Fábrica por causa de uma pessoa! É evidente que discordei totalmente e penso que o bom senso prevalecerá e nada será alterado. Pelo menos assim o creio...
Seguiu hoje para Lisboa o relatório a apresentar à Cidla, reclamando quanto aos maus resultados devido à deficiente qualidade do gás e quanto ao preço, pois é inadmissível que o butano custe o mesmo que o propano quando, do ponto de vista calórico, é menos valioso.
Continuamos a ter dificuldades com a exportação. Além do atraso de um embarque é provável que outros se sigam pois, segundo me informou Lisboa, na Alfândega as caixas são revistadas para evitarem possíveis fugas de valores para o estrangeiro. A situação é tão grave que temos um embalador na Alfândega para desembalar e voltar a embalar todas as caixas que pretendem abrir. Compreendo a decisão, mas quem sofre somos nós que não enviamos outros valores que não sejam as nossas próprias peças...
Recebi pessoal. Destaco uma enorme quantidade de vidradores e enfornadores que vieram falar comigo por causa de um prémio que, segundo me disseram, tem baixado quando deveria subir. Prometi averiguar e logo que o assunto esteja estudado chamá-los-ei novamente para, democraticamente, discutirmos o assunto. Tudo se passou, como habitualmente, dentro do maior respeito e da melhor compreensão.

Alberto Faria Frasco, Vista Alegre. Diário 1974. Famalicão, Ed. Autor, 2010. p. 63-64.

domingo, 28 de novembro de 2010

Colecção do Engª Faria Frasco

Apresentação e inauguração ontem, no Museu Alberto Sampaio, da exposição de porcelanas da Vista Alegre da excelente colecção do antigo Director da Fábrica, Engº Faria Frasco.



sábado, 27 de novembro de 2010

À janela de Sir Alfred Munnings (1878-1959)

Alfred Munnings, From my bedroom window, 1930

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Rústica, vigorosa, tenaz mas sóbria.

Entre as plantas trepadeiras é a videira uma das mais rústicas e vigorosas, cujos ramos, abandonados à sua índole vagabunda e expansiva, se estendem pela terra a grande distancia, ou trepam pelos rochedos, e sobem as mais altas árvores, elevando-se até lhes dominarem a copa, e debruçando-se nelas, as envolveram por todos os lados. Assim como é prodigioso o desenvolvimento dos seus ramos, também as suas raízes penetram até grandes profundidades, insinuando-se através do subsolo pelas fendas das rochas subjacentes. A sua vitalidade é por tal forma tenaz, que basta plantar uma pequena parte de um dos seus ramos, ainda muitos dias depois de cortada, contanto que nela exista um gomo, para que lance raízes e reproduza a planta donde proveio. Ao mesmo tempo é excessivamente sóbria; pois que pode viver e frutificar nos terrenos mais pobres, em que definham e morrem por falta de alimento a maior parte das plantas, que cultivamos para os nossos usos.
Quanto mais livremente cresce, mais tempo vive, mais abundantemente frutifica, do que temos numerosos exemplos nas videiras que se educam para vestir as ramadas ou trepar às árvores. Porém, se é muito produtiva a videira, quando, crescendo livremente, tomam os seus ramos grande desenvolvimento, em compensação os frutos, que nestas condições produz, não gozam daquelas qualidades que tornam apreciáveis para a fabricação do vinho as uvas criadas em vinha baixa. É por esta razão principalmente que a arte do viticultor intervém para restringir e dominar pela poda o crescimento natural da videira, melhorando a qualidade dos seus produtos.

Visconde de Vila Maior, Manual de Viticultura Prática. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1875. p. 40-41.
Vinhedo em Sendim, Miranda do Douro

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Recalculando

Pedindo de empréstimo o gerúndio mais usado pela voz do gps:

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Presidenciais, presidenciáveis

Como acontece sempre que entro nesse domínio do insondável, onde se justapõem desejos e previsões, equivoquei-me. Sempre antecipei que o Professor Cavaco Silva não se candidataria a 2º mandato, pelo excelente mas inconfessável motivo de que não dispensava o espectáculo de ver o Professor Marcelo Rebelo de Sousa em campanha por Belém.
Vejo agora que este meu antigo colega de 1º ano de Direito admite candidatar-se à Presidência da República daqui a 5 anos. Se estiverem reunidas as condições, claro. Entretanto, ainda na mesma semana, confessou que achava a vida de Presidente uma seca. Esta condicionante parece ser difícil alterar em 5 anos. A ver vamos... Ainda falta tanto tempo!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A japoneira do "meu" jardim

Pormenor (primeiras flores)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Memórias: Castelo Branco, 1970/71 (6)

Antes de sair de Castelo Branco, resolvi despedir-me do Reitor. Mau grado a frieza quase hostil com que me recebera e o incidente gerado com a tentativa de forçar todo o corpo docente a comparecer perante o Presidente da República, as nossas relações tinham-se amenizado no final do ano. Foi uma despedida cordial, em que trocámos até algumas graças. Quando me preparava para sair do seu gabinete, interpelou-me: - tem perspectivas de colocação em Lisboa? -  Não estou certo, respondi. - Terá sempre aqui um lugar, se as coisas por qualquer motivo não lhe correrem bem, disse então. Fiquei surpreendido e agradado.
Mas eu queria muito voltar a Lisboa. A distancia a que ficava de Castelo Branco era terrível. Saindo desta cidade no Sábado por volta das 12h30 (tinha aulas ao Sábado de manhã), chegava a Santa Apolónia ao fim da tarde. Regressava no dia seguinte, Domingo, saindo de Santa Apolónia por volta das 21 e chegando a Castelo Branco já de madrugada. Duas viagens longas e incómodas, e de duração sempre imprevisível, que deixavam entre si pouco mais de 24 horas. Tempo insuficiente para manter relacionamentos intelectuais e afectivos, viver a cidade de que gostava, ir às livrarias e aos cafés, ao teatro, ao cinema, a exposições, deambular pelas ruas. Tinha ainda que concluir o 4º ano do Curso, sem o que não me poderia inscrever no seminário que dava acesso à elaboração da tese e conclusão da licenciatura, daí resultando mais constrangimento aos meus tempos livres.
Com a criação dos bacharelatos decidida em 1968 pelo Ministro José Hermano Saraiva, todos os que, como, eu tinham concluído o 2º ano do Curso, ficaram na insólita situação de terem já efectuado cadeiras que passaram a pertencer aos planos de estudos do 4º ano. Assim sendo, eu pudera inscrever-me em 1970/1971 em salvo erro apenas duas cadeiras, Numismática e Paleografia e Diplomática, as quais frequentei no regime de voluntário, uma vez que não podia assistir às aulas. Devo dizer que a inscrição era fundamental também por um motivo crucial: obter o adiamento militar concedido a quem provasse encontrar-se a frequentar um curso superior nos cinco anos posteriores ao ano que perfizera 20 anos.
Os meses em que permaneci em Castelo Branco foram, nestas condições, devastadores para o meu círculo de amigos e de solidariedades pessoais e intelectuais. A distância interrompeu abruptamente relações que não mais foram reatadas, cortou laços e desvaneceu memórias intensas e fortes de camaradagem e partilha.
Em Lisboa, o mês de Agosto de 1971, pareceu-me mais deserto do que nunca. Ocupado em equipar a casa que com L. tinha alugado, não fui sequer às Caldas passar mais do que um fugaz fim de semana. Sem saber se e quando teria colocação, a gestão do pequeno pecúlio amealhado em Castelo Branco impunha uma severa restrição de gastos quotidianos. Voltei às traduções, com a ajuda do António Reis que procurei no Barreiro. Mas, curiosamente, a hipótese do jornalismo que tanto me atraíra um ano antes, nem sequer se colocou. A experiência de Castelo Branco fez-me reconhecer que ensinar era verdadeiramente o que eu queria fazer. Esperaria por isso que as colocações me ditassem onde o poderia fazer. Em Setembro, recebi a resposta: teria um horário na Escola Preparatória Manuel da Maia, em Campo de Ourique. Apresentei-me e comecei de imediato a preparar e dar aulas. E uma semana depois, tal como em Dezembro do ano anterior, chegou-me outro horário. Desta vez, no Liceu do Padre António Vieira, em Alvalade.

domingo, 21 de novembro de 2010

De Lisboa a Guimarães em 1825

Roteiro de Lisboa à villa de Guimarães
[Op. cit. p. 141-143]