segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cidadão Mário Gonçalves

Conheci o Dr. Mário Gonçalves em 1978. O médico da minha mãe, nas Caldas da Rainha, tinha concluído que ela devia ser operada à tiróide. Resolvi pedir uma segunda opinião e levei-a ao Dr. Gardette Correia. Este corroborou a decisão do primeiro médico. Perguntei-lhe se tomava ele a seu cargo a operação e ele retorquiu: "Não é preciso. Há um excelente cirurgião nas Caldas: o Dr.Mário Gualdino Gonçalves".
A minha mãe conhecia o Dr. Mário dos bancos da ecola. Ficou confiante, apesar da delicadeza da cirurgia. Quando tudo terminou, pediu-me que encontrasse uma lembrança para testemunhar ao antigo companheiro escolar a sua gratidão. Informei-me sobre os gostos do médico e adquiri um exemplar encadernado de Poeta Militante de José Gomes Ferreira.
Meia dúzia de anos mais tarde, cruzar-me ia com o Dr. Mário Gonçalves em diversas jornadas do V Centenário da Fundação do Hospital e das Caldas e nas eleições autárquicas de Dezembro de 1985. Integrei, como independente, a lista do PS para a Assembleia Municipal das Caldas da Rainha, que ele próprio encabeçava. Foram eleitos três vogais por esta lista, sendo eu exactamente o terceiro. Durante quatro anos, sob a sua liderança informada e sólida, exercitei a dura tarefa de ser oposição combativa num órgão hegemonizado por uma larga maioria de um só partido. A minha admiração e a minha amizade pelo Dr. Mário Gonçalves consolidaram-se nesta particular circunstância.
Na primeira metade da década de 90 ajudou-me a construir a associação Património Histórico-Grupo de Estudos. O Conselho de Administração do Centro Hospitalar, a que presidia desde 1974, cedeu sede e apoios logísticos, patrocinou edições e ajudou a encontrar mecenatos. Também me acompanhou em diversas diligências para a instalação da Escola Superior de Artes e Design (entre 1989 e 1990) e foi com ele que se estabeleceu o acordo que permitiu que a ESAD ocupe hoje instalações que estavam afectas ao Centro Hospitalar e onde se localizava o Hospital de Santo Isidoro. Por meu turno, fui seu vice-presidente na Direcção da Casa da Cultura, colaborei activamente na coordenação científica do projecto que levaria à criação do Museu do Hospital e das Caldas inaugurado em 1999 e integrei uma pequena equipa que constituiu para formular um projecto de reconversão dos Pavilhões do Parque e anexos numa unidade hoteleira e clínica termal a concessionar a privados. Em 1995 pedi-lhe que aceitasse presidir à Comisssão de Honra municipal da candidatura presidencial de Jorge Sampaio, de que eu era mandatário. Foi um enorme prazer organizar com ele nas Caldas da Rainha essa memorável campanha (Novembro de 1995 a Janeiro de 1996).
As ocasiões em que a mútua solidariedade foi testada e reforçada, a partir de então, não cessaram. Recordo-me particularmente de dois momentos delicados: o encerramento do Hospital Termal em razão da detecção de uma contaminação bacteriológica e a reorganização dos serviços de saúde implicando uma nova inserção territorial do Centro Hospitalar caldense.
Em 18 de Junho de 1999, por ocasião da sua aposentação, um grupo de cidadãos, de que fiz parte, organizou uma festa para testemunhar a gratidão "por uma vida à vida inteiramente dedicada". O escultor José Aurélio elaborou uma peça alusiva. A associação Património Histórico editou um livro com depoimentos, curriculum e fotografias do homenageado.
De 1999 a esta parte, prossegue sem desfalecimentos, a acção cívica: no Conselho da Cidade, nas associações de Amigos dos Museus, sugerindo, discutindo, organizando, liderando. É um privilégio para uma cidade contar assim com o empenho e a visão esclarecida de um homem experiente e sábio e a disponibilidade para participar na vida associativa de um militante de nobres causas.
Oportunissima a homenagem que hoje o Rotary Club das Caldas da Rainha prestou a Mário Gualdino Gonçalves. Motivo de regozijo para os seus amigos e admiradores.





Capa do Livro de Homenagem editado em 1999. Org. de Fátima V. Lino, F. Paulo Monteiro, J. B. Serra, J. A. Santos Silva, J. L. Almeida e Silva, Leonor Salvo, Orlando Santos, Óscar Ferreira, P. Pessoa de Carvalho, com apoio de Eduarda Maria Fernandes.
[Exemplares disponíveis; pedidos a caldas.ph@gmail.com]

6 comentários:

Anónimo disse...

Cada vez são mais raros, nessa profissão, os humanistas. A Medicina foi tomada de assalto pelos interesses e está cada vez mais prisioneira dos negócios. Compreende-se que quem tem o privilégio de ter amigos como o médico que indica, os guarde como coisa preciosa.
MT

Anónimo disse...

Vão longe os tempos de Timor 1968! Tenente Miliciano Médico - seguramente com sacrifício da sua carreira - o Dr. Mário Gonçalves era a imagem do homem sereno, sempre disponível, de trato finíssimo.
Lembro a forma como tentou salvar o Zé Manel Portugal, nosso colega Alferes, vítima de acidente com a sua motorizada, na marginal de Dili.
Lembro o desgosto na sua face (todos o vimos) por não ter podido salvar o Zé Portugal.
Eu próprio, uma vez atacado de febre forte (paludismo ?), fui por ele assistido, com desvelo, com prontidão, com humanidade.
Era já noite, depois do jantar; e o Dr. Mário Gonçalves lá veio, no seu Mini, até à Messe assistir o puto Alferes febril !
Vão-se os anos, mas fica-me a imagem dum Médico como nunca conheci outro. A sua presença curava !
Vemo-nos pouco, mas saiba, Dr. Mário Gonçalves que a minha gratidão permanece!
Que Deus o proteja !

Anónimo disse...

Caro João Serra:
Recebi com muita satisfação ambos os comentários ao texto que o meu amigo dedicou ao cidadão Mário Gonçalves, no dia 27 de Outubro de 2008. Foi este texto, para mim tão emocionante, conhecido através do seu blog, que permitiu a obtenção dos dois comentários que também me dão um compreensível conforto. O referente ao tempo de Timor, sendo mais directamente endereçado ao tenente miliciano médico Mário Gonçalves, tem um significado muito especial. Não consigo lembrar-me do Alferes Fernando Noronha Leal, mas recordo isso sim, o desgosto vivido pela perda do Zé Manel Portugal. Foi então uma longa luta que, infelizmente, resultou inglória.
Muito obrigado por ter partilhado comigo estas mensagens, confirmando, mais uma vez, a solidez da nossa amizade.
Continuo a ser um visitante assíduo do seu precioso blog que tão bem ilustra a profundidade e diversidade da sua Cultura. Bem Haja !
Abraço amigo
Mário Gonçalves

João B. Serra disse...

Estimado Fernando Noronha Leal,
Se me quiser facultar o seu mail, com todo o gosto lhe indicarei o do Dr. Mário Gualdino Gonçalves.
João Serra
serra.jb@gmail.com

Anónimo disse...

Caro Dr. João Serra:
Nunca fomos apresentados, mas conheço-o bem, como figura pública que é e como Caldense ilustre. Também porque compramos o nosso peixe na mesma Maria Antónia, na praça das Caldas (!) e porque temos como amiga comum a Elisabete Caramelo (minha colega nas aulas de Italiano)...
Deixada a graça, temos também em comum o previlégio de conhecer esse Homem Bom que é o Dr. Mário Gualdino Gonçalves.
Disse ele não se recordar de mim (pudera, já lá vão 42 anos !) mas se me vir a cara, vai recordar-se.
Aqui deixo o meu e-mail para a hipótese de o Dr. Mário Gonçalves querer contactar-me.
Muito obrigado

João B. Serra disse...

Por motivos que julgo não serem da minha responsabilidade, o seu mail não ficou registado. O Dr. Mário Gonçalves queria efectivamente entrar em contacto consigo. Talvez seja mais fácil enviar-me o seu endereço de mail para serra.jb@gmail.com