quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Canto o canto do tempo.

"Mas quando o tempo se desliga do tempo e se transforma em boca, grandes molares negros e garganta sem fundo, queda animal num estômago animal sempre vazio, engano com canções selvagens a sua fome. Face ao céu equipado para o nada, canto o canto do tempo. No dia seguinte, nada me fica destes gargarejos. E digo-me. A hora não é de canções, mas de balbuceios. Deixa-me contar as minhas palavras uma a uma. "
Octávio Paz, traduzido por Mário Cesariny.

1 comentário:

Anónimo disse...

A hora é de contar e porque não cantar as palvras de Manuel Alegre, uma a uma!


Corpo renascido canção.

Toco-te e respiras

sangue do meu sangue.


Cantando é como se dissesse: estou aqui.

Cantando eu nego o que me nega

acto de amor

coração perpendicular ao tempo.

Cantando é como se dissesse: estou aqui

na multidão que está dentro de mim.


Recuso a morte cantando

recuso a solidão.


Canção casa do mundo

viagem do homem para o homem

meu pedaço de pão rosa de maio

criança a rir na madrugada.


Cavalos correm nos teus campos

crinas ao vento

são os cavalos indomáveis que te levam

aos quatro cantos do mundo.


Lá onde um homem tiver sede

levarás teus cântaros

lá onde um homem tiver fome

levarás teu pão.


Lá onde a liberdade foi assassinada

os teus cavalos livres levarás

e a espada refulgente

levarás ao teu sol canção.




Folha a folha desfolhada

folha a folha renascida

assim tu és canção:

viagem do homem para o homem.