sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O factor humano

Da cerimónia de ontem, na Câmara Municipal de Lisboa, emotiva como poucas, pela significado do acto e sobretudo pela qualidade humana das pessoas nele implicadas, aqui fica um breve testemunho.
A atribuição da medalha de Honra da Cidade a Jorge Sampaio foi decidida em 2007, por proposta do então Presidente, Prof. Eng.º Carmona Rodrigues. Não tendo sido possível efectuar a entrega do galardão no mandato deste Presidente da Câmara, veio a transitar para o mandato seguinte, do Presidente António Costa.
Como ele próprio recordou, há no percurso político e profissional de António Costa nexos importantes com Jorge Sampaio. Foi no escritório deste que fez o seu estágio de advocacia. Fez parte da direcção política do Partido Socialista, em 1989, quando o seu patrono dele foi Secretário-Geral. Recordo-me que António Costa foi o director de campanha de Sampaio nas primeiras eleições presidenciais a que concorreu, em 1995.
Na entrega da medalha quis participar José Saramago, que fez a campanha autárquica lisboeta de 1989, lado a lado com Jorge Sampaio, como candidato à presidência da Assembleia Municipal. Eram os rostos da coligação de esquerda, pela primeira vez formada na democracia portuguesa, e que conquistaria a maioria da Câmara Lisboa. Saramago viria a dar o lugar a José Amaral, outra figura cimeira da política portuguesa das últimas décadas.
Na sua intervenção de ontem, o escritor, conhecido pelas suas frequentes intervenções críticas, por vezes até ácidas, quis homenagear a personalidade humanista de Sampaio, a quem classificou como um homem bom (e não um "bom homem"), uma  qualidade singular, sobretudo em pessoas que ascendem a altos cargos na política. "Há quem aponte o carisma como facto distintivo dos políticos, disse Saramago. Eu não gosto do carisma. Eu prefiro o factor humano. É o factor humano que fez e faz de Jorge Sampaio, da Câmara de Lisboa à Presidência da República e ao actual Alto Comissariado para a Aliança das Civilizações, um político raro".
Registe-se que foi durante o mandato presidencial de Jorge Sampaio que a Academia Sueca atribuiu a José Saramago o Prémio Nobel da Literatura, em cerimónia a que o Presidente assistiu. Em que, em consequência deste facto, Sampaio impôs ao seu antigo companheiro de funções autárquicas, a mais alta condecoração portuguesa, normalmente reservada a Chefes de Estado.
Vi na Salão Nobre dos Paços do Concelho não só antigos colaboradores e companheiros de Jorge Sampaio, como muitos antigos quadros da Câmara Municipal de Lisboa, a quem aliás o homenageado dedicou também a medalha que recebeu. Como se pode ver na pequena exposição organizada na Câmara que lembra a viragem dos anos da primeira metade da década de 90, esse foi um tempo de lançamento de novos projectos em áreas cruciais para a modernização da cidade: desde o planeamento à regeneração urbana, desde a habitação à recuperação da relação com o rio e o porto, desde a animação cultural à participação cívica. Os serviços municipais foram então chamados a novos desafios e a novas responsabilidades. Havia em muitos dos seus actores ontem presentes um orgulho justificado na obra realizada.

1 comentário:

João Ramos Franco disse...

Quando Saramago o "classificou como um homem bom" disse tudo...
Na sua intervenção de ontem, o escritor, conhecido pelas suas frequentes intervenções críticas, por vezes até ácidas, quis homenagear a personalidade humanista de Sampaio, a quem classificou como um homem bom (e não um "bom homem"), uma qualidade singular, sobretudo em pessoas que ascendem a altos cargos na política. "Há quem aponte o carisma como facto distintivo dos políticos, disse Saramago. Eu não gosto do carisma. Eu prefiro o factor humano. É o factor humano que fez e faz de Jorge Sampaio, da Câmara de Lisboa à Presidência da República e ao actual Alto Comissariado para a Aliança das Civilizações, um político raro".
João Ramos Franco