domingo, 8 de fevereiro de 2009

Donos domésticos

Parece o cacimbo africano, mas não é. É um capacete de humidade que abafa e que o paisano não estranha, tanta é a chuvinha que nos vai gelando os ossos. Mas acresce-lhe uma espécie de fuligem, daquela que nos devorava a garganta, quando, no Verão, a Malveira ardia. Não tenho explicação, mas incomoda. Só que, como tantos outros percalços da existência, não tem remédio ao nosso alcance. 
Sondei a 
Sara, o canídeo iluminado que devotou prazenteiramente a oportunidade, que a vida é, a desfrutar a sucessão dos seus momentos. Há entre nós uma afinidade filosófica. Mas foi em vão. Ansiosa e obsessiva, ela grudou-se ao fluir do tempo, à espera da eventual entrada de uma prima de sangue na Casa Branca. (Digo "prima" porque um senhor vizinho que, prudentemente, transferiu para a criação canina os rigores do sangue azul, asseverou que a Sara é a versão andaluza da eleita. Por mim, está bem. Porque, com Cervantes e Unamuno e outras prendas, a tanto monta o meu iberismo). Levantou os olhos por entre a franja preta e despejou em mim o antiquíssimo enfado dos animais domésticos perante donos que, para eles, o são também. Decidi, por isso, resignar-me. Porque é esse o exercício de que mais sólida tarimba guarda esta velha linhagem de rei, capitão, soldado, ladrão, menina bonita e os demais, em que me incluo. E deixei-a nos seus milenares langores mediterrânicos.


Nuno Brederode Santos na crónica semanal de hoje, no DN.

2 comentários:

João Ramos Franco disse...

Por mim, faço como o autor da Crónica..."voltei atrás e contei à Sara. Sem mexer a cabeça, ela levantou os olhos, no mesmo jeito displicente com que me ouvira há bocado. Mas, agora, fez-se Lassie, Milou ou Rim-Tim-Tim, e deu à cauda."
João Ramos Franco

Anónimo disse...

Quem me dera saber escrever assim!
MT