quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A contestação vista como doença mental

Alguns dias após a abdicação do rei Luis-Filipe e a proclamação da IIª República Francesa, os membros da Sociedade médico-psicológica organizam, a 6 de Março de 1848, um debate sobre "a influência das comoções políticas e sociais no desenvolvimento das doenças mentais". A política é a "causa mais activa de alienação mental" ou tornamo-nos loucos "porque não somos suficientemente fortes para suportar a influência da excitação política"?
Alguns meses mais tarde, o especialista francês em doenças mentais, Alexandre Brierre de Boismont faz um balanço clínico dos acontecimentos de 1848: "Quase todos os indivíduos que pertencem ao Partido Conservador apresentam monomanias tristes, enquanto os que abraçaram as ideias novas sofrem de manias ou de monomanias alegres".

Véronique Fau-Vincenti, "Portrait de l'insurgé en malade mental", Manière de Voir - Le Monde Diplomatique, nº 18. Ler Révolutions dans l'Histoire. Août-Septembre 2011. p. 38.

4 comentários:

Isabel X disse...

É próprio da época este tipo de análise de carácter clínico para compreender os fenómenos sociais. Miguel Bombarda também apontava traços fisionómicos patológicos para caracterizar os jesuítas, por exemplo.
Na antiga URSS e noutros países da sua esfera de influência consideravam alienados mentais, e tratavam-nos como tal, muitos dos opositores ao regime vigente.

Mas, mesmo partindo do princípio de que há verosimilhança na tese de Boismont, mais vale padecer de "manias ou de monomanias alegres" do que de "monomanias tristes"...

- Isabel X -

Xico disse...

Há muito que é sabido que estamos todos loucos. A governação do mundo então, faz-me lembrar um célebre conto (não me lembro do autor), em que o manicómio passava a ser gerido pelos loucos e os médicos passaram a pacientes, tendo com isto conseguido ludibriar bem os inspectores do manicómio.
Isabel X, não me leve a mal, mas como citou o caso de Miguel Bombarda, e sendo crente, gostaria de dizer que já me vi defrontado com olhares como se de aberração fosse, ou de deficiente mental, por parte de algumas novas elites intelectuais ateias, cheias de um jacobinismo serôdio.

Vasco Tomás disse...

A loucura é um fenómeno universal das culturas, segregando cada uma o modelo do desvio relativamente à norma do grupo. As práticas terapêuticas são igualmente diversas, como diverso o resultado das mesmas.
A nossa cultura, a partir do século XVIII, pela acção conjugada da clínica (Pinel, Tuker, Esquirol, entre outros) e da legislação, focou a loucura como risco contra a ordem social, criando o sistema asilar, que representou, por outro lado, uma humanização em relação ao modo de tratamento do doente.
O tributo que a nossa sociedade pagou relativamente às doenças mentais, comparando-a com outras antigas ou mais primitivas, foi bastante pesado.
Julgo que o naturalismo e o racionalismo modernos não foram capazes de salvaguardar adequadamente os direitos inerentes às dimensões do excesso, do homo-demens(imaginação criadora, delírio, arrebatamento amoroso, possessão mística, havendo que procurar as raízes desta limitação.
É bom recordar hoje o que Platão dizia sobre a loucura(as suas quatro manias, in Fedro): um viático para a sabedoria.
Rainha no passado, a mania tornou-se opróbrio nos tempos modernos, ainda os nossos.


Considerando constante , no sentido em que cada culturas'il est vrai que la folie, sous des formes diverses, variant d'une culture à l'autre, est un phénomène constant, ne peut-on pas considérer que certaines sociétés paient un tribut plus lourd à ce qu'il est convenu d'appeler la "pathologie mentale

Isabel X disse...

Lendo Agamben - O Poder Soberano e a Vida Nua - ao serão, veio-me à ideia a esclarecedora explicação que o Vasco aqui apresenta em forma de comentário sobre as doenças mentais.
Pus a hipótese desta histórica inversão de posições quanto à loucura poder inscrever-se no advento daquilo a que Foucault chamou "biopolítica".
Ou seja, desde que a política passou a ocupar-se da "vida nua", como lhe chama Agamben, dimensão
que Aristóteles excluía da política.
Hannah Arendt também trata desta temática na Condição Humana, ao considerar o primado da vida natural sobre a acção política nas sociedades modernas e quanto o espaço público se ressentiu disso.

Quanto ao Xico, a quem saúdo pelo regreeso a este blogue, o julgamento que as pessoas fazem das suas crenças, embora não correspondendo a uma tomada de posição sancionada pelo direito, pela medicina ou pela política, não deixa com certeza de se inscrever nesta tendência geral da sociedade moderna.
Abraço,

- Isabel X -