domingo, 30 de outubro de 2011

À janela de Miguel Torga

Amparado nos braços velhos e amorosos da mãe, o rapaz chegara-se à janela e olhava as leiras em pouso, as casas fechadas e o largo deserto. O tamanho da desgraça entrava pelos olhos dentro.
- A Lucinda morreu, pois morreu, minha mãe?
O sino repicava sempre, alegre, festivo, prometedor.
- Há mais raparigas no mundo... Não te aflijas...  
As terras, lá fora, pediam fé e coragem. Pelo menos a fé e a coragem que a mãe tinha, sem homem, sem filhas, sem netos, cheia de lágrimas, de dívidas, e cansada até à última fibra do coração.

Miguel Torga, Novos Contos da Montanha.1944.

1 comentário:

Isabel X disse...

O poeta intitulou-o "chuva" e é bem um poema à janela:

"Chove uma grossa chuva inesperada,
Que a tarde não pediu mas agradece,
Chove na rua, já de si molhada
Duma vida que é chuva e não parece.

Chove, grossa e constante,
Uma paz que há-de ser
Uma gota invisível e distante
Na janela, a escorrer..."

Miguel Torga, Poesia Completa, 2000Lx, Dom Quixote (p. 165)

Primeiro encontrado no blogue "omeu instante" e, a seguir, lido por mim no livro Poesia Completa, de Torga.

- Isabel X -