quinta-feira, 16 de julho de 2009

Memórias hereditárias a recordar

O chá é uma obra de arte e precisa de uma mão mestra que faça sobressair as suas mais nobres qualidades. Temos chá bom e mau, como temos boas e más pinturas - geralmente más. Não há uma só receita para fazer o chá perfeito, tal como não há regras  para produzir um Ticiano ou um Sesson. Cada preparo das folhas tem a sua individualidade, a sua finidade especial com a água e o calor, as suas memórias hereditárias a recordar, o seu próprio método de contar uma história. O verdadeiramente belo está ali necessariamente. Quanto não sofremos com o falhanço constante da sociedade em reconhecer esta lei simples e fundamental da arte e da vida; Lichihlai, um poeta Sung, comentou tristemente que havia três coisas muitíssimo deploráveis no mundo: o estrago de jovens excelentes através de uma falsa educação, a degradação de pinturas excelentes através de uma admiração vulgar, e a completa perda de chá excelente através de uma manipulação incompetente.
Como a arte, o chá tem os seus períodos e escolas. A sua evolução pode dividir-se toscamente em três estádios principais: o chá fervido, o chá batido e o chá macerado. Nós modernos, pertencemos à última escola.
[...] Nos dias de hoje, o chá chinês é uma beberagem deliciosa, mas não um ideal. As arrastadas lamentações do seu país roubaram ao chá o deleite no significado da vida. Tornou-se moderno, o quer dizer velho e desencantado. Perdeu aquela fé sublime das ilusões, que constitui a juventude eterna e o vigor dos poetas e dos antigos. Brinca com a Natureza, mas não condescende em conquistá-la ou venerá-la. O seu chá em folha é amiúde maravilhoso com aquele seu aroma floral, mas o romance dos cerimoniais Tang e Sung não se encontra na sua chávena.

Kakuzo Okakura, O Livro do Chá. Lisboa, Cotovia, 2007. p. 21, 29.
[1ª edição: 1989]

3 comentários:

Anónimo disse...

Meu Caro Professor João Serra:

Dois Post's sobre Chá....
Numa altura destas???
Tem que se lhe diga!!!!...
Ainda por cima, aproveitando dois autores, dois tipos de Chá....hummmmm!?

Deixemo-nos de "Jogos Palacianos", de "Punhos de Renda", e conte-nos.
Mas, conte-nos tudo...
Acho que aguentamos.... e, dê-nos essas suas informações/
deduções/
puzzles/
estudos/
análises...e,
Fale-nos da "Falta de Chá" (entre outras coisas), que vai grassando nesta República quase centenária....

E se o Verão não fôr tão Quente como gostaríamos, que as Marés Vivas de Setembro, ajudem, com os Ventos que sopram, a limpar...."O Ar que respiramos" destas peregrinas coligações de inspiração "Sidonista/Cavaquista"...

Um Abraço

PSimões

Isabel X disse...

Joãoa: este seu amigo, PSimões (muito gostava eu de o conhecer!),é que o "topa", como costuma dizer-se. Tanto mais que já não havendo, ou rareando, os rituais de chá verdadeiramente aromático, tomar chá em Julho, só mesmo por necessidade. Parece-me uma prática bastante insípida.
Havia uma série da britcom em que duas mulheres que se recusavam a envelhecer, ambas muito "sixties", prometeram solenemente uma à outra, que nem que alguma delas o pedisse, nunca se serviriam mutuamente uma chávena de chá, por muito velhinhas que já fossem...
- Isabel X -

João B. Serra disse...

A todos os meus simpáticos e especulativos comentadores, há uma palavra que eu gostaria de aconselhar. É uma palavra e uma regra:guyokuró.