sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Mário Soares na Foz do Arelho (1)

A convite de Vitor Ramalho, o novo e entusiástico presidente da fundação Inatel, estive na Foz do Arelho para jantar com o Clube Lusitânia e ouvir Mário Soares falar sobre as vicissitudes ao longo do século XX da "Lei da Separação entre o Estado e as Igrejas", de 1911. Referir-me-ei a algumas "revelações" do orador convidado, noutro dia. Agora, queria recordar as circunstâncias em que Mário Soares, então Presidente da República veio à Foz e ao Inatel homenagear Francisco Grandela, em 1994.
A ideia de lembrar a vida e obra de Francisco Grandela partiu do Museu República e Resistência (Câmara de Lisboa) e da associação Património Histórico das Caldas da Rainha. Coordenei uma equipa de investigação para produzir uma exposição (nas Caldas) e uma exposição com um catálogo (em Lisboa). Pedi colaboração ao meu amigo Vasco Trancoso que sabia deter uma pequena colecção de materiais relativos a Grandela. O Vasco propôs-se fazer um livro com as informações que coligira sobre as extensas relações tecidas entre Grandela e a Foz, desde os anos iniciais do século XX até à sua morte, em 1934. Obtive o patrocínio da Junta de Freguesia da Foz do Arelho e preparei a edição.
Manuel Alegre, presença estival na Foz do Arelho, foi quem recomendou se convidasse o Presidente Mário Soares para o lançamento do livro. Soubera da saída iminente do livro pelo próprio Vasco Trancoso e recordou o nexo entre Mário Soares e a Foz (praia onde passou férias entre 1949 e 1964) e a família Grandela. De modo que num dia de Setembro recebi um telefonema do José Manuel dos Santos, assessor para os assuntos culturais do Presidente (e futuro meu colega em Belém, de 1996 a 2006), confirmando a disponibilidade do Presidente e acertando pormenores sobre a sessão.
A Junta de Freguesia da Foz decidiu homenagear o Presidente, inaugurando uma rua com o nome do Pai, João Soares, fundador do Colégio Moderno que teve uma colónia de férias na Foz nos anos 50 e 60. Recordo o curioso episódio da atrapalhação do Presidente da Junta durante a leitura do discurso, em parte devido ao nervosismo da circunstância e em parte devido ao vento que soprava moderado naquela tarde sem núvens. O Presidente da República perante o arrastar do impasse, agarrou nas folhas do discurso, ordenou-as ele próprio, detectou o ponto em que se encontrava o José Páscoa e devolveu-lhe as folhas restantes com um sorriso condescendente.
Na sessão no Inatel - uma sala a abarrotar - os pontos altos foram a leitura do testamento de Francisco de Almeida Grandela, no qual algumas disposições são relativas à Foz do Arelho e o visionamento de um pequeno filme de 1927 onde se pôde ver uma regata de bateiras e um extraordinário baile dentro de água nas margens de uma lagoa banhada pelo pôr-do-sol.
Estávamos a 27 de Setembro. Desde o princípio do mês que as manifestações dos camionistas contra as portagens na Ponte 25 de Abril estavam na ordem do dia. A 23, o Presidente reconheceu publicamente o que designou por direito à indignação. Uma chusma de jornalistas acorreu à Foz do Arelho em busca de novas declarações. O lançamento do livro do Vasco passou para 2º plano. O fim da década do "cavaquismo" tinha começado.

27 de Setembro de 1994: Inatel da Foz do Arelho
Da esquerda para a direita: José Luis Lalanda Ribeiro (sentado), José Páscoa, João Serra, Vasco Trancoso, Presidente da República, Daisy Grandela, Rosa Maria.

27 de Setembro de 1994: Inatel da Foz do Arelho
Isabel Xavier (Património Histórico) lê testamento de Francisco Grandela

3 comentários:

Anónimo disse...

Meu Deus, como nós já estamos diferentes! Não posso dizer que foram bons tempos, porque a mim os tempos melhores parecem-me sempre os que estão para vir! Grandela vai ressurgir, com outras "roupagens", talvez sem a presença do Dr. Mário Soares e o seu inigualável "fairplay", que o episódio com o Presidente da Junta da Foz do Arelho tão bem documenta e o João Serra aqui tão bem descreve, mas esperemos que com a dignidade que merece. Além de "andar", o autor deste blog foi sempre fazendo coisas, úteis e interessantes, e ensinando os outros a fazê-las, é o que conta... Principalmente para nós que, em algumas delas, o fomos acompanhando! Grata lhe estou!
-Isabel X -

João Ramos Franco disse...

Os média têm um efeito mais que provado. Uma chusma de jornalistas acorreu à Foz do Arelho em busca de novas declarações. O lançamento do livro do Vasco passou para 2º plano. O fim da década do "cavaquismo" tinha começado.

A Isabel Xavier (Património Histórico) lê testamento de Francisco Grandela (se não é pedir muito gostaria de saber qual o seu legado à Foz do Arelho – puro interesse documental para o meu arquivo).
O que escreves, obriga-me a recuar no tempo, e recordar a Escola da Foz do Arelho, (num edifício mandado fazer por Francisco Grandela), o professor era Moreira (1952). Ao mencionares as corridas de bateiras, vem-me ao pensamento o Beterraba (vermelho como um pimentão), a sua Bateira era a preferida, a malta dizia-se ser a mais rápida porque (trabalhava a bagaço e vinho).
João Ramos Franco

Margarida Araújo disse...

Relembro muitas vezes esse episódio, do vento a desorientar o discurso do Presidente da Junta e a enorme calma e espírito de ajuda do Dr. Mário Soares.
Parilho as palavras da Isabel.
Também te estou muito grata!