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sábado, 24 de janeiro de 2009

Mário Soares na Foz do Arelho (3)

Lembro-me bem dessa placa, que alguém fez desaparecer creio que logo a seguir à Guerra Civil de Espanha, aí à volta de 1939 - disse Mário Soares na sua palestra no Inatel, Foz do Arelho, da passada Quinta-Feira.
Referia-se a uma placa cravada no torreão do palacete de Francisco Grandela na Foz do Arelho, onde se assinalava o facto de ali se ter acolhido Afonso Costa para ultimar a redacção da Lei da Separação do Estado das Igrejas (20 de Abril de 1911).
De facto, o palacete foi adquirido em Março de 1940, sendo posteriormente transformado em colónia de férias (Colónia de Férias Marechal Carmona). As obras então efectuadas alteraram a traça original do edifício. Tem pois razão Mário Soares: a placa foi retirada, e não sabemos se destruida, presumivelmente nos anos 1940.
Francisco Maria Sebastião de Lima, escrivão-tabelião do tribunal das Caldas, na altura com cerca de 53 ou 54 anos, terá sido um dos técnicos consultados por Afonso Costa durante a sua estadia na Foz do Arelho. Apesar de ter sido dirigente do Partido Regenerador durante a Monarquia, aderiu à República e era amigo de Francisco Grandela. No princípio de Abril de 1912, Grandela reconverteu a capela do seu palacete em salão para actos de registo civil e conferências educativas. À cerimónia de inauguração da Casa do Povo, assim baptisada de novo a antiga Capela de Santa Matilde, assistiram entre outros, Afonso Costa e Sebastião de Lima.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Mário Soares na Foz do Arelho (1)

A convite de Vitor Ramalho, o novo e entusiástico presidente da fundação Inatel, estive na Foz do Arelho para jantar com o Clube Lusitânia e ouvir Mário Soares falar sobre as vicissitudes ao longo do século XX da "Lei da Separação entre o Estado e as Igrejas", de 1911. Referir-me-ei a algumas "revelações" do orador convidado, noutro dia. Agora, queria recordar as circunstâncias em que Mário Soares, então Presidente da República veio à Foz e ao Inatel homenagear Francisco Grandela, em 1994.
A ideia de lembrar a vida e obra de Francisco Grandela partiu do Museu República e Resistência (Câmara de Lisboa) e da associação Património Histórico das Caldas da Rainha. Coordenei uma equipa de investigação para produzir uma exposição (nas Caldas) e uma exposição com um catálogo (em Lisboa). Pedi colaboração ao meu amigo Vasco Trancoso que sabia deter uma pequena colecção de materiais relativos a Grandela. O Vasco propôs-se fazer um livro com as informações que coligira sobre as extensas relações tecidas entre Grandela e a Foz, desde os anos iniciais do século XX até à sua morte, em 1934. Obtive o patrocínio da Junta de Freguesia da Foz do Arelho e preparei a edição.
Manuel Alegre, presença estival na Foz do Arelho, foi quem recomendou se convidasse o Presidente Mário Soares para o lançamento do livro. Soubera da saída iminente do livro pelo próprio Vasco Trancoso e recordou o nexo entre Mário Soares e a Foz (praia onde passou férias entre 1949 e 1964) e a família Grandela. De modo que num dia de Setembro recebi um telefonema do José Manuel dos Santos, assessor para os assuntos culturais do Presidente (e futuro meu colega em Belém, de 1996 a 2006), confirmando a disponibilidade do Presidente e acertando pormenores sobre a sessão.
A Junta de Freguesia da Foz decidiu homenagear o Presidente, inaugurando uma rua com o nome do Pai, João Soares, fundador do Colégio Moderno que teve uma colónia de férias na Foz nos anos 50 e 60. Recordo o curioso episódio da atrapalhação do Presidente da Junta durante a leitura do discurso, em parte devido ao nervosismo da circunstância e em parte devido ao vento que soprava moderado naquela tarde sem núvens. O Presidente da República perante o arrastar do impasse, agarrou nas folhas do discurso, ordenou-as ele próprio, detectou o ponto em que se encontrava o José Páscoa e devolveu-lhe as folhas restantes com um sorriso condescendente.
Na sessão no Inatel - uma sala a abarrotar - os pontos altos foram a leitura do testamento de Francisco de Almeida Grandela, no qual algumas disposições são relativas à Foz do Arelho e o visionamento de um pequeno filme de 1927 onde se pôde ver uma regata de bateiras e um extraordinário baile dentro de água nas margens de uma lagoa banhada pelo pôr-do-sol.
Estávamos a 27 de Setembro. Desde o princípio do mês que as manifestações dos camionistas contra as portagens na Ponte 25 de Abril estavam na ordem do dia. A 23, o Presidente reconheceu publicamente o que designou por direito à indignação. Uma chusma de jornalistas acorreu à Foz do Arelho em busca de novas declarações. O lançamento do livro do Vasco passou para 2º plano. O fim da década do "cavaquismo" tinha começado.

27 de Setembro de 1994: Inatel da Foz do Arelho
Da esquerda para a direita: José Luis Lalanda Ribeiro (sentado), José Páscoa, João Serra, Vasco Trancoso, Presidente da República, Daisy Grandela, Rosa Maria.

27 de Setembro de 1994: Inatel da Foz do Arelho
Isabel Xavier (Património Histórico) lê testamento de Francisco Grandela

domingo, 23 de novembro de 2008

Grandela, Relvas, Bordalo

Breve registo de um dia - o de ontem - particularmente preenchido.
De manhã, última sessão do Colóquio Lisboa e a República, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, cujo comissário científico foi António Reis. Tema da sessão: "Lisboa há 100 anos". Ana Paula Pires traçou uma panorâmica da sociedade lisboeta dos finais do século XIX e das mudanças verificadas na transição do século. Daniel Alves caracterizou a Lisboa do pequeno comércio, identificando os ramos de negócio e a sua distribuição pela cidade. Eu revisitei o percurso de Grandella e procurei fixar um retrato do comerciante, do activista cívico e do político. Paulo Ferreira de Castro apontou os aspectos dominantes do gosto musical dos lisboetas nas vésperas da República e surpreendeu a assistência cantando os versos de A Portuguesa com a música de A Marselhesa e os versos de A Marselhesa com a música de A Portuguesa. Rosalia Vargas, vereadora da Cultura, encerrou o colóquio com a apresentação dos trabalhos realizados  pelos meninos de uma escola primária das Gaivotas depois de terem visitado a exposição urna pela lista republicana de Lisboa!" Foi assim há 100 anos (na Galeria de Exposições dos Paços do Concelho).
Segui para a Assembleia da República, depois de desafiar o Prof. Paulo Ferreira de Castro a visitar a exposição do dirigente republicano que mais cultivou a música. Cheguei em cima da hora (consegui evitar as sequelas do ensaio do terramoto) ao local de encontro com os "convocados" pelo João Miguel Azevedo Santos para uma visita guiada a José Relvas, o conspirador contemplativo.
A exposição está a chegar ao fim. Dia 29, o próximo sábado, é o ultimo dia em que pode ser visitada. Esta era pois a minha última visita. Gostaria de ter sabido transmitir às duas dezenas de visitantes que me escutaram durante duas horas o entusiasmo e o prazer com que eu e a pequena equipa de investigação (Laurinda Santos Paz, Jorge Estrela, Nicolau Borges) preparámos este trabalho, entusiasmo e prazer que se transmitiu à equipa de restauro (em especial à Maria José) e ao atelier de Design (Nuno Gusmão). Este comissariado desempenhei-o em condições muito particulares de calendário, representando um esforço concentrado para o efectivar em tempo útil e dignas condições técnicas e científicas.
Nas escadarias da Assembleia, uma mulher ainda jovem, uruguaia, perguntou a um dos do grupo se a aceitariam na visita. Evidentemente que sim, respondi. Por diversas vezes, ao longo do périplo, encontrei o seu olhar vivo e atento, procurando acompanhar as minhas palavras e seguir as minhas sugestões. A esta ouvinte inesperada e desconhecida dediquei a visita que mais lamento não ter conseguido fazer. Uma parte da minha história - que nos ultimos dois anos passou pelo estudo da figura de José Relvas, pela Casa dos Patudos e por Alpiarça - ficou ali.
O Eng.º João Miguel Azevedo Santos é um colega mais novo dos bancos do Colégio onde fizemos o liceu. Redige uma newsletter com informação sobre eventos culturais (pode ser lida aqui às sextas à noite ou sábados de manhã ou solicitada por mail). Pôs a circular a visita de ontem e recebeu as inscrições. Entre elas, a de outros quatro ex-alunos do colégio. E entre estes últimos, a de Manuela Gama Vieira, assídua comentadora deste blog, que veio da Sertã com a sua exuberante simpatia e um saco de preciosos livros patrocinados pela Câmara Municipal onde trabalha (uma nota de sua autoria sobre a visita à exposição pode ser lida no blog dos antigos alunos).
Em Óbidos, onde cheguei com meia hora de atraso, era inaugurada uma exposição intitulada Bordalo Contemporâneo e contemporâneos com Bordalo, comissariada por Ana Calçada e Elsa Rebelo. Grandes peças de Rafel Bordalo Pinheiro foram produzidas expressamente para esta exposição e são mostradas na galeria Nova Ogiva com uma montagem despojada, que recorre aos próprios suportes utilizados na fábrica, mas muito eficaz. No catálogo, há textos de Ana Calçada, Elsa Rebelo, Isabel Xavier, Isabel Castanheira, Rodrigo de Freitas, e "Joaquim B. Serra". Convidado a falar, remeti os ouvintes para o meu texto no catálogo e tentei homenagear a persistência dos homens.
Chegámos aqui porque houve indústria, que sobreviveu, com empresários que fizeram invstimentos em instalações e trabalho, e porque houve muito trabalho especializado, tecnicamente habilitado. Chegámos aqui porque diversas gerações se esforçaram por começar de novo. A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha sossobrou após a morte de Rafael Bordalo Pinheiro, mas o filho Manuel Gustavo recuperou modelos e criou uma nova empresa, já lá vão cem anos. Por sua vez, esta também estava em dificuldades nos anos 1920, quando um grupo de investidores caldense se apresentou para a adquirir. Todos estes homens juntaram à suas capacidades de financiamento uma visão, um misto de sonho e de prospectiva. Se não tivesse havido empresários e trabalhadores, o que teria chegado até nós era apenas o que os museus tivessem conseguido preservar. Bordalo Pinheiro não era um grande gestor, segundo se diz, mas um artista. E sem artistas a cerâmica não teria incorporado a inovação que lhe trouxe prestígio, reconhecimento e longevidade. Também aqui houve visão, neste caso uma visão alimentada pela imaginação e pelo talento.
 Ao longo deste dia irrepetível, emocionante, viajei entre Grandella, Relvas e Bordalo, homens de poderosa visão que ajudaram a fazer o Portugal do século XX.

sábado, 22 de novembro de 2008

Um visionário empreendedor


Chegou a Lisboa, adolescente, quando a cidade ainda não experimentara os sobressaltos da modernização. Nascido em 1853, vinha, aos 11 anos, substituir um irmão, marçano, que adoecera. Iniciou então um percurso no mundo do comércio que o levaria de empregado a patrão, de pequeno lojista a proprietário de uma das maiores unidades de venda a retalho da sua época. Este percruso acompanha o surto demográfico e urbanístico da Lisboa da viragem do século XIX para o século XX e é balizado topograficamente pela Rua dos Fanqueiros, onde se inicia o aprendizado do jovem Francisco de Almeida Grandella, pela rua da Prata, onde chegaria a 1º caixeiro e realizaria a suprema ambição de um empregado de comérico - estabelecer-se por conta própria - e pela rua do Ouro, por onde principia a edificação da catedral do comércio que serão os Armazéns Grandella que, como é sabido, crescerão até à Rua do Carmo. Paralelamente, desenrola-se um percuso político, desde o sindicalismo nos anos 1870, até ao laicismo livre-pensador e ao republicanismo revolucionário que passa pela Câmara de Lisboa eleita em Novembro de 1908 e desemboca no 5 de Outubro de 1910.