sábado, 19 de fevereiro de 2011

Platónico

Manuel Cruz, professor de Filosofia em Barcelona, ganhou um prémio de ensaio com uma obra sobre os filósofos e o amor (Amo, Logo Existo). Extracto de uma entrevista recente.

P. - Woody Allen considera que o único amor verdadeiro é o platónico, o não correspondido, porque esse nunca nos deixa. Concorda?
R. - Sim, de certa forma, na medida em que o amor que não espera resposta não tem prazo de validade. Nesse caso, porém, como não existe o outro, não se cumpre uma das funções essenciais do amor que é o reconhecimento. O outro, o amado, é quem nos devolve a imagem que temos de nós próprios - mas melhorada e transformada. Ninguém nos elogia mais do que quem nos ama, e só quem nos ama descobre as nossas contradições, medos, o nosso verdadeiro ser.

6 comentários:

Cláudia Tomazi - Brasil disse...

Aliás sobre Woody Allem e sua idéia de amor...
1º Não teve capacidade de amar a mãe de seus filhos.
2º Pela separação, envolvimento amoroso de Allen com uma de suas filhas adotivas.

E com relação ao texto de Manoel Cruz, saber se:
Esta visão masculina responde pela gestão feminina ao amor.
E se então, que o amor é historicamente padronizado para o universo de anseios apenas pelas visões masculinas mundo a fora?
Fato da capacidade dos homens, amarem ao seu desejo.

E, no outro lado da moeda!
Penso que as mulheres não amam apenas uma idéia de amor –
Elas amam por vínculos de origem ao existir pela concepção, o que bastaria como característica real e não imaginária, portanto em se tratando da verdade e da finalidade do amor enquanto vida ao amo e existo, estendendo-se até ao por que existo.

Aliás, ótimo tema até para uma tese, de que as mulheres ainda nem se deram conta de que este lapso é uma pedra no sapato...

Isabel X disse...

Peço desculpas antecipadas à Cláudia, mas acho incrível como o que diz Woody Allen sobre o amor é tão facilmente desvalorizado pelo recurso ao simples preconceito!...

Por outro lado, na obra de Platão, "O Banquete", quem é chamado a falar sobre o amor é Diotima, uma mulher, algo bem raro nos escritos dos filósofos gregos.

Amor idealizado, ou amar a ideia de amor, resulta da imaginação, não é uma questão de género.

É (talvez) um amor incondicional, independente do seu objecto (o outro), cujo valor a imaginação do próprio sempre exacerba.

Sim, é bem possível que esse seja o único amor verdadeiro, por nunca se realizar. E, por isso mesmo, incompleto.

- Isabel X -

Cláudia disse...

Em absoluto Isabel X, você tem o resultado de uma cultura e assimila as circunstâncias de admiração por Allem. E se diz, tratar-se de preconceito, eu a respeito, por certamente estar compreendendo algo que entenda como tal.

Quanto ao amor ou a intensidade da estima o que certamente difere do desejo sexual, mantenho a questão do gênero. Porque ao que é humano, têm hábitos de misturar estes dois sentimentos por uma questão de desinformação, sendo que pensamentos, também são informações, quando o amor também é natureza e esta, não é somente humana.

Vamos ao exemplo, por gentileza Isabel X, você tem um filho, você aplica o mesmo amor deste filho ao um homem? Será que são sentimentos que compartilham a mesma intensidade do desejo (atração) e doação?
Será que as mulheres têem capacidade de diferenciar um amor maternal da força do instinto sob armadilha do desejo?
Aliás, em qual das potências a mulher teve mais ênfase na evolução, pela idéia do amor ou pelo sexo que ela entende como amor.

Se tiver oportunidade de visitar a Amazônia verá que os nativos ou, cativos da mata, nem fazem idéia do que seja o amor, quando aos nossos olhos veremos somente o amor.
Seria o amor uma idéia ou, uma prática?
Ainda sim penso, que todo estado de amor existe por si só, é anterior a cosnciência do homem por isso não caibe em idéias, o resto é literatura.

Chantre disse...

A Natureza de Eros, depreende-se do que contara Diotima, é o perene estar a caminho, o "desejo inalcançavel do superior".
Eros foi concebido no dia do nascimento de Afrodite (de quem passa a ser escudeiro) quando a sua mãe - Pénia (penúria)- aproveita a presença de Poros (abundância/riqueza) no jardim de Zeus (local de esplendor) embriagado de ambrosia (uma divindade no superlativo, portanto), para minimizar a sua indigência.
Eros, o amor, o desejo, tem, pois, pelo lado da mãe, porte andrajoso mas, por via paterna, é legítimo herdeiro de todas as virtudes, a menor das quais não é ser belo. E se não possui a beleza, não a desconhece, esforçando-se incessantemente por alcançá-la. Eros não é humano (mortal) nem divino (imortal); é um "demónio": ama o que não possui, devendo possuí-lo, deixando de ser o que é se alguma vez o possuísse.
Tal é, também, o carácter erótico da alma humana: uma entidade insatisfeita, um "daimon", uma realidade hibrida, um dinamismo entre a animalidade/materialidade (incontornável) e a perfeição/imortalidade (na cidade, inalcançavel).

Isabel X disse...

Muito interessante a exposição de Chantre. Agradeço!

Cada vez mais me convenço de que as palavras são condição da existência. Só existem os conceitos se houver palavras para os nomear. É muito natural que haja modos diferentes - feminino e masculino - de amar, mas não me parece que seja da maneira como o problema aqui foi colocado.

Quanto a ser literatura, é isso mesmo! O Amor é um género literário, como diz (julgo) Ortega y Gasset. A história trazida por Chantre o confirma.

Nos nossos tempos há que contar também com o cinema que alia a imagem à palavra, à narrativa. Contribuindo decisivamente para as representações colectivas que temos do amor.

É como se houvesse autores da nossa humanidade. A verdade não é para se descobrir, mas para construir.

- Isabel X -

Cláudia disse...

Eis a tônica da questão.

“Considera como único amor verdadeiro o platônico”?
Resposta – SIM

Ao considerar esta como afirmação da verdade nada antecede ou precede.

Então, as ações de amor ou práticas de amor caem por terra...
Então o sangue de Cristo foi derramado em vão...
E nem sobraria espaço para o amor materno, que por analogia não seria verdadeiro, e, portanto não considerado como tal.

Não concordo.
Simplesmente pelo próprio amor ser a verdade e enquanto esta uma ação pelo ato de existir e da existência humana e tudo a volta, não podendo limitar-se ao platônico.

É tão difícil assim enxergar, sentir, vivenciar o amor em forma de gente, ou na flor, ou na água, e este milagre da vida o que é então? É uma mentira?
Não concordo.