quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Mãe/filha

Dialogo entre Diane, a mãe, e Lane, a filha, no filme Setembro de Woody Allen (1987):

- [Mãe] Tornaste-te tão sensível ultimamente. Não sou culpada de a tua vida não ser como querias. Tens de pegar o touro pelos cornos e fazer as coisas acontecerem.
- [Filha] Nem todos somos dínamos humanos.
- [Marido] A tua mãe tem muita energia.
[Mãe] Tinhas um futuro tão promissor. Eras tão inteligente. Bonita como eu, mas com melhores ossos. Mais baixa do que eu. Tinhas a inteligência do teu pai. Tens de fazer alguma coisa. És jovem, bonita. Vestes-te como uma refugiada polaca.
[Filha] Não me tenho sentido muito atraente.
- O Peter acha-te muito bonita e tem toda a razão.
- Acha?
- Está sempre a elogiar-te.
- Deve estar a ser educado.
- Gostas mesmo dele?
- Não sei.
- Tens que ser descontraída. Não podes nunca mostrar o teu desespero.
- Acho que não mostrei.
- Sempre achei que foste demasiado voraz com o teu último namorado.
- Não é verdade.
- Não me parece que o Jeff voltasse tão depressa para a mulher, se não se sentisse pressionado. Eu senti.
- Chama-se Jack. Não estavas por perto, por isso não sabes.
- Não sejas tão defensiva. Baseio-me no tempo em que os vi juntos. Estou a dizer-te o mesmo que muitos psiquiatras caríssimos diriam. No que toca a homens, fazes tudo para impedir a felicidade.
- Se calhar faço.
- Vou deitar isto fora [um vestido]. Parece que vou a uma festa havaiana. Meu Deus, olha para mim. Tenho que refazer a maquilhagem. Envelhecer é diabólico. Especialmente quando te sentes com 21 anos. Todas as forças que nos suportaram ao longo da vida desaparecem uma a uma. Examinas o rosto ao espelho e percebes que falta alguma coisa. Então percebes que é o futuro. É por isso que quero que te encontres a ti própria. Enquanto ainda tens tempo para aproveitar a vida.

2 comentários:

Isabel X disse...

Cada ser humano é o sujeito de um processo de adaptação narcísica construído na infância, ao qual se vão juntando factos novos e novas descrições, de acordo com as contingências da sua vida pessoal, como explicou Freud.
Assim sendo, podem ser muito constrangedores estes momentos de reencontro entre mãe e filha, como tão bem nos mostra Woody Allen, num filme que mais parece ter sido feito por Bergman. (Lembremo-nos de "Sonata de Outono"!)
São reencontros com o passado, com o passado que vive em nós, de que nos fomos construindo em sucessivas adaptações. Olhares ao espelho, reflexos do que somos e que vemos na "nossa" filha, na "nossa" mãe.
Pode-se ser muito cruel nessas circunstâncias. A mãe a quem "falta futuro" (que a filha apesar de tudo possui) que não encontra o reflexo de si mesma na filha e a julga e não se coíbe de lho dizer cruel e ferozmente. A filha que se sente e se sabe avaliada negativamente pela mãe, que não tem auto-estima e se compraz em mostrá-lo à mãe e ao mundo, como que a exibir perante os seus olhos a sua culpa.
Nada disto deveria acontecer, havendo amor. Mas a vida é intensamente dramática (talvez) por isso mesmo, pela inseparabilidade dos contrários: bem e mal; amor e ressentimento; bons e maus sentimentos coexistindo no mais fundo de cada ser humano.

Mas nada disto é real senão pelas palavras e podemos estar todos errados no que afirmamos, mesmo Woody Allen ao querer fazer um filme de Bergman.

- Isabel X -

Cláudia disse...

Por que do futuro? Alguém tema, que envelhecer seria diabólico.


Abre-se uma à uma, e ali, estará a força!
Então, somos como vinho, quando o aroma revela longa data.
Apenas, estando em reserva os melhores.