domingo, 11 de outubro de 2009

Cavacas, estações de serviço, identidade

O empregado entregava-me a chávena de café, quando o cliente seguinte, vindo da zona das publicações, perguntou: -Não tem cavacas das Caldas? - Um momento, vou ver – retorquiu o funcionário que daí a pouco surgiu por detrás do balcão com um braçado de embrulhos de papel celofane contendo cavacas.
Estávamos na estação de serviço de Óbidos da A8 e eu tentei evocar as remissões regionais das estações de serviço ao longo da A8 e da A1, as auto-estradas que fazem parte da minha vida há décadas. Desde a de Pombal, do lado Norte-Sul, com os seus azulejos historiados da autoria de Ferreira da Silva, alusivos à história do concelho de Pombal, até à de Leiria, com as imagens dos pastorinhos de Fátima. No interior, são raras as presenças de artesanato e produtos alimentares de cariz local: mais flagrante na Mealhada, com o leitão, ou mais arbitrária em Loures, com uns bolos secos. De um modo geral, as estações de serviço não se apresentam como pontas avançadas do turismo e dai a minha estranheza perante um cliente que na estação de Óbidos inquiria por cavacas das Caldas.
As estações de serviço são um claro exemplo dos não lugares de que fala Marc Augé
(Non-Lieux. Introduction à une Antropologie de la Surmodernité. Paris, Seuil, 1992). Um lugar define-se por ser “identitário, relacional e histórico”. Um não-lugar, pelo contrário, é um lugar sem ocupação permanente, um quarto de hotel onde pernoitamos a caminho de outro sítio, uma enfermaria de hospital onde nascemos, um “lar” onde morremos. Locais transitórios, onde estabelecemos em toda a sua precariedade, a imensa solidão das nossas cidades. A malha da comunicação e da distribuição é cada vez mais densa e cerrada. Dentro dela, das redes de autoestradas, do telemóvel e da internet, das redes de supermercados e de centros comerciais habita o mais incomensurável individualismo que é o que se alimenta do provisório, do efémero, do anónimo.
Cavacas é um produto que se compra na estação de serviço de Óbidos da A8 ou um bolo confeccionado por doceiras caldenses e adquirido na praça ou nas pastelarias da cidade, em dia de visita aos lugares das Caldas?

2 comentários:

Isabel X disse...

No início do texto está a resposta à pergunta que o conclui: pode escolher-se comprar cavacas nas Caldas ou na estação de serviço de Óbidos, na A8; optar-se por um lugar ou um não lugar (curioso conceito).
Pessoalmente, não aprecio, não me sinto confortável em estações de serviço. Só lá páro se tiver que ser e o mínimo de tempo possível.
Pelo contrário, fascinam-me os portos, as marinas, os veleiros de mastros nús, com as velas enroladas, as traineiras paradas, balançando, os lugares deixados pelos barcos que partiram...
São sítios de partida e de chegada, que prometem viagens, que lembram possibilidades, que despertam a imaginação, e nada têm com as estações de serviço.
Nem sei porque me lembrei disto agora. Só se for pela questão da viagem. Nem isso: as estações de serviço remetem mais para a noção de trajecto do que de viagem.
- Isabel X -

Anónimo disse...

As Pessoas, independentemente dos lugares ou dos não-lugares, e também por isso, têm MEMÓRIAS, (visuais, olfactivas, gustativas, acústicas e tacéis) e daí ....as Cavacas das Caldas, numa estação de serviço....

Um Abraço Professor João Serra

PSimões