sábado, 10 de janeiro de 2009

Sã Miguel (III): Natália

Auto-Retrato

Espáduas brancas palpitantes
asas no exílio de um corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o combóio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

"Poemas", 1955. In Natália Correia, Poesia Completa. O Sol nas Noites e o Luar nos Dias. Com um Prefácio da Autora. 3ª edição. Lisboa, D. Quixote, 2007. p. 72.

Bual: Retrato Imaginário de Natália Correia (1983).
Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (foto JBS)

Natalia Correia nasceu em São Miguel, em 1923. Morreu em Lisboa aos 70 anos.


5 comentários:

João Ramos Franco disse...

Conheci Natália Correia, (pessoalmente) por intermédio do Luiz Pacheco, poderia contar-vos histórias passadas comigo (não documentadas), mas as palavras que escolhi para vos vou citar são de um retrato biográfico de 1971 (5 páginas dactilografadas) que o Luiz escreveu sobre Natália Correia e ao qual deu o titulo de MENINA E MADONA E MAFIOSA. O Luiz Pacheco editou na Contraponto (sua editora) três obras de Natália Correia: Comunicação, textos do Cântico do País Emerso e Homúnculo, (pela documentação que tenho presente, estas edições foram entre 1947/50).
João Ramos Franco

Do retrato biográfico de 1971, vou deixar-vos aqui o ultimo parágrafo:
- Atarantação, é o pecado de julgar as pessoas pelas aparências. Ora isso mesmo que tentei, em curtas linhas, demonstrar-lhes: não julgues a Natália pelas aparências. Ela é outra coisa, outra loiça, De quando a conheci, claro. Ou quando recuso a reconhecê-la, na imagem clara e diáfana que conservo.
De MENINA E MADONA E MAFIOSA (5ª pagina, ultimo paragrafo) Luiz Pacheco

Anónimo disse...

Viva João Serra.

Com escolhas óptimas e a um ritmo assim, este blogue é um lugar que ajuda a respirar.

Obrigado.

Abraço.

Paulo Prudêncio.

Anónimo disse...

A força inquietante e reveladora do feminino que há nas metáforas de Natália Correia, muito bem acompanhadas pela pintura de Bual!

Quanto ao João Ramos Franco, desta vez é a si que pergunto: para quando as suas memórias?
-Isabel X-

Anónimo disse...

Tenho de lhe agradecer a "descoberta" deste excelente Bual e a respectiva divulgação. Clicando na imagem, verifico que ela tem uma boa dimensão para poder ser melhor apreciada. Com esta imagem e as que trouxe sobre o projecto de nova frente maritima e portuária desenhada por Manuel Salgado está plenamente justificada a sua expedição a Ponta Delgada. Ainda por cima com uma bem documentada incursão pelos amores semi-clandestinos de Vitorino/Margarida... Bingo! Quanto tempo fica por aí em Ponta Delgada. Ou quando volta? Não precisa de companhia para carregar a máquina e os sacos de livros?
MT

João Ramos Franco disse...

Cara Isabel X. As minhas memórias estão sempre presentes em cada comentário que escrevo, se reparar algo delas aparece nas palavras que escrevo. Quanto a editar as “ minhas Memórias” , passará em principio por um Blog, em que as irei depositando e lendo os Vossos comentários. Vivi bastante, conheci mundo e pessoas, o conteúdo das experiências vividas questiona-nos muitas vezes, se vamos escreve-las, se não…
João Ramos Franco