sábado, 25 de junho de 2011

Acácio de Sousa: um homem de qualidades

Em primeiro lugar, há que agradecer ao Acácio de Sousa a circunstância de nos ter juntado aqui. Olhando em volta, percebo que não há certamente muitos motivos para reunir este conjunto diversificado de pessoas. De facto o que aqui nos traz é uma solidariedade comum, uma cumplicidade - a admiração, o respeito, a amizade – por uma pessoa concreta, tornada deste forma um de nós, o Acácio de Sousa. Chegámos aqui por caminhos distintos. Sei de alguns, posso imaginar outros. Companheirismos vários: de interesses, de convivência, de percurso intelectual ou cívico. Coincidências que nos revelaram perante esse ponto comum, esse ponto comum que foi uma força centrípeta num qualquer momento das nossas vidas. É uma “misteriosa aliança” diria Goethe, para concluir que estamos perante o resultado de um jogo de “afinidades electivas”. Mais do que uma escolha, produto de uma equação racional, o jogo das afinidades é, no entendimento de Goethe, conduzido por uma espécie de acaso, ou como diriam os românticos, um destino. De facto podemos-nos interrogar, agora, se fomos nós que escolhemos o Acácio de Sousa como traço de união das nossas vidas ou foi o Acácio quem nos escolheu como elementos agregadores da sua. A pergunta só faz sentido porque não se confinam às grandes categorias que definem as qualidades humanas os nós resistentes mas pouco espessos da rede que nos liga e nos liga ao Acácio. De que se fazem esses nós? De tudo o que ele nos tem dispensado e que não é facilmente nomeável. De um acto de apoio ou de estímulo, de um gesto cortês, de um sinal de presença comedida, de uma atenção espontânea, de um sorriso franco por vezes travesso, de uma saudável e permanente curiosidade, da manifestação do prazer limpo da partilha, em especial da partilha da informação e da descoberta, do puro gosto da convivência e da conversa sem limites, da subtil transformação das instituições em territórios de reflexão e de debate. Evidentemente que há mais nós, ou melhor, outras redes, além desta, que o Acácio integra, isto é, que o Dr. Acácio de Sousa integra, e onde avultam as suas competências e atributos intelectuais, a sua acção directora nas organizações por onde tem passado, o seu mérito académico e profissional, o seu contributo para o enriquecimento do espaço público.
Mas o que nesta pequena festa eu devo sublinhar é a dimensão frágil, quase invisível, improvável desta rede de “afinidades electivas”. Fragilidade que, no entanto, se sustenta na generosidade, invisibilidade que se sustenta na fiabilidade, improbabilidade que se sustenta em memórias que não queremos desbaratar. De tudo isto o Acácio faz parte, a tudo isto o Acácio tem destinado a sua vida, ou partes dela. O que procuramos nós na amizade? Ou na generosidade, fiabilidade e memórias inteiras de que se faz a amizade? Forças, razões, armas contra a exiguidade das criações individuais e contra o desamparo que espreita sobre o ombro das nossas vidas. É bom ser amigo de alguém, é bom contar com a amizade de alguém. É bom ser amigo do Acácio e é bom contar com a amizade do Acácio. A amizade é um porto de abrigo. A amizade é o sucedâneo da terra natal. A amizade é aquele jardim onde, nas palavras de Eugénio de Andrade, nos podemos sentar num banco, abrir um livro de Virgínia Wolf e começarmos a ler ,sem darmos conta do tempo: “A vida em si, cada momento da vida, cada gota sua, aqui, neste instante, agora, ao sol, era suficiente. Demasiado até”. Isto é o que tenho para dizer neste momento sobre o Acácio. Espero não vos ter desiludido com a ausência de referencias ao seu curriculum, aos aspectos notáveis da sua actividade. De facto, provavelmente, o mais importante virá a seguir e nenhum de nós desistiu de ser surpreendido pelo Acácio de Sousa. Não estamos aqui pois para sublinhar aspectos de uma carreira a que, em circunstâncias administrativas e legais precisas se pôs termo. Foi outro o lado de uma trajectória humana que nos convocou. Aquelas circunstâncias e o que determinaram para o Dr. Acácio de Sousa não passaram de mero pretexto. Imagino que a decisão do Acácio corresponda a uma manifestação do desejo de partida. Desde a adolescência – talvez até desde a infância - que os homens são regularmente atraídos pelo que está para lá da sua linha de horizonte. O mar, as terras que estão para lá do mar, a apelo de outras dias e outras noites do mundo. Ao desejo de partida do Acácio, uma expressão do ciclo da vida, eu quis aqui contrapor o princípio da amizade de que ele é, para todos nós, constituinte e constituído, e que, em certo sentido, significa o princípio da continuidade, do tempo imóvel, o espaço dos que ficam, cúmplices daqueles viajantes que partem, sabendo onde podem sempre regressar.

6 comentários:

Isabel X disse...

É muito interessante este pensar/falar a propósito de uma situação, de um encontro, de um momento que na sua fugacidade e improbabilidade mais desperta cogitações inesperadas.

São os pequenos/grandes acontecimentos/momentos de deitar contas à vida, de nos vermos nela.
A fragilidade é da vida, do mundo e da nossa condição neles.

Estive presente neste momento criado pelos amigos do Acácio de Sousa, a propósito de um novo ciclo da sua vida. Gostei.

Gostei muito particularmente deste texto que incide como um raio de sol no devir do Acácio e de quem esteve presente neste encontro de amigos.

Muito mais poderia ser dito a propósito destas palavras, mas digo apenas: é bom ter amigos assim.

Estamos todos de parabéns: o João que as escreveu, nós que as ouvimos, o Acácio que esteve na sua origem e a quem se dirigiam em primeiro lugar.

- Isabel X -

Vasco Tomás disse...

É da natureza do bem difundir-se

Conheci o Acácio há uns bons lustros, na altura em que passou, meteoricamente, pela escola, onde ambos leccionávamos. Perdi-lhe o rasto até ao ano passado, quando veio fazer uma palestra sobre a imprensa regional no distrito de Leiria durante a 1ª República.
Sem ter tido um convívio muito intenso com ele, guardo na memória traços do seu carácter: amabilidade, disponibilidade, franqueza, jovialidade, atenção às opiniões do outro, argúcia argumentativa, cultura... Obrigado, Acácio, por tudo isto.
Regozijo-me, por outro lado, pelo excelente texto do doutor João Serra, não só pela beleza e agilidade da sua escrita como por ter sabido salvaguardar, na circunstância em causa, aquilo que de melhor existe entre as pessoas: o vínculo da amizade que as une, o que permanece para além da contingência variável das circunstâncias.
Além disso, fala-se aqui de uma experiência pessoal, com toda a carga de comoção e de verdade, e o facto de uma experiência interpessoal tão rica como a amizade, que se delimita no espaço de duas pessoas, ser partilhada pelos outros, resulta da decisão absolutamente livre do Doutor João Serra que a isso tem todo o direito. Mas também é plausível pensar que este gesto é exigido pela própria amizade, que não é captativa mas expansiva, quer comunicar-se em si e na sua verbalização, ao contrário do que certas cartilhas do secretismo, que querem esconder o que enriquece todos.
A amizade é uma experiência de abertura ao outro que elide o encapsulamento na subjectividade autárcica do eu. Como diz Nietzsche:
“”Eu e Mim estão empenhados num diálogo demasiado veemente. Como seria ele suportável, se não houvesse o Amigo? Para o solitário, o amigo é sempre um terceiro; o terceiro é o flutuador a impedir o diálogo dos dois de se afundar.” (“Do amigo”, Assim falava Zaratustra, Nietzsche)
Mas a amizade, experiência intersubjectiva, traz dentro de si um dinamismo que a lança para outras direcções, mais universais. Neste sentido, podemos pensá-la na sua afinidade com a justiça, como uma sua alegoria.
É neste sentido que Aristóteles diz:
“... A amizade e a justiça referem-se aos mesmos objectos e têm os mesmos caracteres comuns. (...) A medida da associação é a da amizade e também do direito e do justo. Como diz com exactidão o provérbio : “entre os amigos tudo é comum” porque é na comunidade que se manifesta a amizade.” (Aristóteles, “Cap IX,Livro VIII”, Ética)
A amizade não se confina assim nos limites da particularidade, mas expande-se na práxis política, vectoriada pela ideia da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que cimenta a concórdia social.

Obrigado pelo seu texto, Professor João Serra.

João B. Serra disse...

Obrigado, caro Vasco Tomás, pelo seu comentário que enriquece a perspectiva da amizade que partilhamos. Obrigado também pelo seu contributo de inteligência, saber e sensibilidade ao espaço deste blogue.

Isabel X disse...

Ainda sob a impressão causada pelo comentário do Vasco, não posso deixar de exprimir o entusiasmo e a gratidão que em mim suscitou.

Quem conhece o Vasco, sabe como as suas palavras resultam de uma vida inteira dedicada ao estudo e à reflexão filosófica. Caso raro.

Feliz por este encontro, transcrevo a propósito um excerto de Deleuze:

"Quando se trabalha, a solidão é, inevitavelmente, absoluta. Não se pode fazer escola, nem fazer parte de uma escola. Só há trabalho clandestino. Só que é uma solidão extremamente povoada. Não povoada de sonhos, fantasias ou projectos, mas de encontros. Encontram-se pessoas (e às vezes sem as conhecer ou jamais tê-las visto), mas também movimentos, ideias, acontecimentos, entidades.Todas essas coisas têm nomes próprios, mas o nome próprio não designa de modo algum uma pessoa ou um sujeito. Ele designa um efeito, um ziguezague, algo que passa ou que se passa entre dois como sob uma diferença de potencial: 'efeito Crompton', 'efeito Kelvin'. Dizíamos a mesma coisa para os devires: não é um termo que se torna outro, mas cada um encontra o outro, um único devir que não é comum aos dois, já que eles não têm nada a ver um com o outro, mas que está entre os dois, que tem a sua própria direcção, um bloco de devir, uma evolução a-paralela."
Gilles Deleuze - Claire Parnet, Diálogos, editora escuta, p.6

É o que sei dizer neste momento.
Obrigada!

- Isabel X -

Cláudia disse...

Há uns, quase uno é permitido tocar.
O quase uno, permanece polido desde sempre, expressa a verdade, e tocá-los, é fazer fluir aos que compartilham sacramente o íntimo de cada criatura. Ao que na humanidade seja revelador e presente, pela natureza dos sentidos de criatura para criatura, é remir os tempos.
Eis a força da perseverança, o sígno e a fé.

Rui disse...

Excelente comentário, Vasco, uma bela prova de amizade por este lugar.