quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Face to face (2)

Ao longo do dia 9 foram-se acentuando os sinais de mau-estar geral, que já nem os analgésicos conseguiam ocultar, e bem assim uma erupções cutâneas que alguém rapidamente identificou como o resultado da ingestão ao almoço do dia anterior de 3 famigeradas ameijoas provindas dos mares do Oriente.
No mesmo sentido foi a opinião do meu competente cardiologista (que certamente partilha a generalizada desconfiança dos meios hospitalares relativamente a bivalves de origem indiscriminada). De modo que só no dia 10, pela manhã, perante os sinais de uma alarmante invasão de uma brigada anti-autoimunitários, que deixara pelo tronco, pescoço, cara e braços o resultado vexatório de uma inclemente vaga de pequenas ulceras, tomei a medida que gravidade da situação impunha: para o Hospital de Guimarães, rapidamente e em força.
O diagnostico foi imediato, mal cheguei a metro e meio do dermatologista chefe: vá para casa 7 dias, tratar dessa varicela.

Quando, enfim, a meio da tarde, recobrei do choque e da perturbação, pedi ajuda a Fernando Pessoa (è nestas alturas, de quase desespero, que temos que recorrer ao mais alto, e responde assim ao amigo face.


Viro esquinas de ideias [Fernando Pessoa, Livro do Desassossego de Bernardo Soares].

À leve embriaguez da febre ligeira, quando um desconforto mole e penetrante e frio pelos ossos doridos fora e quente nos olhos sob têmporas que batem — a esse desconforto quero como um escravo a um tirano amado. Dá-me aquela quebrada passividade trémula em que entrevejo visões, viro esquinas de ideias e entre entrepolamentos de sentimentos me desconcerto.
Pensar, sentir, querer, tornam-se uma só confusa coisa. As crenças, as sensações, as coisas imaginadas e as actuais estão desarrumadas, são como o conteúdo misturado no chão, de várias gavetas subvertidas."


Ao fim desta tarde entrecortada de sonolências, vi o filme "Voyage d'un ballon rouge".

O face to face do dia rezou assim:


A brigada dos anti-autoinunitários ainda não desistiu.
Juliette Binoche, loura, veio prestar-me ajuda.


1 comentário:

Isabel X disse...


Li em Maria Gabriela LLansol, que agora ocupa toda a parte possível dos meus dias:

"O artista vive como um parasita da sua infância?"

Um Arco Singular (Livro de Horas II), 2010, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 137

E lembrei-me da sua varicela: sinal de infância em si, João?

As questões que nos ocorrem.

- Isabel X -