segunda-feira, 13 de abril de 2009

Aventino Teixeira


Conheci-o capitão, de férias nas Caldas da Rainha, no Verão de 1966. E a última vez que o vi foi também nas Caldas, há meia dúzia de anos. Falou-me então como se nos tivéssemos encontrado na véspera, dando-me recados para o Presidente e falando no mesmo tom arrastado de sempre, mudando surpreendentemente de tema e, aqui e ali, sorrindo com uma ironia cansada das esquinas e alçapões que não previmos.
Em 1966, o capitão Aventino Teixeira decidira fazer o Curso de Direito e, mais do que uma valorização de carreira, pareceu-me que a ideia era experimentar a hipótese de mudar de carreira. Fiquei convencido que estava saturado da vida militar, que acumulara motivos de insatisfação com a hierarquia e que estava à beira de uma ruptura (se a não fizera já) com a política da guerra.
Como eu próprio tencionava então fazer esse Curso, a aproximação entre nós começou por ter um conteúdo prático. O capitão matricular-se-ia como aluno voluntário e esperava de mim, aluno ordinário, alguma colaboração em apontamentos e notas relativas às matérias dadas nas aulas. Pouco a pouco, porém, nesse ano de múltiplas transições, as conversas entre nós, apesar da diferença de idades, foram-se ampliando e as cumplicidades tecendo. Aventino Teixeira era um cavaqueador inexgotável, sobretudo a partir do meio da tarde. Dispunha-se frequentemente a ir-me buscar ou levar ao Carvalhal Benfeito, a troco de um conversa que se prolongaria depois de jantar pela madrugada do Inferno d'Azenha.
Em Lisboa e na Faculdade o nosso convívio foi mais espaçado. Passei-lhe os meu livros e o Código Civil anotado pelo Prof. Dias Marques, no dia em que decidi mudar de Curso dizendo-lhe qualquer coisa deste género: - Este é o meu contributo para que possas tu um dia mudar de carreira. Não o fez, é certo, mas nunca o vi fardado e não consigo imaginá-lo a desempenhar funções do foro estritamente militar. Em 1969, se não estou em erro, proporcionou-me um encontro em sua casa, na Praça Olegário Mariano, com Arnaldo Matos, de quem era amigo, para troca de informações sobre a crise do movimento associativo em Lisboa, após a demissão do Secretariado da Reunião Inter-Associações de que faziam parte Alberto Costa, Jaime Gama, Teresa Milhano e Serras Gago. Nos anos setenta procurei-o, no quadro de outras missões, no Procópio, onde marcou presença desde a fundação, em 1972. Segui, sempre com benevolente curiosidade, as suas inúmeras aparições no Prec e no período subsequente, como observador crítico, irreverente e muitas vezes desconcertante. Diziam-me que o General Eanes o ouvia atentamente. Não consigo imaginar tal situação sem uma estranha sensação de divertimento.
Fotografia de Margarida Araújo

4 comentários:

Isabel X disse...

Gosto deste depoimento sobre alguém que acabou de falecer e no qual se fala em encontros ocasionais e em sensações de divertimento. Curiosamente, tenho podido "conhecer", em diversas circunstâncias, outras opiniões sobre Aventino Teixeira a quem nunca conheci pessoalmente. Salvo erro, todas convergem na característica de se tratar de alguém desconcertante. Também isso me agrada.
- Isabel X -

Margarida Araújo disse...

Convivi desde miúda lá para as bandas da Quinta de Santo António.
Lembro que as suas vindas eram de inesperadas e o tempo que ficava também. Ia ficando. Escrevia muito bem, mas também nunca entendi a forma como se davam, ele o General Eanes, pela enorme diferença que me pareciam ter.
Há pouco tempo ajudei-o na vontade de ter um quadro do Ferreira da Silva. Muito ele gostou da exolosão policromática do Ferreiral.
Guardarei sempre saudade.
Um bj amigo

J J disse...

Conheci superficialmente Aventino Teixeira graças a amigos comuns. Em Lisboa na década de 70 no Paco, uma cervejaria em frente à Gulbenkian (ainda hoje lá está), onde se reunia uma certa extrema esquerda com quem ele se dava pessoalmente mas de que nunca percebi se fazia ou não parte. Eu era nessa altura um garoto perdido em Lisboa e adorava aquelas noites de cerveja e revolução.
Depois nas Caldas, através do Zé Carlos Nogueira de quem éramos ambos amigos.
Fiquei sempre com a ideia de ser alguém que dizia o que pensava sem se preocupar muito se o conjunto das suas opiniões era ou não um todo muito coerente e um contador de estórias muito divertido.

João Ramos Franco disse...

Como devem calcular conheci o Aventino Teixeira, uns anos antes, Era Alferes de um contingente RI 5 que foi para a Índia e esteve preso nos campos de concentração, quando da invasão. A intimidade era grande, devido ao seu casamento com uma colega nossa do ERO e o seu cunhado também ser da minha geração.
De tudo o que João Serra me conta tenho algum conhecimento,
e também acho interessante o, “Diziam-me que o General Eanes o ouvia atentamente. Não consigo imaginar tal situação sem uma estranha sensação de divertimento.”, para mais tendo conhecimento de muitas conversas entre o Aventino e Luíz Pacheco. Muito gostava de ter estrado presente para as contar, mas do que o Pacheco me contava, era as conversas nunca chegavam a uma conclusão… As palavras, “ alguém desconcertante” empregues pela Isabel Xavier, sem o conhecer, estão a certas.
João Ramos Franco