quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Pelos montes e vales de Tormes ou as emboscadas da navegação por satélite

Ontem à noite todos me confirmaram o fundamento do conselho do Presidente F. Ruas: o melhor percurso de Guimarães a Viseu é agora por auto-estrada (A4 e A24). Agendada a reunião no Museu Almeida Moreira para as 14h30, combinei almoço com P. Simões para as 13. Calculei 1h30 de viagem e saí de Guimarães às 11h30.
Parei o carro à saída de casa para proceder à operação de montagem do gps. Enviei um sms ao Pedro: "Vou estrear o presente de Natal que me deste. Estou a seguir as instruções". Alguns segundos depois de ligado ao isqueiro do carro, o pequeno ecran do aparelho já tinha identificado o ponto de partida. Tive um sobressalto quando uma voz feminina me informou que iria entrar numa rotunda dali a 50 metros e devia tomar a segunda saída à direita. Dez minutos mais tarde, estava na A7 em direcção a Vila Real. Já me habituara à voz feminina com as suas entoações. Liguei o rádio. Emiti um sinal interior de aprovação ao navegador tecnológico.
Uma dezena de quilómetros depois, ele deu-me instruções claras de que devia sair para Vizela. Confesso que ainda duvidei por alguns instantes. A saída não indicava A24, como me tinham assegurado. Mas que motivos fortes eu tinha para ignorar um conhecimento regulado por satélite?
De modo que caí na cilada, como me apercebi vinte minutos mais tarde, quando se tornou claro que eu rumava lentamente atrás de 2 camiões na estrada para Mesão Frio. Não tinha encontrado o mais leve rasto da A24, depois de uma breve passagem pelo IP4. A voz feminina tornara-se omnipresente. A todo o momento mandava virar à direita ou à direita. Quando finalmente comecei a descer para o Douro, o pequeno ecran alterara radicalmente as previsões da hora de chegada a Viseu: em vez das 13h10 indiciadas à saída de Guimarães, surgiam agora umas ameaçadoras 13h50. Parei o carro e reprogramei o navegador, assegurando-me que era Viseu o destino que assumira. Ele reconfirmou todas as más notícias.

Foi então que, olhando com mais atenção a paisagem ao fundo, eu percebi onde estava: em Resende, a caminho da ponte da Ermida. Ou seja em terras de Eça de Queirós. Parei o carro junto desta ponte a cuja inauguração assisti já lá vai mais de uma década e que revi mais recentemente, numa saudosa e belíssima jornada de homenagem ao escritor que imortalizou Tormes. Registei em fotografia o rio Douro lamacento e telefonei aos meus pacientes interlocutores de Viseu a preveni-los do atraso. Cumprimentei Jacinto com um sorriso irónico, dei um abraço cúmplice a Zé Fernandes e saudei Joaninha eterna senhora minha.

Encontrei a A24 muitos quilómetros e minutos depois, vencendo o Montemuro, agora paisagem de geradores eólicos. A chuva dos últimos dias fizera abater sobre a estrada pedras, terras e pequenas correntes de água. Numa curva mais apertada fui forçado a parar, em nome do princípio da precaução, perante dois bovinos indecisos quanto à direcção a tomar.
Cheguei a Viseu, sob um temporal desfeito, eram quase 3 da tarde. Solidário, o Paulo providenciara-me uma sandes dupla.

5 comentários:

Xico disse...

Felizes os que peregrinavam a Compostela guiados simplesmente pela via láctea.
Todo o prazer das viagens foi destruído pelo avião e pelas auto-estradas, que nos leva da origem ao destino, desprezando o percurso. Agora esse malfadado GPS, que nos impedirá aos poucos de entender e decifrar os sinais da paisagem que nos rodeia.
Não enriquecemos com algumas tecnologias. Digo que empobrecemos.
Um bom ano para si, e já agora os votos para a reabilitação da linha que trouxe o Jacinto de Paris a Tormes, quando as serras se ligavam à Europa sem passagem por Lisboa ou pelo Porto, mesmo correndo o risco de perder as malas em Salamanca.

João B. Serra disse...

De acordo. Obrigado pelos seus comentários criticos, sempre oportunos, mesmo quando divergentes. Um bom ano também para si.

Margarida Araújo disse...

O que eu já me ri, desculpa.
Uma coisa é certa esses bovinos que encontraste não deveriam ter GPS, ou teriam?????
Os GPS são úteis, até para também nos perdermos como dantes e descobrir ou redescobrir novos caminhos.
Como em tudo na vida, meu muito querido amigo meu.
E estou em crer que o presente do Pedro (grande beijo para ele) será excelente, mas o que terá acontecido é que muito provávelmente o mau tempo partiu as antenas do satélite (ficando na dúvida se as ventanias e chuvas mil chegam às alturas de um satélite).
O que eu andei... dar-nos-à conta das tuas andanças e nós lado a lado a assistir e a participar de vez em quando.
BOM ANO, João.

setora disse...

Um bom ano cheio de belas passeatas e memórias.

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Viva caro João.

Esta história está o máximo, se me permite.

Estava-se mesmo a adivinhar o desfecho e há medida que se avançava na leitura o sorriso aumentava de intensidade. Divinal.

Um bom ano para todos.

Abraço.