sábado, 17 de novembro de 2012

Registo. Fernando Távora


Esta exposição sobre a vida e obra do arquitecto Fernando Távora assinala um momento de grande importância da programação de Guimarães 2012.
Esse particular significado prende-se, em primeiro lugar, com a posição cimeira que Távora preenche na história da arquitectura portuguesa e na história do ensino da arquitectura. Tanto numa como na outra, a sua acção representou uma mudança, criando novos paradigmas e estimulando novos caminhos. Precursor e  mestre, inspirador e protagonista, o seu impulso criador deixou marcas nas cidades e deu oportunidade a discípulos. Por ele passou, homem de visão e de cultura invulgares, também a descoberta do fio que levaria a arquitectura portuguesa a projectar-se, como se projectou, no exterior.
Guimarães 2012 não poderia passar ao lado deste figura eminente e prestar-lhe a homenagem devida. Para isso contou desde a primeira hora com o empenho inexcedível do arquitecto Álvaro Siza Vieira e da Casa da Arquitectura, dirigida pelo arquitecto Carlos Castanheira. Estou muito grato a ambos, como Presidente da Fundação Cidade de Guimarães e como programador da área do pensamento da Capital Europeia da Cultura, onde este projecto foi inicialmente acolhido e desenvolvido. Em ambos encontrei sempre a força para tornear dificuldades e vencer obstáculos e a clarividência indispensável para encontrar soluções.
Mas também devo referir que, sem a colaboração da família de Fernando Távora, designadamente da Senhora D.ª Luísa Távora, do Arq. Bernardo Távora, e da Dr.a Maria José Távora esta exposição não teria sido possível. Neste âmbito, é justo destacar o papel facilitador do Dr. Álvaro Sequeira Pinto.
Uma palavra de agradecimento é igualmente devida à Fundação Marques da Silva, uma das primeira instituições com que a Fundação Cidade de Guimarães cooperou no passado e que agora disponibilizou o vasto acervo à sua guarda para a pesquisa e selecção de materiais destinados à presente exposição.
Também quero agradecer à Escola de Arquitectura da Universidade do Minho a forma como desde o principio acolheu e acarinhou este projecto de execução complexa e exigente. Neste agradecimento envolvo igualmente as Faculdades de arquitectura das Universidades do Poro e de Coimbra e a Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos.

A presença de  Fernando Távora em Guimarães está atestada em diversos edifícios por si projectados,  públicos e particulares, a começar pela sua própria casa, a casa da Covilhã, e a terminar nesta casa de formação de arquitectos, inserida no campus vimaranense da Universidade do Minho.
Mas não foi só em edifícios que o saber e experiência de Távora se desdobrou. Ele foi o grande mentor do projecto de reabilitação urbana, desenvolvido a partir dos anos 80 do século passado e que permitiu em 2001 o reconhecimento do centro histórico de Guimarães como património mundial. Guimarães deve-lhe essa visão, essa construção.
O visitante da cidade, surpreendido com a qualidade do espaço urbano histórico, a preservação que o torna acolhedor e amigável, é levado a crer que o que vê hoje sempre foi assim. Ora, as cidades tem uma história, e esse história é feita de abandono, de descuido, de destruição, tanto quanto de regeneração, de inovação, de reconstrução. E até, para utilizar uma expressão de Shumpeter a propósito das crises do capitalismo, de destruição criativa.
Guimarães ostenta as marcas do sonho do arquitecto. Eu que o não conheci, dou muitas vezes por mim a procurar nas ruas, nas casas, nas praças desta cidade o olhar que sobre elas lançou Fernando Távora antes e durante o longo processo de maturação e execução da reabilitação do casco histórico da cidade. Se fosse cineasta, proporia a mim próprio redescobrir os passos e as conjecturas desse sonhador que se deixou seduzir por uma cidade velha e rude, orgulhosa e sombria, onde como sugeriu Raul Brandão, as calçadas são desgastadas por cima pelos vivos enquanto os mortos as percorrem do lado inverso. Uma cidade cuja energia transbordante decerto contagiou o arquitecto.
Gostaria de ser capaz de surpreender essa elaboração – desejo e pensamento – de Fernando Távora sobre Guimarães. Ele não esteve só. Homem de uma cultura superior e invulgar trouxe para a sua beira, para usar uma expressão de desvelo como alguém me sublinhava recentemente , além de Raul Brandão, Francisco Martins Sarmento, Alberto Sampaio, Abel Salazar e Joaquim Novais Teixeira. A modernidade da reflexão, da análise, da cultura.
Aqui há atrasado – outra expressão que aprendi a usar aqui no Norte também há pouco tempo – Álvaro Siza fez-me chegar às mãos um projecto do arquitecto António Meneres sobre arquitecturas populares no Norte de Portugal. Entre a documentação que me entregou figurava uma fotografia datada de 22 de Maio de 1966.

Essa seria a imagem inicial do meu imaginário filme. Nua rua do centro histórico da cidade de prédios com janelas de guilhotina, sobe um casal em traje domingueiro (e de facto, 22 de Maio nesse ano calhou a um Domingo). De acordo com a legenda, João Toscano (suponho tratar-se do arquitecto brasileiro, paulista, discípulo de Niemeyer, nascido em 1933 e recentemente falecido, João Walter Toscano) fotografa o interior de um dos edifícios. Uma menina de soquettes e sapatos brancos está em primeiro plano. Não terá mais de três ou quatro anos e aponta inquiridora para qualquer coisa que não podemos descortinar, mas que esta no campo de visão do fotógrafo, seu pai.
Numa esquina, observando a cena e o espaço urbano, está Fernando Távora, de pólo branco e lenço ao pescoço, na plenitude dos seus 42 anos. Ele é o único que testemunha e como que absorve o espírito do lugar.
E por aqui me fico, com esta imagem sugestiva.

2 comentários:

Isabel Soares disse...

Posso manifestar a minha curiosidade? Qual o destino deste excelente texto? Discurso seu, na inauguração? Simples registo para o blogue? Só não aprecio a informalidade daquele "E por aqui me fico" parece que ficou com a imagem só para si. Gostaria mais de "Deixo-vos..." e sentiria que me oferecia a imagem à contemplação dos sentidos. Perdoe a minha ousadia. Atitude temerária de quem não se enxerga e por isso nem repara que estaria melhor calada... :) Culpa da sua disponibilidade para me aturar as tolices.

Jacinta disse...

Quando eu for mais crescida, quando eu tiver aprendido, com todos os mestres que ainda houver,a melhor ler e escrever, quero saber subir a este patamar.

Quero saber dizer tudo o que penso com esta lúcida simplicidade e tudo o que sinto com a discreta contenção que atravessa, para o lado de cá, o granulado do texto. Simétrico, aliás, do desta extraordinária fotografia.