sábado, 10 de novembro de 2012

Registo (no Expresso de hoje)


Guimarães 2012: os desafios da transferência

A Capital Europeia da Cultura (CEC) entra nos seus dois últimos meses de programação com um activo de reconhecimento público, de consistência programática e de rigor orçamental. Como previsto, para que se possa completar a totalidade dos seus enunciados, será necessário ainda dispor do primeiro semestre de 2013, período onde se procederá também à finalização do estudo de impactes dos projectos executados. Mas o tempo da transição deve ter início desde já, se se quer garantir continuidade e sustentação ao legado produzido.
As preocupações expressas nos fora internacionais, designadamente europeus, sobre o investimento na cultura, acentuam hoje, cada vez mais, os temas do futuro, centrados no reforço das estruturas de produção artística e cultural e na adopção de novos modelos de relação entre cultura e educação e cultura e economia.
A este propósito cabe recordar as conclusões de uma reunião efectuada em Bruxelas, para assinalar, em 2010, os 25 anos das CEC’s: “O legado está longe de ser automático (...). Na verdade, ele tem que ser planeado, orçamentado e trabalhado. Uma das principais chaves para o sucesso de tal objectivo - garantir um legado de longo prazo – reside em incorporar o evento como parte de uma estratégia de desenvolvimento cultural a longo prazo, concebida dentro do próprio desenvolvimento a longo prazo da cidade como um todo, através de sinergias entre a cultura e outras áreas (desenvolvimento urbano, educação, etc.)”.
O legado de Guimarães 2012 não se resume a equipamentos e estruturas, porventura os elementos de mais imediata referenciação, até pela dotação orçamental que exigem. De facto, o legado abarca outros aspectos, da ordem do software (e não do hardware) gerado, experimentado e valorizado ao longo do processo da CEC: a nova criação resultante de encomendas, o exercício de programação e gestão cultural em rede, o principio da residência artística e do laboratório de curadoria em diversas áreas, as contaminações e disseminações tradicional/contemporâneo, o investimento do espaço público como metáfora da participação e da integração social e da cidade como espaço criativo multifuncional,  o revigoramento do sentido de pertença e partilha do território, a ampliação e diversificação das audiências, a internacionalização da cultura de portuguesa no seu duplo movimento (de fora para dentro e de dentro para fora), a introdução de novos factores de urbanidade (percursos, narrativas, vivências pessoais e colectivas).
Os protagonistas políticos e institucionais que decidiram e desenharam Guimarães 2012 postularam uma transferência de legado robusta, cujo núcleo duro deveria residir numa Fundação dotada de meios e princípios de salvaguarda duma política pública pertinente e capacitada por uma prática relevante de contactos externos, sobretudo europeus, e de gestão de programas de financiamento com fundos comunitários.
Ao pôr em causa, de forma apressada e injustificada, a continuidade desta instituição que ele próprio criara há três anos, o Estado pode ter incorrido no risco de desacautelar a transferência prevista. As organizações locais estão conscientes de que serão chamadas a reequacionar o seu papel na transição e estão convictas de que o novo secretário de Estado da Cultura possui a experiencia e a competência intelectual e política indispensáveis para poder dar um contributo crucial para esta reflexão. De facto, pela primeira vez, de há muito a esta parte, a pasta da cultura é confiada a alguém que tem um vasto currículo de exercício de funções políticas e técnicas na cultura, tanto no plano local como no central, e uma preparação compriovada no estudo e discussão das políticas culturais.

João Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães/Capital Europeia da Cultura

1 comentário:

Isabel X disse...

Gostei muito deste seu artigo no Expresso, João. Agradeço.
Gostei da escrita limpa, nítida, que mais faz sobressair o legado de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura.
Mais uma vez - tantas são elas - preocupei-me com a possibilidade de o legado ser posto em causa por medidas despropositadas e que não têm qualquer tipo de correspondência com a realidade.
Ainda assim: PARABÉNS a todos os intervenientes! Se nada se fizer, nada se faz. Nunca.

- Isabel X -