quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Ricardito

- Estás mais bonita que nunca, peruaninha. Amo-te, desejo-te com toda a minha alma, com todo o meu corpo. Nestes quatro anos não fiz outra coisa senão sonhar contigo, amar-te e desejar-te. E também amaldiçoar-te. Cada dia, cada noite, todos os dias.
Passado um momento, afastou-me com as suas mãos.
- Tu deves ser a ultima pessoa no mundo que ainda diz essas coisas às mulheres. - Sorria, divertida, olhando-me como um bicho raro.  - Que piroseiras me dizes, Ricardito.
- O pior não é que as diga. O pior é que as sinto. Sim, são verdade. Tu transformas-me numa personagem de telenovela. Nunca as disse a ninguém a não ser a ti.

Mário Vargas Llosa, Travessuras da Menina Má. Lisboa, Dom Quixote, 2006. p. 123.

3 comentários:

Isabel Soares disse...

Nem sempre é maldade. Por vezes é a insegurança que se alia ao desejo do afeto que as palavras que se desejam ouvir proporcionariam. E dizem-se tolices. Será que dizer que se descascam pevides, não poderia corresponder ao desejo de ouvir: conto os dias...

Isabel X disse...


As palavras são (deviam ser) sempre diferentes conforme aquele ou aquela a quem se destinam.

A menina má incomodava-se com as "piroseiras" que lhe eram dirigidas por não corresponder ao sentimento que despertava.

Mas não teve muito bem fim e, se é que me liembro bem deste livro que já li há vários anos, deixou o que tinhe neste mundo ao Ricardito porque morre primeiro.

Melhor que esta obra de Vargas Llosa, dentro de um registo equivalente em alguns aspetos, só mesmo "A Servidão Humana" de Somerset Mauhgam.

Gosto bem mais de outros livros de Llosa, mas parece-me que este diz muito ao autor deste blogue. Uma predileção bem interessante, afinal...

- Isabel X -

Tia Júlia disse...

A verdade é que, na sequência desta como doutras experiências afectivas de idêntica significação, vividas ou ficcionadas, muito se alterou a relação entre géneros.
De acordo com a leitura que fazemos do presente,os Ricarditos - como gato que já se escaldou e não gostou - enovelaram-se como bichos da conta, recolheram a seus casulos para lamberem feridas passadas e aprenderam a silenciar gostos e desgostos. Optaram, afinal, por acolher-se à corte de Dama Prudência, a qual lhes impõe que calem sentimento.
As "meninas más" viram, então, a conveniência de pesarem, ao menos um pouco, os efeitos das diabruras tradicionais, herdadas da geração das gerações como um tesouro familiar. Perdendo parte da graça e do mistério, foram-se tornando "meninas boazinhas".