quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Eu não existo


Um dia numa entrevista perguntaram a Borges:
"Quem é afinal, Borges?"
"Eu não existo", respondeu Borges. "Eu sou todos os livros que li, todos os lugares que conheci, todas as pessoas que amei..."
Somos feitos de memória. Mesmo aquilo de nós que não é circunstância individual, é apenas memória, memória genética e memória da espécie. A própria imaginação é uma espécie de arte combinatória da memória (o Minotauro é um homem e um touro, a sereia uma mulher e um peixe...)

Manuel António Pina, "Livros e filmes que somos".

6 comentários:

Isabel X disse...

A propósito deste post, lembrei-me de um dos textos de Borges de que mais gosto: "Borges e eu". (Obras Completas, 1998, Editorial Teorema, II Vol. p.181)
Não resisto a transcrever alguns excertos pois é demasiado grande para ser aqui colocado na íntegra, apesar de ser um texto pouco extenso:

"Ao outro, o Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, no arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico(...) Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, ou deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. (...) Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e de magnificar. (...) Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página."

- Isabel X -


Isabel Soares disse...

Começo a achar fascinante a característica de em português nos desentendermos, quando estamos mais ou menos a dizer o mesmo (a propósito do comentário no FB).

Espreitar à sua "janela" é particularmente profícuo. Vou aproveitar esta ideia para o dia oito. Lá terei de lhe pagar os direitos, pela lembrança... :)

João B. Serra disse...

Que se passa a 8, cara Isabel Soares? De que forma lhe posso ser útil?

Isabel Soares disse...

E no meio de tanta obrigação ainda consegue inventar disponibilidade para me ajudar?!
A sua gentileza é comovente. Bem haja!
Ajudou pela ideia e ajudará se me deixar "roubar-lhe" esta citação.

Isabel Soares disse...

Acaba de ser "roubado". Imprimi esta sua citação. Se chamar a polícia, mande prender-me só depois das 19 h de amanhã para que o meu amigo C. não tenha um "ataque de nervos" :).
Confio que a sua generosidade me vai perdoar o arrojo, na certeza de que esta sua escolha será um toque de sofisticação nas vulgaridades que proferirei amanhã. Os presentes vão agradecer e eu não deixarei de sorri à sua lembrança. :))

Isabel Soares disse...

Acredito-o desesperado por os polícias que mandou no meu encalço não me terem apanhado e assim se ver privado de “os direitos” que lhe são devidos. Mesmo com pé meio torcido e sapatinho de salto alto, fugi destra rua acima. Culpa sua, que me ensinou da maneira mais dolorosa que não vale a pena uma mulher atirar-se ao chão para comover um homem.
Nem queira saber a figurinha linda que fiz com esta sua publicação!!!! “Que cultura!” Exclamaram os ouvintes. E eu sorria lembrando-o…
Ah! Isto assim como é mentira poderia ser verdade. De facto as pessoas encantaram-se com o tal sorriso e não ouviram nada do que disse (será que estou a mentir outra vez????).
Acho que só se aproveitou mesmo o sorriso que o lembrou. :)