segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Predomínio da praça

Deve-se chamar a atenção para uma importante coincidência. A linha de Espanha onde começam a pulular os escudos marca o fim das cidades. Faz tempos que Corpus Barga* sublinhou esse facto de que no País basco não existe a urbe. Um meridional não poderá conceber a sua ideia de cidade vendo esta dispersão de habitações, que parecem fugir umas das outras e constituem as vilas do Norte. A cidade andaluza ou castelhana é uma escultura compacta; a cidade cantábrica é antes uma paisagem, uma urbe centrifugada onde cada edifício foi lançado em direcção aos campos.
Isto levar-nos-ia a reflexões algo complicadas sobre o ruralismo cantábrico. Como toda a Espanha é rural, é de não pouca subtileza definir a forma genuína de cada ruralismo regional. Deste modo, não há grupo nacional que pareça ter sido mais chamado a construir uma urbe sólida e sem poros do  que Bilbau. Contudo, quando Bilbau quis alargar-se evadiu-se do perfil oficial que o Município propunha. O verdadeiro alargamento bilbaíno não é o que assim se chama, mas Neguri, Algorta, Las Arenas – a povoação centrífuga com campina interior.
Ora bem, a urbe autêntica supõe o predomínio da praceta, agora ou foro. Da mesma forma que se define o canhão como um agulheiro rodeado de aço, seria bastante exacto dizer que a urbe é uma abertura ou praça rodeada de fachadas. O resto da casa mais alem da fachada não é essencial para a urbe (refresque o leitor a sua imagem de Atenas, de Roma). Isto quer dizer que apenas há urbe onde predomina o público sobre o privado, o Estado sobre a família. Em toda a Cantábria acontece o contrário: o instinto de consanguinidade triunfa sobre o instinto politico e isto explica-nos de um só golpe a dispersão do casario e a hipertrofia dos escudos. Os cantábricos e bascos sentem o orgulho da tradição familiar e vivem animados por uma ilusão genealógica. A planta familiar agarra-se a um pedaço de campina porque precisa de raízes profundas com que nutrir o seu milenário destino vegetal.

José Ortega y Gasset, Notas de Andar e Ver. Viagens, Gentes e Países. Lisboa, Fim de Século, 2007. p. 149-150.

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Do fecundo: qualquer planta orienta-se a vertical.

Isabel X disse...

Para além de olhar, eis um exemplo de saber ler o espaço e os seus significados: os sinais que emite sobre a vida de quem o faz e vive!

- Isabel X -