sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Nem os mortos ficam em segurança

Fazer trabalho de historiador não significa saber "como as coisas realmente se passaram". Isto significa apoderar-se de uma lembrança sempre que ela surge em momento de perigo. Para o materialismo histórico, trata-se de reter a imagem do passado que inopinadamente se oferece ao sujeito histórico no momento do perigo. Esse perigo ameaça quer os conteúdos quer os destinatários da tradição. Tanto para uns como para outros, o perigo é idêntico, o de se tornarem instrumento da classe dominante. Em cada época é preciso arrancar novamente a tradição ao conformismo que está em vias de a subjugar. O messias não chega apenas como redentor, mas também como vencedor do anti-cristo. O dom de atear no passado a chama da esperança pertence apenas à historiografia intimamente persuadida de que, se o inimigo triunfar, nem os mortos ficam em segurança. E esse inimigo não cessa de triunfar.

Walter Benjamin, "Sur le Concept d'Histoire", in Oeuvres, III. Paris, Gallimard, 2000. p. 431.

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