quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Triste

Querida amiga,
Daqui onde me encontro, os sinais de vida que posso enviar são aqueles que os meios de partilha electrónica viabilizam e condicionam. Um sms onde se diz “Hei”, um email que principia “Bom dia” ou “Boa Tarde”, um post no facebook que partilha uma foto ou uma música, a mais das vezes ocasionalmente “encontradas na net”.
O telefone móvel é cada vez mais caixa de mensagens escritas sem vírgulas e com muitos kapas. O telefone fixo foi praticamente abolido, tal como as cartas em papel, hoje reservadas a ofícios e outros documentos oficiais. Um amigo meu poupa tempo e energia enviando emails em que só preenche o espaço do “subject”.
O teu belo postal - que o correio teima em depositar no primeiro cacifo que avista do prédio - teve um efeito surpreendente. Evoca um tempo em que lembrar amigos demandava tempo na proporção generosa de uma partilha de afectos. As redes dos amigos eram sem dúvida muito mais concentradas, finas, e por isso mais intensas – e exigentes. Hoje são esta malha larga feita de uma multiplicidade de nós, onde cabe, em pé de igualdade, gente que nem conhecemos e a quem dispensamos um simples “gosto”, quase sempre fácil e ligeiro.
Provavelmente já excedi, nesta breve resposta, em centenas de caracteres os limites do que o telemóvel ou o facebook me concedem. Vou ter que a converter em “mensagem multimédia” ou “nota”, termos estranhos que ainda há pouco tempo tinham outros significados no meu vocabulário.
Querida, recebe um beijo (e não um bj) daquele que não te esquece,
João.
Ilustração de Assunção de Melo. Edição de WHO, agência de talentos criativos

4 comentários:

Isabel X disse...

É bem verdade. Algo assim reatado, que de perdido se faz presente, trazendo a consciência dessa perda, pode comover mais que tudo o mais.

É que os sentidos são cinco. Temos tacto, olfacto, paladar, para além da visão e da audição.

Nada como os objectos que significam/são gestos de ternura.

Pode ser "triste", mas é muito ternurento e comovente este post.

- Isabel X -

Cláudia S. Tomazi disse...

A ironia de tanta tristeza é ficar mais triste. Tristeza esta que o Prof. João Serra fez multiplicar, mesmo entre estranhos, ausentes e desconhecidos.

Entre letras e imagem lembra a recondita harmonia de Tosca, no doce arreatamento.

Isabel Soares disse...

Debruço-me, com prazer, em cada janela que aqui abre. Por umas reencanto-me com a paisagem, por outras olho pela primeira vez o horizonte. Reabro-as sempre que as paisagens me apetecem e deleito-me.

Que belo estaria o Sol nascente na lembrança de quem inspirou esta!

Cláudia disse...

arrebatamento*