quarta-feira, 16 de novembro de 2011

À janela de Júlio Dinis


- Mais duas palavras só - disse ainda Carlos, pegando no chapéo - quando V. Exc.ª chegou, não estava eu aqui dentro; reparou? N'esse momento, minha senhora, acabava de fazer uma singular descoberta.
- Uma descoberta?!
- Muito singular. Ha poucos dias - continuou Carlos, aproximando-se da janella, junto da qual estava já Cecilia - passeiava eu n'aquelles pinheiraes... acolá. Meditava... nem posso bem dizer em quê. Não sei de
que maneira me attrahiu a vista, e depois me occupou a imaginação, uma casa, que avistei d'alli. Tinha a varanda revestida de trepadeiras, uma roseira no intervallo das duas janellas e, no andar de cima, apparecia frequentemente uma senhora, toda occupada em trabalhos domesticos, n'esse lidar modesto, que rodeia, a meus olhos, de suave perfume de poesia as mais bellas figuras de mulher.
Cecilia baixou os olhos, córando, e pareceu entretida a examinar a andarella do castiçal de vidro, que lhe ficava á mão.
- Imagine agora a minha surpreza, quando, ha pouco, chegando aqui, reconheci esta varanda, esta janella, esta roseira, por as mesmas que de tão longe me haviam chamado a attencão. D'ahi - acrescentou,
sorrindo - facil me foi concluir quem era a senhora. Não haverá mysterio n'isto? Não parece que esta roseira queria aconselhar-me de longe o passo que hoje dei? Eu, por mim, estou tentado a crêl-o, e tanto que, por gratidão, peço-lhe licença, minha senhora, para levar commigo uma memoria d'ella. Permitte-me que córte uma d'aquellas flores?
Cecilia só pôde sorrir em resposta, baixando a cabeça.


Julio Dinis, Uma Família Inglesa. Cenas da Vida do Porto. 1868.

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