quarta-feira, 23 de novembro de 2011

À janela de Pessoa

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego. 1982.

2 comentários:

Isabel X disse...

De notar o desencontro entre o que sente: "Tardava-me, talvez a sensação de estar vivo." e o anúncio inicial: "Era a ocasião de estar alegre." E que dizer da sensação final a que se sentiu conduzido por debruçar-se da janela?
Para achar palavras destas, para achar sensações destas e escrevê-las deste modo, valem a pena gestos aparentemente simples como debruçar à janela. Aliás são esses gestos que valem. Sempre.

Fernando Pessoa dizia: "Falta-me um tacto para a vida."
Tanto que essa falta produziu...

- Isabel X -

Isabel X disse...

Lembrei-me entretanto: como é importante a janela no poema de Álvaro de Campos "Tabacaria"!

- Isabel X -