segunda-feira, 21 de novembro de 2011

À janela de Raul Brandão

[Inauguração, em 1903, do controverso monumento a Eça de Queirós em Lisboa, da autoria de Teixeira Lopes."Sobre a nudez forte da Verdade, o manto diaphano da phantasia".]

Interview com o Snr. Monteiro Milhões. 
- V. Ex.ª que pensa do monumento? 
- Penso que tenho de voltar a frontaria da minha casa, para o Theatro D. Amelia. Imagine que os meus netos estão constantemente a perguntar quem é aquella senhora sem camisa. Já o outro dia lhes disse que era D. Maria II, mas com estes frios, os pequenitos, educados na compaixão, não me largam para que lhe mande dar um cobertor. 
- E que impressão faz das suas janellas a barriga da Verdade? 
- Aqui entre nós (arregalando o olho) é uma d'aquellas barrigas que está mesmo a glorificar a «sensação nova» (irritado). Não era mais condizente á minha camoneana, transferirem o epico immortal aqui para o meu largo, e levarem "aquelle senhor" para as proximidades do Bairro Alto?
- De modo que V. Ex.ª, irritado, nem chega á janella? 
- Emquanto a Camara não mandar pôr, de roda da figura, um resguardo pintado de cinzento.

Raúl Brandão, Memórias. Vol I, 1919.

1 comentário:

Isabel X disse...

Sem dúvida que Monteiro Milhões inspiraria uma bela personagem a Eça de Queiroz!
A Lisboa indignada com o monumento de Teixeira Lopes também está muito em sintonia com a que Eça nos deixou descrita nos seus livros.
Curiosamente, aceitava-se a representação do nú nos museus, mas não no espaço urbano ao ar livre. Interessante.

- Isabel X -