quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Cidades infinitas

Mas Miles Davis diz ainda um pouco mais: que o único pode ser apenas (apenas?) um movimento de ancas (como a Laureen Bacall em To be or not to be). Ou o acender de um cigarro. Ou o dedo sobre a borda de um copo (Faye Dunaway). Tão subtil, tão alusivo, tão devastador - um movimento que atravessa o mundo, e poderíamos começar agora a enumerar nomes de cidades onde Miles Davis, já bêbado, entontecido de música, seria capaz de o reconhecer (o movimento de ancas de Juliette, o seu movimento próprio, o seu nome próprio): Liubliana, Copenhaga, Calcutá deserta, São Francisco, Bruges, Havana, Veneza, a cidade de todas as cidades, Rio de Janeiro, Valparaiso (magia das enumerações: três cidades, pouco, cinco ou seis, já em excesso, nove dez, a frase torna-se interminável, toda a alegria do mundo no nome destas cidades infinitas).
Eduardo Prado Coelho, Tudo o Que Não Escrevi. Diário 1 (1991-1992). Porto, Asa, 1992. p. 59.

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