domingo, 8 de novembro de 2009

De C. L.-Strauss a Aristóteles

Para a aula da passada Sexta-feira, muni-me das edições de Mythologies, I - le Cru et le Cuit e II - Du Miel aux Cendres e repesquei a citação de Claude Levi-Strauss aqui transcrita no dia anterior. Lembram-se? Aquela que afirma que a cidade é ao mesmo tempo objecto de natureza e sujeito de cultura.
Como na unidade curricular tínhamos andado recentemente às voltas com Platão e Aristóteles, propus deste o seguinte texto para debate:

A razão pela qual o homem, mais do que uma abelha ou um animal gregário, é um ser vivo político em sentido pleno, é óbvia. A natureza, conforme dizemos, não faz nada ao desbarato, e só o homem, de entre todos os seres vivos, possui a palavra. Assim, enquanto a voz indica prazer ou sofrimento, e neste sentido é também atributo de outros animais (cuja natureza também atinge sensações de dor e de prazer e é capaz de as indicar) o discurso, por outro lado, serve para tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o injusto. É que, perante os outros seres vivos, o homem tem as suas peculiariedades: só ele sente o bem e o mal, o justo e o injusto; é a comunidade destes sentimentos que produz a família e a cidade.
Além disso, a cidade é por natureza anterior à família e a cada um de nós, individualmente considerado; é que o todo é, necessariamente, anterior à parte. Se o corpo como um todo é destruído, não haverá nem pé nem mão, excepto por homonímia, no sentido em que falamos de uma mão feita de pedra: uma mão deste género será uma mão morta; tudo é definido segundo a sua capacidade ou função. Ora, todas as coisas definem-se pela sua função e pelas suas faculdades; quando já não se encontrarem operantes não devemos afirmar que são a mesma coisa, mas apenas que têm o mesmo nome. É evidente que a cidade é, por natureza, anterior ao indivíduo, porque se um indivíduo separado não é auto-suficiente, permanecerá em relação à cidade como as partes em relação ao todo. Quem for incapaz de se associar ou que não sente essa necessidade por causa da sua auto-suficiência, não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho ou um deus.

Aristóteles, Política. Edição Bilingue. Lisboa, Vega, 1998. p. 55.

2 comentários:

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Viva caro João.

Mais uma óptima escolha: apesar da sua intemporalidade, este clássico parece-me agora bem oportuno.

Abraço.

Isabel X disse...

O que mais retenho do que aqui li, é o todo ser anterior à parte, donde se infere que o todo não se limita a ser a soma das partes. Existe antes delas.

Por outro lado, distinguem-se a cidade e a família de outras organizações gregárias (abelhas), por só o homem possuir a palavra, o discurso, a noção de bem e de mal, de justo e injusto... e a família e a cidade resultarem da comunidade destes sentimentos, sendo, simultaneamente, condição da sua existência.

A cidade é condição do homem porque a parte não existe separadamente do todo. Apenas possui o nome mas não é de facto, porque o ser depende da função.

O que distingue o homem (linguagem; ética; moral)e lhe permite viver em família e na cidade, só encontra condições de plena realização porque o homem vive em família e, mais importante ainda, em cidades. E é da sua natureza que assim seja.

Afinidades entre Aristóteles e Lévi-Strauss, portanto...

- Isabel X -