quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Na árvore do Natal (4)

Aos comentadores mais assíduos deste blog, uma lembrança de Natal. Esta é para Nicolau Borges.
Parte final de um conto de Ray Bradbury.

O dragão

A muitas léguas, apressando-se com um grande uivo e um rugido - o dragão.
Em silêncio, os homens afivelaram as armaduras e montaram a cavalo. A meia-noite desolada era rasgada por um arfar monstruoso, à medida que o dragão bramia mais perto, cada vez mais perto, cada vez mais perto; o seu olho relampejante e amarelo luziu por sobre uma colina e depois, dobra a dobra do seu corpo escuro, visto a distância e por isso indistinto, galgou por cima da colina e mergulhou num vale, sumindo-se.
- Depressa!
Com as esporas, impeliram os cavalos para a frente, até uma pequena depressão do terreno.
- É por aqui que ele passa!
Seguraram nas lanças com os punhos ferrados e cegaram os cavalos, deixando cair-lhe a viseira sobre os olhos.
- Nosso Senhor!
- Sim, evoquemos o Seu santo nome.
No mesmo instante o dragão contornou o cerco. O seu olho de âmbar, monstruoso, caiu sobre eles, acendendo as armaduras de reflexos e coruscações vermelhas. Com um terrível uivo estridente e um ranger, precipitou-se para diante.
- Misericórdia, Senhor!
A lança embateu por debaixo do olho amarelo e sem pálpebras, ricocheteou, atirou o homem pelo ar. O dragão atingiu-o, fê-lo voltear para cima, projectou-o para o chão, esmagou-o sob o seu corpo. Ao passar, a cunha negra da sua espádua arremessou o outro cavaleiro, com o seu cavalo, a uma distância de cem pés, destroçando-o contra um penhasco, uivando, uivando, um grito de dragão, fogo a toda a volta, por baixo, um fogo como um sol alaranjado, cor-de-rosa, amarelo, com grandes plumas fofas de fumo cegante.

- Tu viste agora? - gritou uma voz. - Tal e qual como te disse!
- O mesmo! O mesmo! Um cavaleiro de aramadura, raios me partam! E atropelámos o tipo!
- Vais parar?
- Já uma vez parei; não encontrei nada. Não gosto nada de parar neste pantanal. Faz-me calafrios na espinha. Senti uma coisa esquisita, garanto-te.
- Mas nós embatemos contra qualquer coisa!
- Fartei-me de apitar; se não se mexeu foi porque não quis, teve muito tempo.
Uma descarga de vapor cortou a cerração.
- Vamos chegar a Stokely à tabela. Ponho mais carvão, hein, Fred?
Um outro assobio condensou gotas de geada do céu vazio.
O comboio da noite, todo fogo e fúria, disparou através do barranco, enfiou por uma subida e desapareceu mais adiante, sobre a campina fria, em direcção ao norte; deixou fumo preto e rolos de vapor a dissolver-se no ar atordoado, por alguns minutos ainda, após ter passado e desaparecido para sempre.

Ray Bradbury, "O Dragão", in Os melhores contos de Ficção Científica, de Júlio Verne aos Astronautas. Antologia. Selecção e tradução de Lima de Freitas. Lisboa, Livros do Brasil, s/d. p. 387-389.

3 comentários:

J J disse...

Que se acautele o Nicolau,tirando as devidas ilações desta forma, demasiado romântica, de afrontar o Dragão.
Mas esta prenda é para ele, ele é que tem que se pronunciar, eu só aqui vim juntar os meus votos aos do autor. Boas Festas, Nicolau.

Anónimo disse...

Algumas das ilações que se podem tirar do conto, genuína e generosa oferta, com espuma natalícia, do João Serra:
1ª. Os combates quixotescos, contra os dragões, os moinhos de vento, ou/e outros do mesmo género acabam sempre da mesma forma(valha-nos S. Jorge;
2ª O trabalho de maquinista nunca é um acto solitário;
3º È preciso ter cuidado com os pântanos e as miragens;
4º Nunca perder o Norte, mas preferir sempre o "Sul";
Outras ilações serão objecto de discussão pessoal, lá para terça-feira, a caminho de Alpiarça....
Boas festas para todos, um abraço amigo JJ.
NB

Anónimo disse...

Festas felizes e um bom 2009 para o Nicolau.

Abraço.

Paulo Prudêncio.