Parte final de um conto de Ray Bradbury.
O dragão
A muitas léguas, apressando-se com um grande uivo e um rugido - o dragão.
Em silêncio, os homens afivelaram as armaduras e montaram a cavalo. A meia-noite desolada era rasgada por um arfar monstruoso, à medida que o dragão bramia mais perto, cada vez mais perto, cada vez mais perto; o seu olho relampejante e amarelo luziu por sobre uma colina e depois, dobra a dobra do seu corpo escuro, visto a distância e por isso indistinto, galgou por cima da colina e mergulhou num vale, sumindo-se.
- Depressa!
Com as esporas, impeliram os cavalos para a frente, até uma pequena depressão do terreno.
- É por aqui que ele passa!
Seguraram nas lanças com os punhos ferrados e cegaram os cavalos, deixando cair-lhe a viseira sobre os olhos.
- Nosso Senhor!
- Sim, evoquemos o Seu santo nome.
No mesmo instante o dragão contornou o cerco. O seu olho de âmbar, monstruoso, caiu sobre eles, acendendo as armaduras de reflexos e coruscações vermelhas. Com um terrível uivo estridente e um ranger, precipitou-se para diante.
- Misericórdia, Senhor!
A lança embateu por debaixo do olho amarelo e sem pálpebras, ricocheteou, atirou o homem pelo ar. O dragão atingiu-o, fê-lo voltear para cima, projectou-o para o chão, esmagou-o sob o seu corpo. Ao passar, a cunha negra da sua espádua arremessou o outro cavaleiro, com o seu cavalo, a uma distância de cem pés, destroçando-o contra um penhasco, uivando, uivando, um grito de dragão, fogo a toda a volta, por baixo, um fogo como um sol alaranjado, cor-de-rosa, amarelo, com grandes plumas fofas de fumo cegante.
- Tu viste agora? - gritou uma voz. - Tal e qual como te disse!
- O mesmo! O mesmo! Um cavaleiro de aramadura, raios me partam! E atropelámos o tipo!
- Vais parar?
- Já uma vez parei; não encontrei nada. Não gosto nada de parar neste pantanal. Faz-me calafrios na espinha. Senti uma coisa esquisita, garanto-te.
- Mas nós embatemos contra qualquer coisa!
- Fartei-me de apitar; se não se mexeu foi porque não quis, teve muito tempo.
Uma descarga de vapor cortou a cerração.
- Vamos chegar a Stokely à tabela. Ponho mais carvão, hein, Fred?
Um outro assobio condensou gotas de geada do céu vazio.
O comboio da noite, todo fogo e fúria, disparou através do barranco, enfiou por uma subida e desapareceu mais adiante, sobre a campina fria, em direcção ao norte; deixou fumo preto e rolos de vapor a dissolver-se no ar atordoado, por alguns minutos ainda, após ter passado e desaparecido para sempre.
Ray Bradbury, "O Dragão", in Os melhores contos de Ficção Científica, de Júlio Verne aos Astronautas. Antologia. Selecção e tradução de Lima de Freitas. Lisboa, Livros do Brasil, s/d. p. 387-389.
3 comentários:
Que se acautele o Nicolau,tirando as devidas ilações desta forma, demasiado romântica, de afrontar o Dragão.
Mas esta prenda é para ele, ele é que tem que se pronunciar, eu só aqui vim juntar os meus votos aos do autor. Boas Festas, Nicolau.
Algumas das ilações que se podem tirar do conto, genuína e generosa oferta, com espuma natalícia, do João Serra:
1ª. Os combates quixotescos, contra os dragões, os moinhos de vento, ou/e outros do mesmo género acabam sempre da mesma forma(valha-nos S. Jorge;
2ª O trabalho de maquinista nunca é um acto solitário;
3º È preciso ter cuidado com os pântanos e as miragens;
4º Nunca perder o Norte, mas preferir sempre o "Sul";
Outras ilações serão objecto de discussão pessoal, lá para terça-feira, a caminho de Alpiarça....
Boas festas para todos, um abraço amigo JJ.
NB
Festas felizes e um bom 2009 para o Nicolau.
Abraço.
Paulo Prudêncio.
Enviar um comentário