O texto seleccionado é de Pinheiro Chagas (1842-1895), um nome que fez parte das nossas caldenses referências juvenis, e reporta-se a Júlio César Machado (1835-1890), um escritor nascido em A-dos-Ruivos que dedicou à região servida pela linha do Oeste muitos e interessantes textos. Proponho o seguinte exercício: substituir folhetim por blog e século XIX por XXI.
O século em que vivemos inventou o folhetim. Os admiradores do passado vêem nisso uma prova da frivolidade desta geração; creio pelo contrário que não se deve ver neste facto senão a consequência necessária do derramamento da luz intelectual e da participação de todas as classes nos prazeres delicados que eram dantes privilégio de um limitado número.
A opinião pública sobre assuntos literários circunscrevia-se dantes na pequena roda dos salões aristocráticos e dos cenáculos dos homens de letras. Aí se discutiam e apreciavam as tragédias novas, os novos livros, o mérito dos actores e tudo quanto dizia respeito à vida elegante e ao movimento literário. Aí se erigia o trono dos conversadores notáveis que não aspiravam a outra glória e que tinham razão porque essa lhes bastava para os imortalizar. Chamfort e Rivarol não têm outros títulos que lhes dêm jus à reputação que ainda hoje lhe circunda o nome com esplendida auréola. Funda-se nesse talento especial uma boa parte da fama de Voltaire, e quase toda a fama de Piron. Depois veio a transformação dos costumes; a humanidade precipitou-se sequiosa destes gozos elevados, derramou-se a leitura, multiplicaram-se os teatros, desenvolveu-se o gosto, alargou-se imensamente a esfera da opinião pública. Os jornais entenderam e entenderam bem que deviam transportar para as suas colunas os salões do século passado; o folhetim substituiu a conversação. Janin e Gautier sucederam a Rivarol e Chamfort.
Ninguém melhor do que Julio César Machado compreendeu esta índole especial do folhetim, ninguem soube melhor do que ele fazer do folhetim uma conversação escrita. Nos dourados salões da velha aristocracia seria ele o conversador que chamaria todas as atenções, que provocaria um sorriso nos lábios do homem de Estado, as gargalhadas francas dos juvenis cortesãos, a predilecção das senhoras. Ninguém como ele saberia contar uma história, descrever uma situação cómica, excitar uma doce malancolia e apanhar com mais facilidade a feição alegre de um caso qualquer. Seria contagiosa a sua jovialidade, simpática a sua tristeza.
São as mesmas qualidades que tornam tão apreciáveis os seus folhetins, tão atraentes os seus ligeiros contos. É essa a glória que lhe cabe, nem ele aspira a outra. Esta geração de políticos, de negociantes, de homens enfastiados desfranze a testa vincada pelas preocupações prosaicas para o escutar com interesse, para se sorrir, para gastar longas horas a ouvi-lo, sem reparar em tal; mas não se esquece, depois de se ter entretido bastante, de se ter rido, de se ter comovido, de encolher os ombros e de dizer em tom magistral: "Que de frivolidades!"
Oh! Rivarol! Oh! Chamfort não era isso mesmo o que diziam os marquezes, os financeiros e os conselheiros dos parlamentos depois dos serões em que os deslumbráveis com o vosso cintilante espírito?
Os pedantes seguem-se ... e assemelham-se.
M. Pinheiro Chagas, Ensaios Críticos. Porto, Livraria Elysio, 1890. p. 93-95.
4 comentários:
João Jales, é um PRIVILEGIADO! Merecedor, sem dúvida, deste "esclarecedor"...aditamento. Parabéns a si, e a quem lho dedica!
É muito interessante esta comparação entre o papel dos folhetins de finais do século XIX e o do actual mundo dos blogues: e assim nasce uma tese histórica!
Quanto ao Jales, teve dois presentes, cada um por sua função: como comentador assíduo do blog "o que eu andei" e como dinamizador do blog dos antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão: nada mais justo!
Votos de Boas Festas também para o Jales!
-Isabel X -
Olá João Serra.
Este texto lembrou-me a atmosfera "proustiana". Muitas teclas serão debitadas sobre a presença dos blogues na sociedade actual. Muito pertinente o seu conteúdo, muito pertinente mesmo.
Está desfeito um mistério que me acompanhava: o João Jales (J.J.) do seu blogue é a mesma pessoa que dinamiza um interessante espaço "blogosférico" - antigos alunos do externato ramalho ortigão, que já visitei algumas vezes e onde li algumas deliciosas passagens sobre a época em causa - e é proprietário de uma loja onde sou um fraquito cliente, a excelente audiomanias.
Desejo ao João Jales umas boas festas e um feliz 2009.
Abraço.
Paulo Prudêncio.
Só a tradicional boa vontade e generosidade da época natalícia, aliadas ao poderoso efeito das lentes da amizade, podem explicar a generosidade das "ofertas".
Eu apenas me divirto a relembrar um passado que me é grato no blogue do Externato Ramalho Ortigão e a arreliar ocasionalmente o autor d' oqueeuandei com uns comentários a despropósito...Nada mais!
Mas é evidente que, apesar da minha falta de méritos, não posso deixar de agradecer o estímulo e a amizade com que tenho sido privilegiado.
Boas Festas, João.
E Boas Festas Isabel, Guidó, Manela, João RF e Paulo.
Enviar um comentário