domingo, 28 de fevereiro de 2010

Lembrança do Chile (Desolación, de Gabriela Mistral)

Desolación


La bruma espesa, eterna, para que olvide dónde
me ha arrojado la mar en su ola de salmuera.
La tierra a la que vine no tiene primavera:
tiene su noche larga que cual madre me esconde.


El viento hace a mi casa su ronda de sollozos
y de alarido, y quiebra, como un cristal, mi grito.
Y en la llanura blanca, de horizonte infinito,
miro morir intensos ocasos dolorosos.


¿A quién podrá llamar la que hasta aquí ha venido
si más lejos que ella sólo fueron los muertos?
¡Tan sólo ellos contemplan un mar callado y yerto
crecer entre sus brazos y los brazos queridos!


Los barcos cuyas velas blanquean en el puerto
vienen de tierras donde no están los que son míos;
y traen frutos pálidos, sin la luz de mis huertos,
sus hombres de ojos claros no conocen mis ríos.


Y la interrogación que sube a mi garganta
al mirarlos pasar, me desciende, vencida:
hablan extrañas lenguas y no la conmovida
lengua que en tierras de oro mi vieja madre canta.


Miro bajar la nieve como el polvo en la huesa;
miro crecer la niebla como el agonizante,
y por no enloquecer no encuentro los instantes,
porque la "noche larga" ahora tan solo empieza.


Miro el llano extasiado y recojo su duelo,
que vine para ver los paisajes mortales.
La nieve es el semblante que asoma a mis cristales;
¡siempre será su altura bajando de los cielos!


Siempre ella, silenciosa, como la gran mirada
de Dios sobre mí; siempre su azahar sobre mi casa;
siempre, como el destino que ni mengua ni pasa,
descenderá a cubrirme, terrible y extasiada.


Gabriela Mistral

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Doomsday Serenade


Jill Tracy (hoje, no Vila Flor)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Centenário da república

De forma discreta mas incisiva, a presidência da república, tem mantido sob a sua alçada a próxima visita do papa a Portugal. Foram os seus serviços a revelá-la, em primeira mão, causando um melindre injustificado junto da conferencia episcopal. Partiu deles igualmente a informação sobre o programa provisório da mesma visita.
Há de facto aqui uma coerente linha de actuação da parte de um órgão da soberania portuguesa perante o Vaticano e uma particular sensibilidade do Chefe do Estado Republicano face às circunstâncias politicas que justificam a vinda a Portugal do máximo representante da instituição com a qual a República portuguesa se incompatibilizou há 100 anos. Interessará saber como ambos os protagonistas actuais irão “celebrar” esse facto histórico, que obviamente não é estranho à escolha do ano de 2010 para uma visita papal à nossa república.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Todos somos madeirenses

As notícias e as imagens vindas da Madeira não cessam de nos interpelar. Admito que a tarefa de reconstruir e absorver nesse processo a lição da natureza seja complexa. Lançar obras sobre a devastação não é, em si só, a solução, mas não pode deixar de fazer parte da solução. O desafio de planear melhor, de realizar melhor, de fiscalizar melhor, aí está de novo - para uma região portuguesa que a democracia arrancou ao atraso e à etnografia para a fazer subir ao patamar do desenvolvimento do primeiro nível. É talvez por isso que não nos convence particularmente o argumento de que se não alardearmos a devastação recuperamos mais depressa a imagem externa. Como se hoje, quando todo o mundo já percebeu que não há regiões ao abrigo da destruição, para a imagem de um território não constitua um valor importantíssimo a boa administração, a capacidade de resposta em situações de emergência, o funcionamento dos serviços básicos, a adopção generalizada do princípio da precaução, o sentido de entreajuda.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

À janela de Pierre Bonard

Pierre Bonard, La Fenêtre, 1925

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A cidade de Max Ernst

Max Ernst, La Ville Intière, 1934.

Só?

Fernando Nobre:
"Acredito, sincera e profundamente que um homem livre, só e independente, pode servir melhor o país, nesta altura tão difícil e sensível para Portugal."

domingo, 21 de fevereiro de 2010

À prova

Os relatos da rádio e as imagens da TV são impressionantes. Vi nos últimos anos alguns cenários de destruição causada pela chuva, pelo vento ou pelo mar, em território português, nomeadamente das regiões insulares, mas nada que se assemelhe ao que se passou no Sábado na Madeira. Para quem conhece bem a cidade do Funchal, deambulou pela sua baixa e calcorreou as suas ruas íngremes, o que se vê é absolutamente chocante. Percebe-se, aliás, que o que se mostra não pode deixar de ficar muito aquém da realidade. Não se mostra o horror a a impotência humana perante a torrente de água, lama, pedregulhos e árvores lançados em fúria contra as casas, rompendo as estruturas urbanas. Não se o mostra olhar atónito e confundido perante o confronto entre a memoria do que era e o amontoado actual de destroços. Não se mostra ainda o que ficou sepultado sob os diversos elementos que desabaram com fragor em cima das casas, das pessoas e das suas vidas.
A violência do acontecido pôs à prova não apenas a capacidade de decisão dos responsáveis políticos e operacionais, o seu talento e empenho pessoais. Pôs à prova também, neste caso específico, o modelo de funcionamento institucional da autonomia, que tão mal tratado (ou desbaratado) tem sido nos últimos anos e sobretudo após a (a meu ver desastrada) revisão constitucional de 2005. O sinal oriundo do Primeiro Ministro e do Governo foi muito positivo. E o Representante da República? Que papel lhe outorgam as partes envolvidas neste nexo de dois sentidos que é a solidariedade de República para com as suas autonomias?

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Manuel Mafra

Visitei hoje, a insistência amiga de Mário Tavares, a exposição que o Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha fez de peças de Manuel Mafra da colecção de João Maria Ferreira. Tendo recebido um poderoso estímulo com a Exposição que sobre o mesmo autor foi inaugurada em Maio de 2009 naquele Museu, este coleccionador caldense desenvolveu recentemente esforços de aquisição de peças de Manuel Mafra, basicamente provenientes do mercado britânico. O resultado é notável. Ficamos a conhecer melhor métodos e modelos deste ceramista inovador que revolucionou o centro cerâmico caldense nas décadas de 60/80 do século XIX, abriu caminho ao projecto da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (1883/84) e à fixação nesta vila de Rafael Bordalo Pinheiro (1884/85), e foi significativamente valorizado nos mercados europeus da louça naturalista do seu tempo. Aqui ficam alguns testemunhos da colecção.














sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

À janela de Bryan Wynter

Bryan Wynter - Window Through Silence

Bibliografia

O meu último fetichismo
Fui a Boston a um congresso e perdi-me outra vez na enorme sala de exposição de livros. Não resisti. Saí de lá doutor, que é como a má-língua lusitana chama um burro carregado deles. Agora, estão aí pelo chão. Não tenho onde pô-los.
Ainda não me chegaram os volumes que remeti de barco aquando da minha última passagem por Lisboa, e uma amiga minha que lá foi passar o Natal levou já uma nova lista de encomendas. Só falta dizer que, antes de começar esta crónica, estive na minha casa local de prostituição - a livraria da universidade, onde enterro o dinheiro do meu vício. Costumo dizer que foi nela que me formei, mas sai cara uma formatura dessas. Nunca mais tem fim. Há sempre um livro excitante a piscar-me o olho de uma prateleira. Como há também sempre um amigo a impor-me a obrigação cultural de ler a obra X, e um colega a insistir no não poder eu deixar de conhecer o livro Y. Adquiro-os. Vão para os montes de livros a ler urgentemente. Pelo menos até me desencantarem e lhes procurar um espaço no estante.
Creio já ter revelado algures esse segredo íntimo: não tenho, de facto, livros virgens, mas muitos ficaram-se no primeiro encontro. Ou desencontro. Na livraria, no catálogo, ou na recensão do crítico pareciam tão apetitosos. Vai a gente comprá-los, começa a lê-los e... eis mais um a ocupar espaço nas prateleiras. Isto é, quando havia. Agora, vão ficando também pelo chão a estender a cordilheira dos que lá estavam.
Isso! É o espaço - ou a falta dele - que queria choramingar aqui. Não sei que mais fazer e talvez algum leitor tenha qualquer solução engenhosa. Porque uma casa pode ter uma biblioteca, mas não é uma biblioteca. De vez em quando, faço uma ronda às prateleiras, encho dois ou três caixotes dos aparentemente mais dispensáveis e levo-os para a garagem ou para o sótão. Evidentemente que no dia seguinte é infalível eu precisar de um deles. Pior ainda: necessito exactamente do que ficou mais no fundo do caixote.
[...] Durante anos lamentei-me dos livros emprestados que não me eram nunca devolvidos. Queixa unilateral, admito, porque sou infractor grave neste domínio perante a biblioteca da universidade. Os professores têm direito a reter em casa os livros durante oito meses, ao fim dos quais o computador central envia directamente para o correio um aviso a notificar o término do prazo e a solicitar a devolução do livro em causa, ou a renovação do contrato por mais oito meses. Nas bibliotecas acontece-me como nas livrarias - essa vontade enorme de ler os livros todos, mas que, ao chegar a casa, enfraquece por haver outros mais interessantes ou obrigatórios na frente. Acabo decidindo ficar com eles por mais oito meses. E outros tantos. E outros mais. Uma vez que o sistema computorizado me permite receber um aviso em casa quando outro utente necessita do livro, não dá para ter remorsos. Se não chega nenhum, eles vão ficando. A encher as prateleiras e o chão.
[...] Há tempos para cá deixei de queixar-me de não me devolverem os livros. Ao menos tenho mais espaço. É uma solução triste. Pior: uma resignação. Acabei aos poucos por desprender-me desse meu último fetichismo. (Livre-se algum credor de livros meus, que esteja a ler esta crónica, de acreditar nisso! Tenha vergonha e devolva-me já o que não lhe pertence!) Podem levar todos um por um. Bem, com a excepção de um que não me pertence. Aliás, de livro tem só a aparência externa. É um estratagema para esconder algumas jóias da minha mulher. Adquiriu-o não sei onde. Por fora, tem todo o aspecto de um livro encadernado. Abre-se e o recheio é outro. O truque tem resultado e creio assim continuará, pelo menos enquanto não houver ladrões bibliómanos.
Roubar livros é coisa rara, mas acontece. Um dia, num aeroporto, chega-me a bagagem com falta de um caixote de livros. Ninguém sabia do seu paradeiro. Mandaram-me voltar no dia seguinte. E no outro. E no outro. Já a barafustar com a ineficácia dos serviços e o ar de importância aparvalhada do funcionário, dou de repente com um volume num canto do escritório, semiaberto e com falta de livros. Todo defensivo, o homem garante-me da sua honestidade e dos seus funcionários. Aceitei prontamente a palavra. Não. Nada neste mundo me faria acreditar que teria sido ele ou alguém daquela repartição. Quem dali teria qualquer interesse em roubar livros? - acalmei eu o senhor.
Levem-mos, pois, emprestados. Arranjem-me espaço. Sempre é uma solução melhor do que a sugerida pelo Jimmy, o encarregado da limpeza do meu gabinete na universidade. Ao ver-me uma vez completamente sepultado entre papéis e livros, e ao ouvir-me pedir-lhe desculpa daquele cenário, alegando incapacidade de dar conta de tanta tralha, comentou: "Se fosse eu, resolvia isso tudo num instante." Levantei a cabeça à espera do segredo, que, após breve pausa, lhe saiu lacónico e (suponho) convicto: "Com um fósforo!"
Almeida, Onésimo Teotónio, Que nome é esse, ó Nézimo? E outros advérbios de dúvida. Edições Salamandra, Lisboa 1994, pp. 43-47.

Resiliência

Termo que agora entra no vocabulário politico, depois de ter sido pedido de empréstimo pela psicologia à física. Nos diversos campos semânticos designa capacidade de recuperação do equilíbrio anterior por parte de corpos que foram sujeitos a tensões deformadoras. O ser humano é capaz de integrar o stress, de manter altos níveis de performance agindo sob pressão, em condições adversas. Não se trata de mera resistência à adversidade, mas de assentar a capacidade de realização no próprio combate aos obstáculos e ameaças.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mário Crespo visto da Presidência da República

Nunes Liberato, Chefe da Casa Civil do Presidente da República, em carta de 8 de Janeiro endereçada ao director de informação da SIC, agora tornada pública :
Ora, na medida em que tal prática é imputada a uma instituição como a Presidência da República, cumpre-me informar que os factos referidos pelo jornalista Mário Crespo são absolutamente falsos e não possuem a mínima correspondência com a realidade.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Luiz Pacheco na Biblioteca Nacional

Na Biblioteca Nacional, a exposição sobre Luiz Pacheco alimenta-se do espólio do escritor, mas não contextualiza, não historia, não discute, não critica os materiais de que dispõe e a obra do autor. E ignora quem o fez ou faz. Passa ao lado, desatenta, do trabalho anteriormente efectuado, com desvelo e rigor, pela Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Na Modern Tate (2)

Francis Bacon (Seated Figure, 1961) e Anish Kapoor (Ishi's Light, 2003).

Este "face to face" introduz a exposição da colecção permanente na ala intitulada "Material Gestures". Confrontam-se pintura e escultura, separadas por 4 décadas, enfrentam-se dois enquadramentos, um quadrangular outro oval, reflectem ambos uma deformação intima que atrai o olhar. 

domingo, 14 de fevereiro de 2010

sábado, 13 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cheshire Cat

O gato de Alice recriado por Tim Burton.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

White Queen

TimBurtonland colonizou o Wonderland de L. Carroll.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Prémios

Dois motivos particulares de regozijo na atribuição dos prémios da Sociedade Portuguesa de Autores: melhor coreografia para Madalena Victorino e melhor encenação para Orelha de Deus, de Cristina Carvalhal, um co-produção Culturgest/Causas Comuns/ Teatro Oficina (Centro Cultural Vila Flor, Guimarães).

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Agamben - A ideia da felicidade

Em todas as vidas existe qualquer coisa de não vivido, do mesmo modo que em toda a palavra há qualquer coisa que fica por exprimir. O carácter é a obscura força que se assume como guardiã desta vida intocada: vela atentamente por aquilo que nunca foi, e, sem que o queiras, inscreve no teu rosto a marca disso. Por esta razão, a criança recém-nascida parece já ter semelhanças com o adulto: de facto, não há nada de igual entre esses dois rostos, a não ser, num como no outro, aquilo que não foi vivido.
A comédia do carácter: no momento em que a morte arranca das suas mãos o que estas tenazmente escondem, aquilo de que se apodera é apenas uma máscara. Neste momento, o carácter desaparece: no rosto do morto já não há marcas do que não foi vivido, as rugas gravadas pelo carácter alisam-se. Assim se brinca com a morte: ela não tem nem olhos nem mãos para o tesouro do carácter. Este tesouro - aquilo que nunca foi - é recolhido pela ideia de felicidade. Ela é o bem que a humanidade recebe das mãos do carácter.

Giorgio Agamben, A Ideia da Prosa. Lisboa, Cotovia, 1999. p. 89.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tempo de vésperas

Ninguém espera ser surpreendido. Os adversários espreitam-se à espera do benefício dos erros alheios.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Elogio da ansiedade

Desde que Freud disse que todas as neuroses vêm da ansiedade passamos a ter um entendimento cultural de que a ansiedade é uma coisa tóxica. Não é. Todos nós somos ansiosos. Faz parte da condição humana, tal como ficar cansado, errar, sentir-se culpado, frustrado ou envergonhado. Não existe civilização em que ninguém fique ansioso. A ansiedade tem vantagens. As pessoas ansiosas são muito responsáveis e conscientes. Quando eu selecionava meus assistentes de investigação, sempre que possível optava por jovens ansiosos, tímidos e introvertidos, porque eles trabalham com afinco e erram menos. Há pessoas ansiosas simplesmente brilhantes.
[...] Uma pessoa pode ser intensamente ansiosa, mas, se ela consegue trabalhar, relacionar-se no casamento, cumprir seu papel de pai ou mãe, não há problema. A ansiedade será um problema se atingir um estágio clínico, no qual vira doença, a super-ansiedade. Só será problema para quem acha que é um problema. Conheço indivíduos altamente ansiosos que não interpretam sua condição como problema. Entendem que a vida é assim mesmo e estão satisfeitos.
Jerome Kagan

Entrevista publicada pela revista Veja, S. Paulo, 3 de Fevereiro de 2010, p. 15, 18.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O 5 de Outubro

Por iniciativa da colega (e antiga aluna) Nídia Moura, estive em Leiria, no auditório da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, para animar um encontro com professores sobre o tema "O 5 de Outubro na Imprensa Internacional". Oportunidade para passar em revista o tema da política externa dos republicanos e da República, nas suas diversas condicionantes: a dinâmica dos equilíbrios entre as grandes potências, a questão financeira, a questão colonial, a Espanha, a aliança inglesa, uma república entre monarquias, a legitimação internacional do novo regime, a guerra.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A bandeira de Nikias vista por J. Medeiros Ferreira

No seu novo blogue, Cortex Frontal, José Medeiros Ferreira refere-se assim ao acontecimento que é a "Bandeira" de Nikias Skapinakis:
A Bandeira como Aviso
Ontem, na antiga cadeia da Relação do Porto, foi inaugurada uma exposição que marcou o início das celebrações do centenário da República. Impressionou-me particularmente um quadro de Nikias Skapinakis alusivo ao acontecimento, tendo como tema as cores da bandeira nacional, intitulado Paisagem, em que se conjugam, horizontalmente e sem se confundirem, o verde como terra, o vermelho como céu e o amarelo como sol, em parte coberto por uma nuvem negra em que o olhar se fixa e se interroga.
Skapinakis explica num texto que distribuiu:
«Em última análise, parece-me que a pintura contém um aviso ao poder: poder económico, político, militar, religioso, no sentido de que o negrume pode tapar o sol ainda de esperança e extinguir não só a liberdade, mas a identidade dos portugueses».
A ver e a meditar. Estou convencido que este quadro de Nikias marcará as comemorações do centenário, e a história da pintura portuguesa contemporânea.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A paisagem-bandeira de Nikias


Reconheça-se em primeiro lugar que Nikias Sakapinakis resolveu primorosamente o problema que lhe tinha sido colocado: fazer um quadro sobre a bandeira. Pintou uma paisagem: o campo verde, o céu vermelho, o sol amarelo. Manchas de cor, segundo as "regras abstractas da pintura", como o próprio refere no texto que acompanha a exposição patente na Cadeia da Relação, no Porto. Poderia ter dito de outro modo, segundo as regras da pintura abstracta. As cores da bandeira, o vermelho e o verde, a contemplação e a acção, a estética e a ética, a razão e a emoção. O amarelo que preside e regula, que ilumina: o futuro. O elemento novo, que o autor introduz com grande eficácia é a nuvem em forma de garra. O negro, a ameaça que paira sobre a paisagem. Chegou, está de passagem? Não sabemos.
Para Skapinakis, a interpretação é válida para as três Repúblicas (o autor defende que estamos na terceira e não na segunda): em todas elas, a mancha negra pairou sobre as aspirações de liberdade. Discordo de Nikias apenas num ponto: o regime a que chama de Segunda República inverteu a relação entre as diversas manchas de cor. A mancha negra não se limitou a exercer ameaças, ela ocupou o coração da paisagem.