quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Desfeita a ficção do tempo

Publiquei aqui, há cerca de 3 anos, um poema de Idea Vilariño onde a descontinuação do amor é assimilada à interrupção da própria vida. Não te verei morrer, diz a autora: não serei tua companheira.

Ya no

Ya no será,
ya no viviremos juntos, no criaré a tu hijo
no coseré tu ropa, no te tendré de noche
no te besaré al irme, nunca sabrás quien fui
por qué me amaron otros.

No llegaré a saber por qué ni cómo, nunca
ni si era de verdad lo que dijiste que era,
ni quién fuiste, ni qué fui para ti
ni cómo hubiera sido vivir juntos,
querernos, esperarnos, estar.

Ya no soy más que yo para siempre y tú
Ya no serás para mí más que tú.
Ya no estás en un día futuro
no sabré dónde vives, con quién
ni si te acuerdas.

No me abrazarás nunca como esa noche, nunca.
No volveré a tocarte. No te veré morir.

Idea Vilariño



Num poema de juventude, Jorge Luís Borges, toca, de outra forma, o mesmo tema.

Amorosa antecipación

Ni la intimidad de tu frente clara como una fiesta 
ni la costumbre de tu cuerpo, aún misterioso y tácito y de niña, 
ni la sucesión de tu vida asumiendo palabras o silencios 
serán favor tan misterioso 
como el mirar tu sueño implicado 
en la vigilia de mis brazos. 
Virgen milagrosamente otra vez por la virtud absolutoria del sueño, 
quieta y resplandeciente como una dicha que la memoria elige, 
me darás esa orilla de tu vida que tú misma no tienes, 
Arrojado a quietud 
divisaré esa playa última de tu ser 
y te veré por vez primera, quizá, 
como Dios ha de verte, 
desbaratada la ficción del Tiempo 
sin el amor, sin mí.

Jorge Luís Borges

2 comentários:

Isabel X disse...


Considero muito impressionante a comparação aqui presente destes dois poemas. O que poderia vir a ser ou poderia ter sido, um amor interrompido ou que não chegou a ser.

Muito impressionada andei eu durante muito tempo pela literatura de Jorge Luís Borges, autor fundamental para mim. Tanto que escrevi eu mesma um poema em que glosava a ideia aprendida em seus poemas de que o tempo era uma ficção.

Dizia assim então:

"Já dissipada está a ficção do tempo/ A morte enrolou-se a cada instante/ A noite mais longa transporta no vento/ Um coro de estrelas em prece distante

É a hora da penumbra da manhã/ Única em que Deus ainda visita o mundo/ Todas as restantes horas são a vã/ Memória alada de um distúrbio fundo

E é profunda a melancolia em redor/ Não sei se eu a crio se vem ter comigo/ Sei que o próprio espaço constrói arredores/ Subúrbios indistintos do meu ser, fascínio

Desconfio às vezes que a loucura é isto/ ouvir-me e em mim outro que fala/ Espelho de mim msma à vida conquisto/ Mas só no destino em que a morte cala

O distante próximo de cada momento/ Nada que é completo, vazio de opostos/ Do que não chega a ser, o pressentimento/ Suores da alma a alheios olhars expostos

Não sei se do que a alma padece o corpo sabe/ Nem se do que o mundo sofre a alma sente/ Sei que o vento sopra, a chuva chove e o sol há de/ Romper a noite com sua luz quente.


Peço desculpa, João, pelo abuso. Grata pelo post.

- Isabel X -

S. J. disse...

Pedindo desculpa por contradizermos o autor do blog, parece-nos que, se o tema dos dois poemas poderá ser o mesmo, na verdade estamos perante dois discursos amorosos intrinsecamente diferentes.
O primeiro poema não pode deixar de soar como uma ameaça: é a constatação de uma ruptura inevitável, ditada por um acto voluntário do sujeito poético, ou pelo pré-aviso de uma morte anunciada.
O segundo poema é uma sumptuosa declaração de amor: a sugestão de uma forma de presciência e de "pósciência" que, para lá da distância, do tempo e da morte, aproxima do olhar divino a forma como o ser amante vê, sem já precisar de o ver, o ser amado.