sexta-feira, 5 de agosto de 2011

M'espanto às vezes, outras m'avergonho


Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.


Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.


Que, tornando ante vós, senhora, tal,
quando m'era mister tant'outr'ajuda,
de que me valerei, se alma não val?


Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Sá de Miranda: Poesia e Teatro. Selecção, Introdução e Notas de Silvério Augusto Benedito. Lisboa, Ulisseia, 1989. p. 163.

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

Que do tempo o próprio tempo fez-se regra.