quinta-feira, 5 de novembro de 2009

As cidades de Claude Levi-Strauss

Não é portanto apenas de maneira metafórica que é possível comparar - como se fez muitas vezes - uma cidade a uma sinfonia ou a um poema; são objetos de natureza idêntica. A cidade, talvez mais preciosa ainda, situa-se na confluência da natureza e do artifício. Congregação de animais que encerram a sua história biológica nos seus limites, modelando-a ao mesmo tempo com todas as suas intenções de seres pensantes, a cidade provém simultaneamente da procriação biológica, da evolução orgânica e da criação estética. É ao mesmo tempo objecto de natureza e sujeito de cultura; indivíduo e grupo; vivida e sonhada; a coisa humana por excelência.

Claude Levi-Strauss, 
Tristes trópicos. Lisboa/São Paulo, Ed. 70/Martins Fontes, 1981. p. 117. [1ª edição: 1955].
Tristes Trópicos é uma obra constituída pelos cadernos de campo do antropólogo francês - que acaba de falecer com quase 101 anos - redigidos durante as suas visitas ao interior do Mato Grosso, entre 1930 e 1935, período em que residiu em S. Paulo.

8 comentários:

Isabel x disse...

Morrer quase com 101 anos é obra! Deus me livre! Parece-me obra demais para um pobre ser humano...

Houve uma época da minha vida em que muito me interessei pelo estruturalismo e pelos estruturalistas, mas não particularmente por Claude Levi-Satrauss. O meu autor de eleição era Lucien Goldmann: "Le Dieu Caché" - (onde é que isso já vai?)

Não me custa achar interessante esta citação do autor, tanto mais que já o honra a morte, que tudo e todos engrandece em sua própria majestade.

Mas pergunto: não era ele que considerava a antropofagia uma acto de tanto valor como qualquer outro, considerado civilizacional pelo pensamento dominante, de tão estruturalista que era?
- Isabel X -

João B. Serra disse...

Aparentemente (mas quem sou eu para sondar estes mistérios?), o responsável por tamanha longevidade não foi o Claude, mas precisamente o Senhor do "Deus me livre".
Sei que não se pode voltar atrás, mas talvez devesse dar mais atenção a este pensador que gostava mais dos homens que dos filósofos, mais da humanidade que dos salvadores, mais da natureza que da cultura, ou pelo menos tanto de uma como da outra.
A sua pergunta final é produto de um preconceito, mais ou menos da família daquele que condenou Galileu. Ou estou a exagerar? Também neste caso, o que ele dissera exactamente pouco importava desde que uma determinada evidência pudesse ser mantida.
O século XX não tem lições de civilização a dar a nenhuma época da história da humanidade, nem se caracterizou por nenhuma especial consideração pela vida humana. Ao contrário: o rasto de horrores não tem paralelo nos 50 milhões de anos de Sapiens Sapiens.

Isabel X disse...

A minha pergunta final não se deve ao preconceito, mas à ignorância, que confesso logo no início do meu comentário. Perguntei na esperança de que me respondessem, ensinando-me aquilo que eu não sabia. Em vez disso, sou acusada de preconceituosa, eu que só quero aprender com quem sabe mais do que eu! E mais: sou acusada de a minha atitude se aparentar com a dos inquisidores que condenaram Galileu.
Só mesmo uma grande amizade para sobreviver a semelhante acusação...
Muito mais do que exagerada, injusta e cruel.
Mas vou ler Claude Levi-Strauss, sim. Contribuir para o aumento de vendas que os livros dos autores recem-falecidos sempre sofrem.
Não se deve falar daquilo que não se conhece directamente, mas apenas por interpostos autores.
Subscrevo inteiramente o seu último parágrafo, João.
Mas pergunto ainda, teimosa (e preconceituosa) que sou:
Se podemos considerar valor a certas práticas como aquela a que eu aludia na minha preconceituosa pergunta, porque não "dar um desconto" aos inquisidores que condenaram Galileu no século XVII?
Já eu ter atitude idêntica em pleno século XXI é que não tem desculpa nenhuma, reconheço.
- Isabel X -

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Viva.

Quando penso em Claude Levi-Strauss vem-me muitas vezes ao pensamento a seguinte expressão: nu e cru.

Abraço.

João B. Serra disse...

Caro Paulo, julgo que quer dizer: cru e cozido.

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Viva João.

Fez-me rir com vontade: obrigado; e bem que precisamos do humor.

Sim, tem razão o João. Nu e cru seria parcial, embora um estado tanto inicial como final. Cru e cozido estará mais próximo do convencimento humano e da crença que sustenta um qualquer carpe diem. Mesmo a chama que nos impele na busca permanente do lugar que não existe e da crença que contraria a irremediável solidão dependem mais do cru e cozido do que que do nu e cru; obviamente :) e ainda bem.

Abraço.

Rui disse...

Só vos digo: se as produções fictícias passam por aqui contratam-vos a todos.

Isabel X disse...

O Rui é que tem razão! Devemos sempre rir,principalmente das coisas (aparentemente) sérias!
- isabel X -