quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Guia para as Caldas (uma proposta)

Caro visitante: está disponível para percorrer a cidade, descobrir os sinais do tempo, dialogar com aqueles que a construíram no passado e que a fazem hoje, eventualmente participar na identificação das opções e desafios que se colocam ao seu futuro?
Prepare-se então para deambular pelas suas ruas, entrar nas suas lojas, voltear no seu mercado matinal, descobrir o seu Parque, espreitar as suas Termas, soltar a curiosidade nos seus museus, apreender as modalidades da sua cerâmica, saborear os seus comeres, observar as suas aldeias da meia encosta, sentir a maresia forte da Foz do Arelho.
As ruas das Caldas contam várias histórias: a história do urbanismo, do século XVI até ao século XX, a história do azulejo, das suas técnicas e dos seus reflexos; a história da edificação e da arquitectura (com interessantes apontamentos, sobretudo “arte nova”).
Levam o visitante junto dos elementos patrimoniais mais significativos e permitem que “se perca” no seu pequeno centro histórico, com as suas ruas estreitas e as suas capelas antigas.
As lojas das Caldas ainda contêm surpresas, numa era de globalização. Nas Caldas há uma rua cujo nome oficial é praticamente desconhecido, de há tanto se chamar Rua das Montras.
A Praça da República, ou simplesmente a Praça, tem duas faces: manhã bem cedo enche-se de vendas de frutas, legumes, flores, cestos, azeitonas, frutos secos, ovos, pão, queijo e bolos regionais, alguma cerâmica brejeira. É um mercado de ar livre que diariamente se faz e desfaz. Por volta das 13 horas começa a recolha dos elementos de exposição e dos restos. Após a limpeza, de tarde e à noite, Praça é outra, ponto de encontro ou de passeio.
Construído na década de 90 do século XIX, o Parque das Caldas foi um dos primeiros equipamentos da modernização termal da época. Tem uma dimensão invulgar e uma arborização acolhedora. No seu lago reflectem-se os chamados Pavilhões do Parque, exemplar de uma arquitectura talvez exótica, mas a que se colou, nomeadamente na perspectiva do seu reflexo nas águas paradas do Lago fronteiro, uma das imagens mais divulgadas da cidade.
O Parque surge na continuidade do Hospital Termal, que há muito ambiciona reservar o Largo que os separa ao trânsito pedonal. 
Caro visitante, se se queixa de doença do foro reumatismal ou do foro respiratório, estas são provavelmente as Termas que lhe convêm e talvez seja aconselhável proceder a inscrição. Se não for esse o caso, ponha os objectos de ouro e prata em bom recato (o enxofre ataca os metais) e enfrente decididamente o odor inconfundível das águas sulfúreas. Recolha-se por momentos na piscina da Rainha e inspire-se nas palavras que D. João V lhe quis dirigir ("Tu, que a esta casa te acolhes, imita-os – os fundadores – quanto puderes e não te arrependerás"). Em seguida, visite a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, datada de 1500, “bela e pequena jóia da nossa arte tardo-gótica”, como foi classificada por um historiador de arte. Tudo nela suscita a atenção: dos aspectos construtivos da abóbada ao revestimento azulejar, da pia baptismal à porta da sacristia, do tríptico colocado no arco triunfal até à torre sineira.
A instituição dispõe de um Museu, centro expositivo e interpretativo onde pode seguir, através da pintura, da escultura, da paramentaria, de instrumentos e aparelhos médicos e hospitalares os passos principais da história das Termas e da própria cidade cuja criação impulsionaram.
Os Museus das Caldas dispõem de boas colecções de pintura e escultura portuguesas do século XIX e XX. Refiro-me ao Museu de José Malhoa e aos museus Municipais de António Duarte, João Fragoso e Barata Feyo. Mas devo prevenir que alguma escultura contemporânea, designadamente a que provém da actividade dos Simpósios de Escultura em Pedra promovidos pela Câmara Municipal de dois em dois anos, se encontra em espaço público dispersa pela cidade. A Câmara também prepara a criação de um Atelier com uma colecção de obras do artista plástico e ceramista Ferreira da Silva. Alguns dos seus trabalhos cerâmicos podem ser admirados em espaços públicos da cidade.
A cerâmica caldense também pode ser vista em Museu. O Museu de Cerâmica está instalado num palacete revivalista construído nos finais do século XIX que, só por si, pede visita. Apesar dos condicionamentos do espaço, a colecção exposta é (sempre) surpreendente. Há uma fábrica que dispõe de Museu próprio: a Bordalo Pinheiro, fundada em 1908, herdeira do nome e dos modelos do maior ceramista português. Outras mais recentes, apostadas em novos produtos e formas, como a Molde, também merecem uma visita, tal como o Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, que desde meados da década de 1980 tem acompanhado os vários caminhos da renovação industrial. No mesmo passo se poderá inserir a Escola Superior de Artes e Design, uma escola em cuja origem a cerâmica marca presença. É um edifício premiado.
A oferta cultural é assegurada nas Caldas por um grupo teatral residente, o Teatro da Rainha, por um Centro Cultural municipal com uma programação diversificada, e por diversas associações culturais. O visitante pode estar certo de que terá sempre uma proposta interessante à sua espera.
A cidade dispõe no campo da gastronomia de uma oferta sólida. As suas pastelarias são recomendáveis nos doces tradicionais: trouxas e cavacas. Pode-se encontrar comida internacional de excelente confecção, nomeadamente italiana. Há restaurantes de comida regional nas Caldas, na Foz do Arelho e em diversas aldeias. Neste caso, é possível combinar uma excursão gastronómica com a observação da paisagem agrícola e patrimonial, pois algumas das sedes de freguesia do concelho foram até ao século XIX vilas dos coutos da abadia cisterciense de Alcobaça.
Mas se o visitante for daqueles que não pode passar sem o mar, então a Foz do Arelho é o lugar certo, com a presença forte do Atlântico, e, se a neblina o não impedir, o horizonte povoado da península, outrora ilha, de Peniche e das Berlengas. Não o devo porém deixar sair da Foz sem lhe propor que suba lentamente a encosta da Lagoa onde hoje se encontram as magníficas instalações da Fundação Inatel. Aí, sentado na varanda, onde Francisco Grandela outrora sonhava com uma nova Veneza, é o momento de o seu coração serenar enquanto o sol se põe no horizonte.
Pode ficar aí mesmo, no Inatel. Mas a cidade dispõe de dois hotéis de três estrelas e três boas residenciais, e ainda de um turismo de habitação, em pleno centro histórico, além de turismos rurais nas imediações e na Foz do Arelho.
Há sempre, claro, Óbidos, com o seu ambiente intimista, onde uma verdadeira movida enche os seus cafés e bares aos fins de semana (e toda a semana durante o Verão). A noite começa lá. E pode lá acabar, claro. Mas também pode acabar na Foz do Arelho, onde as discotecas se tornaram já verdadeiros lugares de culto.

3 comentários:

sabel X disse...

Belíssimo Guia este que o João fez para as Caldas: descrição exaustiva, hipóteses diversificadas, estilo vivo e estimulante. Até a mim me apetece ser turista nas Caldas! Pensando melhor, até talvez seja apenas o que me apetece ser nas Caldas!
- Isabel X -

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Subscrevo o comentário da Isabel X. Fez-me mesmo sorrir: senti exactamente o mesmo.

Abraço.

Isabel X disse...

Andamos muito em sintonia, Paulo, não imaginas quanto isso é gratificante para mim! Nem sempre consigo despertar nos outros esse tipo de afinidade. Tratando-se de sorrir, então, fico feliz mesmo!
- Isabel X -