quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Civilização

Vamos hoje ao Prado! – escrevia Júlio César Machado em 1865. Um provérbio diz “Quem não viu Sevilha não viu maravilha”; outro poderia dizer de Madrid: “Quem não foi ao Prado não tem passeado”.
É ao cair da tarde, é ao despedir do sol, é a hora serena e poética em que já se pressente a noite com a sua indolência, os seus segredos, e o seu misterioso coquetismo, que o estrangeiro indo a este sítio encantado pode fazer ideia da fisionomia da população de Madrid!
Parece que o Prado foi noutro tempo um parque disposto sem graça nem simetria, até que por influência do conde de Aranha se renovou tão feiticeiro lugar, que já havia sido testemunha de mil aventuras amorosas e politicas, duelos e assassinatos; tornou-se o terreno plano, abriram-se ruas regulares, levantaram oito fontes monumentais e transformaram-no desta forma num lindíssimo passeio.

Júlio César Machado, Em Espanha. Cenas de Viagem. Lisboa, 1865. P 151-152.

Em 2009, o escritor Antonio Muñoz Molina celebra
uma manhã de Agosto em Madrid, sentado ao fresco dos gigantescos plátanos e magnólias do Passeio do Prado que é uma das ilhas mais indiscutíveis de civilização que podemos encontrar numa cidade europeia e por onde passo tantas vezes a caminho de algumas das instituições mais civilizadas que conheço: o Museu do Prado, a Real Academia, o Thyssen, o Botânico, o Rainha Sofia, as livrarias de livros antigos das costa de Moyano, sem esquecer o acrescento mais recente, a extraordinária sede da Fundação La Caixa, com o seu jardim vertical e os seus velhos muros de tijolo como que suspensos no ar, uma nave industrial de há cem anos erguida sem peso na cidade do presente.
Antonio Muñoz Molina, “Ciudades sin civilización”, El Pais, Babelia, 22 de Agosto de 2009.


1 comentário:

Isabel X disse...

Aqui se aprende que civilização sem "..." só em ilhas dentro de algumas cidades: Madrid, neste caso.
É uma ideia muito interessante e que convida à reflexão.
No primeiro texto podemos descobrir como se originou a ilha de que fala o segundo.
Publicar em conjunto os dois textos, separados pelo tempo (mais de um século) e juntos pelo lugar a que aludem, torna mais real e visível que é de uma ilha que se trata.
Resistiu ao tempo e por isso se fez ilha de civilização? Ou a civilização só pode mesmo acontecer em ilhas e é nelas que resiste ao tempo?
- Isabel X -