quarta-feira, 25 de abril de 2012

Registo

As cidades de Nuno Portas

O significado que em Guimarães 2012 se atribuiu ao projecto “O ser urbano – caminhos de Nuno Portas”  merece ser sublinhado. Comissariada pelo Professor Nuno Grande, a exposição propõe-se redescobrir os contributos de Nuno Portas para perceber e intervir na cidade actual.
Da cidade e de cidades se ocupa Nuno Portas em mais de meio século de vida profissional intensíssima, conjugando múltiplos saberes e cruzando diversas geografias. Arquitecto de formação, intelectual cosmopolita por vocação, foi, na sua geração, dos primeiros a integrar o entendimento de que a cidade é um fenómeno global e de que ao arquitecto se exige uma visão do território e uma percepção dos seus componentes e distintos ritmos, necessariamente alimentada pelo conhecimento interdisciplinar. Num dos seus primeiros estudos, A Cidade como Arquitectura, editado em 1969 com prefácio de Fernando Távora, Nuno Portas punha em causa o conceito de arquitectura como elemento fundador da cidade, para preferir o de intervenção arquitectónica, num território urbano caracterizado pela complexidade, pela fragmentação e pela incerteza. Ou, dito de outro modo, a arquitectura para Nuno Portas (como diria mais tarde numa entrevista a Thierry Paquot) só faz sentido com as pessoas e os respectivos modos de dela fazerem uso.
A presente exposição não é, consequentemente, a convencional mostra dos trabalhos elaborados num ateliê de arquitectura. Em primeiro lugar, porque Nuno Portas à actividade de arquitecto, soma a de urbanista e consultor de planeamento, ao exercício da docência acrescenta a participação directa na actividade politica, tanto em pastas governativas como em funções autárquicas. Muito embora da actividade como arquitecto tenha resultado o desenho de algumas das mais importantes peças da arquitectura portuguesa contemporânea, o fio que conduz esta exposição é o da reflexão sobre a cidade e os seus pontos de aplicação, da arquitectura propriamente dita ao projecto urbano, do urbanismo à politica urbana e territorial.
Professor de Urbanismo da Faculdade de Arquitectura do Porto desde 1983, para a qual foi convidado por Fernando Távora, a rota de Nuno Portas trouxe-o a partir de então até ao Vale do Ave e a Guimarães, onde precisamente Fernando Távora se ocupava do Plano Geral de Urbanização, concluído em 1982. Em 1985 coube-lhe apresentar as Normas Provisórias do Plano Director Municipal de Guimarães, um trabalho iniciado dois anos antes.
A observação do sistema de ocupação urbana do território do Vale do Ave propiciou a Nuno Portas a especificação de aspectos nucleares não só do seu modo de entender a natureza, alcance e limites do planeamento, como da teorização da evolução da cidade contemporânea, onde coexistem cidade histórica e compacta, cidade “com modelo”, e cidade difusa e periferia, cidade “sem modelo”.
O território do Vale do Ave era identificado por Nuno Portas em 1986 (revista Sociedade e Território nº 5, Novembro de 1986) como um continuo urbanizado de mais de 250 freguesias e 6 concelhos, incluindo centros urbanos de pequena e media dimensão, no qual a dispersão da urbanização andava a par de uma mistura de actividades ao nível mais capilar. Em vez de uma racionalização operada em nome da “cidade com modelo”, o consultor de planeamento defendia que “os esforços fossem dirigidos noutro sentido: no sentido do reforço do modelo instalado e da correcção persistente e participada dos seus desvios e perversões”. Para ele, a racionalidade só faria sentido se o território não dispusesse já de uma estrutura física, económica e social instalada. O capital fixo não se desloca por força de uma decisão politica ou de um plano, não só porque o período é caracterizado por uma crescente concorrência internacional, mas também porque  a crise do Estado Providência veio para ficar, advertia.
O urbanismo é, para Nuno Portas, a cidade que lida com a incerteza e a pluralidade dos actores. Que respeita o factor tempo e os seus diversos ritmos e os procura integrar sem eliminar nenhum. Que perscruta as geografias e equaciona as suas variáveis com dimensão sociológica e antropológica, económica e política.
Fazer cidade é convocar saberes e levar a regeneração e a revitalização a todo o território do urbano. É aprofundar o conhecimento sobre a cidade emergente e não a descriminar na afectação dos recursos. Fazer cidade é conferir ao espaço público uma função central na politica urbana. É nele que reside a garantia da evolução da cidade.
Manuel de Solà-Morales descreveu Nuno Portas como o arquitecto que tanto vive “o internacionalismo cosmopolita”, como “o áspero realismo local”. Um arquitecto que tanto pensa a história como a politica das cidades – e a política em geral. E a quem interessa mais o processo do que o resultado, a gestão mais do que o produto. A gestão é articulação, é negociação, é composição: de interesses e de forças inscritas no território, de layers, de tempos e de usos da cidade.

João B. Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães

Nota bibliográfica
. Nuno Portas, A Cidade como Arquitectura. 1ª edição, 1969. 2ª edição fac-símile com posfácio do autor, Lisboa, 2007.
. Thierry Pacqot: “L’Invité - Nuno Portas”, Urbanisme, Le Magazine International de l’Architecture et de la ville. Nº 312, Mai-Juin 2000.
. Nuno Portas, Álvaro Domingues, João Cabral, Politicas urbanas, Tendências, Estratégias, Oportunidades. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
. Nuno Portas, Os Tempos das Formas. I – A Cidade Feita e Refeita. Prefácio de Manuel de Solà-Morales. Guimarães, 2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). História e Critica, Ensino e Profissão. Porto, FAUP, 2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). Teoria e Desenho, Investigação e Projecto. Porto, FAUP, 2005.
. Ana Vaz Milheiro e João Afonso (Coord.), Nuno Portas, Prémio Sir Patrick Abercrombie, Prize UIA 2005, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2005.
. Nuno Portas, “Mezzo Secolo di Architettura e urbanística. Una personale testimonianza.” In Bruno Pelucca, Progetto e Território. La Via Portoghese.
Perugia, 2010.

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