sexta-feira, 11 de março de 2011

Longo Curso

Iniciei a leitura (salteada) do livro de Estudos em Homenagem a José Medeiros Ferreira coordenado por Pedro Aires de Oliveira e Maria Inácia Rezola.
Como se compreenderá, principiei pelos textos que mais directamente se reportam à actividade do próprio homenageado, a começar pelo excelente ensaio biográfico de Pedro Aires de Oliveira (“José Medeiros Ferreira: um percurso cívico e académico”), passando pelo testemunho de António Reis (“Carta a um amigo”) e os ensaios historiográficos de Victor Pereira (“O exílio português na Suíça, 1962-1974”), de Luís Farinha (“Medeiros Ferreira e o III Congresso da Oposição Democrática, 1973: teses com futuro”).
Esta minha abordagem selectiva pode dar uma imagem errada do livro que foi inteligentemente concebido como uma obra académica destinada a celebrar uma carreira académica. Os coordenadores escolheram autores cujos trajectos pessoais e profissionais apresentam pontos de contacto activo com José Medeiros Ferreira e garantiram que os temas abordados exibem igualmente cruzamentos significativos com problemáticas que interessaram o professor e o investigador homenageado.
A intervenção cívica de José Medeiros Ferreira ocupa pois um lugar relativamente secundário neste livro, o que se justifica e certamente corresponde à vontade do próprio, mas saliente-se que não foi iludida. Afinal, a carreira universitária de José Medeiros Ferreira não teria sido possível sem a instauração da democracia em Portugal e para ela o historiador contribuiu não apenas como observador e comentador, mas como activista em diversos cargos e funções. Mais. Se José Medeiros Ferreira pode ser apontado como um dos mais sólidos historiadores da nossa contemporaneidade e um académico que muito contribuiu pela docência e pela investigação para a consagração dos estudos contemporâneos na Universidade portuguesa pós-Abril, a tais condições não será estranha a circunstância de ele ter sido um participante qualificado na própria história contemporânea portuguesa.
Conheci Medeiros Ferreira pouco depois do 25 de Abril, quando acompanhei César Oliveira na redacção do semanário Poder Popular e por cuja sede, na Rua Garret, em Lisboa (intermediada por José Manuel Galvão Teles) passavam a trocar informações e opiniões sobre o “processo em curso” diversos intelectuais regressados do exílio, ainda sem opções partidárias plenamente definidas.
Mas o seu nome constituía para mim uma das referencias mais fortes dos dirigentes estudantes da geração imediatamente anterior. E sobre esse aspecto gostaria de deixar aqui um modesto testemunho.
Na Faculdade de Letras de Lisboa, onde entrei em 1967, e onde, em 1968/69 partilhei o projecto de reerguer a antiga Pró-associação, a figura do jovem açoriano, expulso da Universidade em 1965, era apontada como exemplo de uma inteligência brilhante e de uma força corajosa. Li por essa altura um documento distribuído clandestinamente na Universidade – soube agora que trazido da Suíça por António Reis, de quem também fui colega nesses tempos da Faculdade e companheiro de movimentações estudantis – dirigido ao Exército e apelando à mudança.
Já na década de 70, alguém me fez chegar alguns números da revista Polémica, editada em Genebra, com a colaboração de diversos emigrados políticos na Suíça, entre os quais Medeiros Ferreira. Gostaria de sublinhar a importância desta revista, que julgo ter vislumbrado de imediato. Nela percebi uma primeira tentativa de mobilizar a análise história e social para a compreensão da sociedade portuguesa, das suas tensões e bloqueios, como condição para desenhar a própria acção política. Para quem há muito se distanciara das propostas politicas feitas de slogans e visões teleológicas da história, os textos da Polémica constituíram um incentivo e uma esperança. Sem percebermos o que combatemos, a vontade pode não passar de voluntarismo e a acção corre o risco de ser cega.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei da tua posta sobre o Zé Medeiros. Recordei os bons momentos que passei com ele, Maria Emília e outros nas minhas visitas regulares a Genebra entre 72 e 75 e, particularmente no curto período em que lá estive “exilado”. Como gostei de ser “correio” e distribuidor da Polémica cá e de o alimentar lá com material sobre os militares e a guerra colonial!
Abraço do
Zé Dias