terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pôres do sol pesso(ais)anos (II)


4.
Ontem o pôr do sol não foi apenas um pôr do sol. Ricardo Reis veria em cada uma das cores o rasto das dores cantadas por um deus longínquo. Esperámos que o silencio se cobrisse de espuma. A linha dos teus lábios abriu-se num sorriso.

5.
Ontem o pôr do sol não foi apenas um pôr do sol. Para Fernando Pessoa podia ser um delírio fúnebre ou um desejo vão. Mas o teu olhar conhecia o caminho do mar e trocou a memória  pela esperança.

6.
Escolhemos o lugar mais perto da água como se precisássemos de ampliar o espaço ente nós e o resto.
Era também o mais exposto ao sol, como se velando o olhar corrêssemos menos riscos de franquear as fronteiras um do outro.
O pôr do sol não foi apenas um pôr do sol. Desenhou as ilhas que faltavam e trouxe repouso às tuas mãos.

6 comentários:

Vasco Tomás disse...

Sintonizando com a graça que se desprende do tratamento poético de uma experiência amorosa, aponho um fragmento das "Nuits" de Musset:

"LE POÈTE

Puisque l'oiseau des bois voltige et chante encore
Sur la branche où ses oeufs sont brisés dans le nid ;
Puisque la fleur des champs entr'ouverte à l'aurore,
Voyant sur la pelouse une autre fleur éclore,
S'incline sans murmure et tombe avec la nuit,

Puisqu'au fond des forêts, sous les toits de verdure,
On entend le bois mort craquer dans le sentier,
Et puisqu'en traversant l'immortelle nature,
L'homme n'a su trouver de science qui dure,
Que de marcher toujours et toujours oublier ;

Puisque, jusqu'aux rochers tout se change en poussière ;
Puisque tout meurt ce soir pour revivre demain ;
Puisque c'est un engrais que le meurtre et la guerre ;
Puisque sur une tombe on voit sortir de terre
Le brin d'herbe sacré qui nous donne le pain ;

Ô Muse ! que m'importe ou la mort ou la vie ?
J'aime, et je veux pâlir ; j'aime et je veux souffrir ;
J'aime, et pour un baiser je donne mon génie ;
J'aime, et je veux sentir sur ma joue amaigrie
Ruisseler une source impossible à tarir.

J'aime, et je veux chanter la joie et la paresse,
Ma folle expérience et mes soucis d'un jour,
Et je veux raconter et répéter sans cesse
Qu'après avoir juré de vivre sans maîtresse,
J'ai fait serment de vivre et de mourir d'amour.

Dépouille devant tous l'orgueil qui te dévore,
Coeur gonflé d'amertume et qui t'es cru fermé.
Aime, et tu renaîtras ; fais-toi fleur pour éclore.
Après avoir souffert, il faut souffrir encore ;
Il faut aimer sans cesse, après avoir aimé."

Jacinta disse...

Ao por do sol, Caeiro diria que este sorriso é tão natural como o rio da sua aldeia: quem está junto dele é, apenas, junto dele que está.

Ao por deste sol, Reis murmuraria, para se não fatigar, que deste olhar só o quando se oculta se revela.

Ao por deste mesmo sol, Campos vozearia que estas mãos, por demais sensíveis, vibráteis, frenéticas, vertiginosas até ao desastre, só na ponte de uma orla fluvial ou na orla de uma ode marítima sabem aquietar-se.

João B. Serra disse...

Obrigado Vasco, pela partilha deste poema fantástico. Aime, et tu renaîtras ; fais-toi fleur pour éclore.
Après avoir souffert, il faut souffrir encore ;
Il faut aimer sans cesse, après avoir aimé.

João B. Serra disse...

Jacinta,
Espero que tenha percebido que o ultimo texto não é pessoano, é pessoal.

Jacinta disse...

Não parece difícil descobrir - ou lembrar - que, embora filiado na poética pessoana, o último texto pertence à ordem do discorrer pessoal, quase como se fosse a declaração de um daqueles segredos que consideramos íntimos.

Isabel X disse...


Mais uma achega pessoana:

"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."

- Isabel X -