Uma vez um lobo encontrou uma ovelha que andava a pascer e
disse-lhe:
- Ó ovelha, eu como-te!
Respondeu a ovelha:
- Pois sobe ali para cima, que eu entretanto vou pascendo, e
depois entro-te lá mesmo pela boca dentro.
O lobo subiu para o alto do monte e esperou. A ovelha, assim
que viu o lobo longe, fugiu. O lobo começou a correr atrás dela, e, como a não
pudesse agarrar, disse:
Que eu sou
lobinho-cão,
Nunca corri tanto em
vão.
Respondeu a ovelha:
Que eu sou ovelhinha
ruça,
Nunca corri tanto de
escaramuça.
Contos Tradicionais
Portugueses, coligidos por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira e
ilustrados por Maria Keil. Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1957. Vol. I, p.
269-270.
Moral da história: até um lobinho-cão tem a sua ovelhinha má.
5 comentários:
Nada neste excerto permite concluir que a ovelhinha é má. Apenas sabemos que é ruça.
Sendo certo que desconhecemos o desfecho da história.
Muito freudianos os contos tradicionais...
- Isabel X -
Num rio matava a sede/ Tenro anafado cordeiro,/ E mais acima, igualmente,/ Bebia um lobo matreiro./ Podia a fera faminta/ Logo saltar e ir-lhe ao pêlo;/ Mas sem pretexto não quis/ Agadanhá-lo e comê-lo./ Bradou-lhe: "Ó lá, Sô Tratante!,/ Espere que eu já lá vou!/ Turba-me as águas que bebo,/ Sem atender a quem sou?/ Diz-lhe ele: "Bem vê, senhor,/ Qu'está da parte eminente/ E que de lá vindo as águas,/ Turbar não posso a corrente./ Turbaste-a, sim - diz o lobo -/ Além disso, o ano passado,/ Tanto mal de mim disseste,/ Qu'ia ficando infamado!/ - Veja - torna-lhe o cordeiro -/ Senhor, que está iludido,/ Porqu'eu este ano passado/ Inda não era nascido./ Raivoso, de olhos em brasa,/ Responde o lobo glutão:/ - Foi teu famélico irmão./ O titubeante cordeiro,/ Que já em tremuras vive,/ Lhe diz: - Senhor, é engano,/ Porqu'eu irmãos nunca tive./ - Se ele não foi, foi teu pai,/ Agora estás convencido -/ Disse o lobo, e num momento/ Foi o cordeiro engolido.
MORAL: Para dourar seus crimes, sempre o sagaz prepotente quer ter por base a razão, inda que seja aparente...
La Fontaine, Fábulas, Trad. de Curvo Semedo
Moral da história: O lobo, finalmente, revelou-se o mau da fita.
Caras comentadoras: li e reli a literatura portuguesa popular sobre a matéria. Posso garantir-vos que não há uma única situação em que o lobo leve a melhor tanto sobre raposas como sobre ovelhas. Ou seja, a visão pérfida de La Fontaine sobre este nobre animal não logrou contaminar a cultura popular portuguesa que sempre viu no lobo um vitima das velhacarias das raposas e das artimanhas das ovelhas. Dir- me-ão que se trata do resultado da misogenia ancestral dos portugueses, uma vez que nestas historias lobo é sempre macho e ovelha ou raposa sempre fêmea. Seja como for, a caracterização do lobo náo foge deste parâmetros: animal de comportamento estável e previsível, confiante e sem manha, que se expõe por isso a repetidos fracassos.
No romance de Mário Vargas Llosa, "As travessuras duma menina má", o pobre Ricardito é o lobinho-cão. A menina má sempre o seduz e sempre o engana e rejeita. Náo há volta a dar. A inocência do Ricardito a tudo resiste.
Ao autor do blogue conviria alargar a gama das suas consultas. Estará recordado do pérfido tirano D. Brutamontes de O Romance da Raposa de Aquilino Ribeiro?
Quanto a ricarditos e meninas más, duas observações:
1. Como saberá um expert em sociologia política, as "meninas" estão atavicamente condicionadas para a "travessura" como forma única de se emanciparem da prepotência masculina.
2. Há ricarditos que estão mesmo a pedi-las...
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