sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Corrector"

Não consigo (ainda?) escrever segundo a nova ortografia. Não se trata nem de preguiça, nem de protesto. O Ministério da Cultura forneceu-me um programa que passa pelo texto e num ápice me alinha com as novas regras. O expediente retira-me o argumento da dificuldade externa. Sinceramente, também não me sinto atraído pelos argumentos mais tonitroantes dos adversários do acordo, tanto os de natureza política como os de natureza cultural.
Pergunto-me então porque experimento esta resistência à nova ortografia. Aprendi a escrever de uma certa maneira e essa aprendizagem produziu mais do que um instrumento, uma cultura, mais do que um dispositivo, uma configuração estrutural. Aquelas consoantes que não se pronunciam integram o modo como observo e penso, porque o modo como vejo o que me rodeia não é independente do modo como o descrevo. Designar é designar num universo constituído por uma escrita com determinadas normas e não consigo de facto ser indiferente à grafia fato e facto.

2 comentários:

Isabel X disse...

Não só o compreendo bem, João, como sinto que a argumentação que apresenta me ajuda a compreender as minhas próprias dificuldades em me adaptar à nova ortografia.

No entanto, o exemplo final não me parece dos melhores porque "facto" não perde o "c", na medida em que nesse caso ele é pronunciado. São (julgo) aceites as duas grafias, uma para Portugal (facto) e outra para o Brasil (fato).

A mim faz-me muita confusão, por exemplo, ser "ata" em vez de acta. Há ali um défice de letras notório.O "c" é fundamental naquela palavra, na distinção relativamente ao verbo atar.

No princípio do século XX, quando houve outra profunda alteração ortográfica, Teixeira de Pascoaes disse que era evidente que lágrima não podia deixar de ser escrita com "Y" (lágryma) porque se tratava de uma letra indispensável à palavra. Significava a lágrima correndo pelo rosto de quem chora. Uma perda,sem dúvida.

Quem vive a transição sente-a como perda, mas há muitos casos que são ganhos. Por exemplo, a perda dos hífens da maior parte das locuções, que me parece lógica.

- Isabel X -

Isabel X disse...

Entretanto lembrei-me:

Ainda pior que acta é acto ou acção passarem a ser "ato" e "ação": irreconhecíveis, diminuídas, amputadas estas palavras...


- Isabel X -