Uma página de história política contemporânea: 10 de Março de 1976, a Assembleia Constituinte delibera sobre o nome que terá na Constituição da República o Parlamento.
O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de o meu amigo e colega Jorge Miranda já ter dito que perdemos muito tempo com esta questão, eu sinto-me também no direito de emitir uma opinião a este respeito.
[...] Eu creio que poderíamos chamar à Assembleia Legislativa, pura e simplesmente, Assembleia da República. Assembleia da República, porque é o órgão colegial que exprime e traduz a República.
Há o Presidente da República, uma figura singular, que encabeça e simboliza, portanto, o Estado. E há um órgão colegial que exprime, que é o representante do povo português. Creio que esta expressão que está em paralelismo com a designação «Presidente da República», põe em relevo o carácter colegial, reabilita e dá o devido valor a uma fórmula: a palavra «República», que na história das ideias, que na história das formas de Estado, tem um conteúdo progressista, tem um conteúdo democrático, é sinónimo de democracia em todas as dimensões que a democracia pode exprimir. Por esse motivo, e sem atribuir a este problema nenhuma importância especial, eu sugeriria a fórmula «Assembleia da República».
O Sr. Presidente: - Um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pedido de esclarecimento.
Por sinal, já há pouco o Sr. Deputado José Luís Nunes, tinha sugerido, em conversa informal, o termo «Assembleia da República», e por isso eu estou muito satisfeito por haver essa concordância dos bons espíritos que são o Deputado Mota Pinto e o Deputado José Luís Nunes.
[...] Mas queria perguntar se ele não se terá inspirado na expressão «Congresso da República», da Constituição de 1911. Pela minha parte, e em meu nome pessoal, seria mais uma homenagem que esta II República democrática portuguesa prestaria aos homens da I República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mota Pinto, diga da sua inspiração.
O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente: Eu creio que este pedido de esclarecimento é um pedido de perscrutação dos motivos subconscientes que me levaram a propor esta fórmula. [...] Acho que a palavra «República» exprime alguma coisa na história das ideias e dos sistemas de Governo, que comporta potencialidades no domínio político, no domínio social e no domínio económico correspondentes a uma sociedade democrática em todos os seus desenvolvimentos. Só por isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valha a verdade que diga que a expressão «Assembleia da República» me foi sugerida pelo meu colega e camarada Carlos Candal, depois de ter ouvido uma série de Deputados do grupo parlamentar.
[...] Dito isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós damos a nossa adesão à designação de Assembleia da República.
Mas gostava de dizer uma coisa, a finalizar. É que esta discussão, ao contrário do que se pensa, de forma nenhuma foi uma discussão estéril. Os símbolos e as designações dos órgãos têm um aspecto emocional de tal ordem importante que, em 5 de Outubro de 1910, os homens da República, embora continuando a tradição liberal dos homens do passado que fundaram a Nação, substituíram a bandeira azul e branca pela bandeira verde-vermelha. Bandeira hoje que é nossa e que orgulhosamente arvoramos. Portanto, ao fazermos, ou ao chamarmos à assembleia representativa do povo português Assembleia da República, nós, de certa maneira, reafirmamos a vinculação eterna e para sempre do nosso destino aos ideais nobres de justiça e fraternidade do 5 de Outubro de 1910 e aos homens eminentes que os incarnaram.
O Sr. Presidente: - E até, se me permitem, vai-nos proporcionar - desculpem esta intervenção um bocadinho atrevida - que nos nossos comícios do futuro se dêem vivas à República, que é uma coisa que nunca ouvi. Não se dão vivas à República. Dá-se vivas à Revolução, vivas a Portugal - raríssimas vezes; que me recorde, nem tenho lembrança de nenhuma vez em que se tenha dado vivas à República em comícios.
Mas parece que continua em discussão.
[...] O Sr. Presidente: - Vem então a proposta?
Suponho, se estiverem de acordo, que a poderíamos votar.
Ela vai entrar na Mesa, com certeza, com as assinaturas recolhidas e eu peço licença para sugerir à Assembleia que, dada a solenidade deste acto, porque se trata de um acto eminentemente solene para a nossa vida pública, a votação será feita de pé por todos os Srs. Deputados. Os Srs. Deputados que aprovam tenham a bondade de se levantar.
Submetida à votação, a proposta foi aprovada por unanimidade.
Aplausos prolongados.
O Sr. Presidente: - Temos dez minutos. Vamos aproveitá-los. O Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para uma breve declaração de voto. Votando a designação «Assembleia da República» para a Assembleia representativa de todos os portugueses, o Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático deseja, em primeiro lugar, manifestar a sua satisfação pelo consenso que, apesar de todas as divergências reais que existem, foi possível estabelecer nesta Assembleia Constituinte. Deseja reafirmar a sua fé nos valores de liberdade, igualdade e fraternidade que estão associados ao termo «República» e deseja, por último, declarar que entende esta votação de algum modo como uma nova rectificação solene da proclamação da República em Portugal, tal como aconteceu com a Assembleia Constituinte de 1911.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero sublinhar, tal como fez o Sr. Deputado Coelho dos Santos, que foi o Sr. Deputado Mota Pinto o primeiro a propor esta designação; em segundo lugar; congratular-me por se ter conhecido um tão amplo consenso e por ter sido o meu grupo parlamentar a levantar o problema de uma designação que foi possível enfim melhorar; em terceiro lugar recordar aqui, assim e publicamente, que a designação deste órgão como Assembleia da República é de certa maneira a reentrada nesta Sala de todos aqueles que desde o dia 28 de Maio de 1926, sob a violência e sob a força das armas, a abandonaram e nunca mais voltaram aqui a entrar.
É, de certa maneira, o regresso a esta Casa de Afonso Costa; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa de António José de Almeida e António Sérgio; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa do último Presidente da República Portuguesa, o último chefe do Governo, António Maria da Silva e Bernardino Machado; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa de todos os homens da República que pelos caminhos do exílio tanto se sacrificaram e tanto sofreram e tanto lutaram pela liberdade do povo português.
É a entrada nesta Casa novamente da sopro da liberdade e do livre pensamento a que esteve tanto tempo alheia; é, em verdade, a restituição do Palácio de S. Bento à sua verdadeira função de Assembleia dos mais altos representantes da Nação e é, também, e sé permitem a entrada aqui dentro de todo um cortejo de sombras, de todos os nossos companheiros que ao longo desta luta morreram e que não puderam aqui estar connosco.
É também a vitória e a entrada aqui dos homens da resistência de Carlos Cal Brandão e José Dias Coelho, que durante a longa noite fascista foram capazes de lutar pela liberdade.
É também a entrada nesta Casa dos revolucionários do 3 de Fevereiro e do 7 de Fevereiro e dos revoltosos da Marinha Grande.
E se permitem, correspondendo a um apelo do nosso Presidente, Srs. Deputados, meus camaradas:
Viva a República!
Vozes: - Viva!
Aplausos prolongados.
O Sr. Presidente: - Meus senhores, parece-me que depois deste acto emocional não levariam a mal ao Presidente que encerrasse a sessão, porque não vamos agora descer a meia dúzia de minúcias.
Considero comovidamente encerrada esta sessão.
1 comentário:
Como Republicano, com responsabilidades na militância de Bases, que para mim se retratou na forte adesão do Povo ao voto, na eleição para a Assembleia Constituinte, recordo a época que relatas, com um certo brilho nos olhos…Viva a República
João Ramos Franco
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