Jonas não se mostra apenas relutante em falar (como Jeremias, por exemplo). Não, Jonas recusa-se mesmo a falar. "Agora a palavra do Senhor foi dirigida a Jonas (...) Mas Jonas levantou-se e fugiu da face do Senhor".
Jonas foge. Paga a sua passagem e embarca num navio. Rebenta uma tempestade terrível, de tal forma que os marinheiros temem que o navio naufrague. Todos pedem aos seus deuses que os poupem. Jonas, pelo contrário, "tinha descido ao porão e, deitando-se ali, dormia profundamente". O sono, portanto, como retirada absoluta do mundo. Sono como uma imagem de solidão. Oblomov enroscado no seu divã, regressando pelo sonho ao útero da mãe. Jonas no ventre da baleia.
O comandante do navio encontra então Jonas e diz-lhe que reze ao seu Deus. Entretanto, os marinheiros deitam sortes para ver quem será o responsável pela tempestade: "...e a sorte caiu sobre Jonas".
"E então ele disse-lhes: 'Pegai em mim e lançai-me ao mar e o mar se acalmará porque sei que foi por minha causa que vos sobreveio esta tempestade.'
"No entanto, os homens remavam para ver se conseguiam ganhar a terra, mas em vão, pois o mar cada vez se embravecia mais contra eles" (...).
"E foi assim que pegaram em Jonas e o lançaram ao mar e a fúria do mar acalmou-se".
Não obstante a mitologia popular em torno da baleia, o grande peixe que engole Jonas não é de modo algum um agente de destruição. É o peixe que o salva de morrer afogado. "As águas cingiam-me até à alma, o abismo cerrava-se à minha volta, as algas pegavam-se à minha cabeça".
Paul Auster, Inventar a Solidão. Porto, Asa, 2004. p. 141
1 comentário:
A solidão pode ser sofrimento ou força. O caso de Jonas parece-me ilustrar que cada cada homem está só por natureza, ou que é da sua natureza estar só. Perante Deus, pelo menos. Quando recusa o encontro com Deus, que é como se recusasse encontrar-se a si mesmo, desencadeia a tempestade. A consciência plena da sua condição salva-o no final.
- Isabel X -
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